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3. O ESTADO NEOLIBERAL E A ESPECIFICIDADE BRASILEIRA

3.2 O Estado neoliberal, o caso brasileiro

Uma das principais estratégias do neoliberalismo nos anos 1990 é a reestruturação do Estado. Desta maneira, é fundamental para esta pesquisa, compreender as transformações do Estado brasileiro, no Estado-empresarial, dada a sua relação direta com os ataques ao funcionalismo público. Para realizar tal análise, observemos o raciocínio daquele que encabeçou a reforma da administração pública brasileira, o professor, economista e advogado Luiz Carlos Bresser-Pereira, considerado o pai da Reforma Gerencial da Administração Pública de 1995, no Governo Fernando Henrique Cardoso. Ele foi o principal formulador do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado e teve papel fundamental na reforma da administração pública brasileira quando esteve à frente do Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE) entre 1995 a 1998, no primeiro governo FHC. No segundo governo, o MARE deixou de existir e suas atribuições foram direcionadas ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, mais diretamente a Secretaria de Gestão (SEGES) desse ministério.

Apesar da escolha metodológica de reproduzir o termo oficial de Reforma do Aparelho do Estado, o que aconteceu no Brasil, e ainda vem acontecendo nos últimos governos, é uma Contrarreforma do Estado brasileiro, tendo em vista que, apesar de apresentar um verniz progressista, representa em sua gênese cortes de direitos sociais. Na perspectiva gramsciana, assim como descrita por Carlos Nelson Coutinho (2012):

a palavra “reforma” foi sempre orgânicamente ligada às lutas dos subalternos para transformar a sociedade e, por conseguinte, assumiu na linguagem política uma conotação claramente progressista e até mesmo de esquerda. O neoliberalismo busca assim utilizar a seu favor a aura de simpatia que envolve a ideia de “reforma” (COUTINHO, 2012, p.122).

Maria de Fátima Andreazzi e Maria Inês Bravo (2014) também defendem a ideia de que aconteceu um processo de contrarreforma e não de reforma, visto que a mudança

39 na direção da extinção de direitos, ao passo a origem do termo reforma remonta a luta social e progressista4. Em conformidade, Elaine Behring (2003), reafirma que:

(...) se está diante de uma apropriação inédita e fortemente ideológica da ideia reformista, a qual é destituída de seu conteúdo progressista e submetida ao uso pragmático, como se qualquer mudança significasse uma reforma, não importando seu sentido, suas consequências sociais e direção sociopolítica (BEHRING, 2003, p.128).

Tese que é confirmada também por Coutinho (2012):

o que antes da onda neoliberal queria dizer ampliação dos direitos, proteção social, controle e limitação do mercado etc., significa agora cortes, restrições, supressão desses direitos e desse controle. Estamos diante de uma operação de mistificação ideológica que, infelizmente, tem sido em grande medida bem-sucedida (COUTINHO, 2012, p.122).

De acordo com Bresser-Pereira (1996; 2000; 2017), a reforma deve ser gerencial, pois o Estado precisa dispor de um modelo de gestão igual ao das empresas privadas - enxuto e funcional. Assim, o administrador público teria possibilidade de administrar de forma eficiente as agências públicas. Para ele, a reforma foi uma resposta necessária tanto para consolidar o ajuste fiscal quanto para modernizar o serviço público, tornando-o profissional e eficiente, além de “diminuir os custos dos grandes serviços sociais universais de educação, saúde e previdência social que o Estado passara a exercer” (BRESSER-PEREIRA, 2017, p. 148), mantendo o estado social5, em que “o critério de êxito seja sempre o do melhor atendimento ao cidadão-cliente a um custo menor” (Id., 2000, p.18). Essa perspectiva não foge daquilo que Dardot e Laval (2016) chamaram de “nova gestão pública”, que tem a função de mudar o Estado e, dessa maneira, busca de forma sistemática adentrar a lógica da concorrência e ter seus métodos de governos inspirados nos moldes das empresas privadas. Querem “reinventar o governo” onde se diminuem os custos e os cidadãos são tidos como clientes.

4 Mesmo cientes do perfil dessas contrarreformas, mantem-se o uso do termo oficial ao longo da pesquisa. 5 “O estado social implica tornar coletiva ou pública a oferta dos serviços de educação, saúde e previdência social; e em tornar coletivo, ao invés de individual, seu consumo” (BRESSER-PEREIRA, 2017, p. 154).

40 A primeira reforma do estado brasileiro ocorreu em 1936 com a criação do Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), iniciando a administração burocrática clássica no país. A reforma administrativa burocrática é vista como a primeira reforma do Estado moderno, influenciada pela proposta weberiana e tem como perspectiva principal opor-se a administração patrimonialista6 no intuito de separar o público do privado, o político do servidor público e coibir as práticas clientelistas e o fisiologismo (BRESSER-PEREIRA, 1996, 2000 e 2017).

A administração burocrática racional-legal tinha por características: “centralização das decisões na hierarquia traduzida no princípio da unidade de comando, na estrutura piramidal do poder, nas rotinas rígidas, no controle passo a passo dos processos administrativos” (BRESSER-PEREIRA, 2000, p. 271). Em outras palavras, estabelecer as bases da administração profissional criando instituições necessárias à racionalização burocrática. Entretanto, por acontecer tardiamente no Brasil, a reforma burocrática, que nunca foi completada, não acompanhou os desenvolvimentos tecnológicos e as novas funções do Estado, criando uma “inconsistência entre as novas tarefas assumidas pelo Estado e o ritmo acelerado do progresso técnico em todas as áreas” (Ibid., p.17). O modelo racional-legal não possibilitava a eficiência necessária ao administrador público, segundo o autor.

Em 1967, surgiu a primeira tentativa de reforma para substituir a administração pública burocrática por uma “administração para o desenvolvimento”7 (BresserPereira, 2000). A reforma da administração pública brasileira surge com o Decreto Lei (DC) n. 200 de 1967, possibilitando, dentre outras coisas, ao administrador público recorrer à contratação indireta de entidades privadas (ou seja, a terceirização) “como forma de impedir o crescimento desmesurado da máquina administrativa (art. 10, § 7º)” (AMORIM, 2009, p. 51; grifo do autor).

O decreto (DC) n. 200/67 trouxe o ideário de baixos custos, flexibilização e eficiência para o Estado, além de ter como princípios a descentralização a racionalidade administrativa, o planejamento, o orçamento e o controle dos resultados, a utilização de 6 Para o autor existem apenas três maneiras de administrar o Estado: a administração patrimonialista, a administração pública burocrática e a administração pública gerencial (BRESSER-PEREIRA, 2000, p. 16).

7 Bresser-Pereira (1996) fala que foi uma tentativa de reforma gerencial, entretanto, Bresser-Pereira (2000) fala que foi uma reforma por uma “administração para o desenvolvimento”.

41 empregos via Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) para as unidades descentralizadas e a expansão de empresas estatais e de fundações. Como destaca Bresser-Pereira (1996), o DC 200/67, tentou superar a rigidez burocrática, entretanto, ao permitir a contratação de funcionários sem concursos públicos, auxiliou a permanência de práticas patrimonialistas e fisiológicas.

Helder Amorim (2009) explica que mesmo diante da possibilidade legal de subcontratar, a terceirização no serviço público tornou-se desnecessária no período, visto que não existia legislação específica sobre a obrigatoriedade da contratação via concurso, permitindo ao administrador admitir diretamente através da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), com flexibilidade no processo de admissão e dispensa própria do regime do Direito Privado. Apenas com a Constituição de 1988 é que se tornou obrigatório o concurso público para cargos e emprego público (AMORIM, 2009; DRUCK, 2016). Segundo Bresser-Pereira (1996), a não realização de concurso público e a não criação de carreiras de altos administradores para os núcleos estratégicos do Estado, possibilitaram ações oportunistas dos militares. Para ele, o Decreto Lei 200/67 foi um fiasco que com a crise política do regime militar só piorou a administração pública. Em sua concepção, desde o período militar, o Brasil passaria por uma crise da administração pública burocrática, por não romper com o patrimonialismo e nem criar uma burocracia profissional no país com abertura de concursos públicos para alta administração. Ao invés de fortalecer o país, o governo militar optou por contratar, via empresas, os altos administradores.

Conforme afirma o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE), a Constituição de 1988 também não melhorou a administração pública e a tornou mais arcaica, visto que levou a administração pública brasileira ao mal oposto, isto é, à rigidez burocrática extrema, ignorando as novas regras da administração pública – o gerencialismo. Bresser-Pereira (1996) aponta que a reforma dos anos 1930 - que não foi instaurada plenamente – e a Carta de 88, com sua reforma descentralizadora, permitiram que práticas clientelistas continuassem a existir, inclusive nos estados e municípios. O casamento desses dois elementos – patrimonialismo e enrijecimento burocrático – vai gerar, segundo o autor, altos custos e baixa qualidade na administração pública. Para o mesmo, a forma como ocorreu a redemocratização brasileira possibilitou um retrocesso ainda maior na administração pública. Seriam característicos desse retrocesso: a criação

42 do Regime Jurídico Único (RJU), que incorporava todos os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações (incluindo a questão de receber igual tratamento funcionários cuja atividade tem maior ou menor status social. Ex: juízes x faxineiros), a estabilidade muito rígida que dificulta o processo de cobrança de trabalhos, pois no lugar de proteger o Estado, protegia os funcionários do Estado, as novas regras administrativas que coibiam a autonomia das autarquias e fundações públicas e, por fim, o sistema de aposentadoria e pensão para os servidores (BRESSER- PEREIRA, 1996). Contudo, na perspectiva desta abordagem, considera-se tal ponto de vista um equívoco, pois o que representaria o retrocesso é aqui compreendido como elemento essencial para a construção da democracia brasileira.

Foi no governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC) que surgiu a oportunidade de instaurar a Administração Pública Gerencial, com a consolidação do projeto neoliberal no Brasil, a partir dos anos 1990. Já em 1995, com o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado se desenvolveram todas as posturas e ações do Estado gerencial. De acordo com L. Filgueiras (2003), o Brasil foi o último país da América Latina a adotar o modelo neoliberal. Este processo foi lento, principalmente por causa dos acontecimentos políticos do país no início dos anos 1990 – a deposição de Collor e o governo de Itamar Franco. Nesse sentido, apenas no governo FHC que esse modelo político-econômico-social ganhou força. Os argumentos utilizados para legitimar a reforma eram a instituição do ajuste fiscal a curto prazo – em especial, nos estados e municípios - e a longo prazo, modernizar a administração pública e torná-la mais eficiente para os cidadãos. Este discurso da modernização foi utilizado, muitas vezes como álibi para a implantação de políticas neoliberais.

Para Fernando Henrique Cardoso e seu quadro político, a administração pública necessitava adaptar-se à era globalizante do capitalismo e enfrentar a crise inflacionária, reduzindo a máquina administrativa do Estado8 (SOUZA, 2012). Essa situação de crise também é relatada por Bresser-Pereira (1996) como algo que impulsionou a reforma no Brasil, além da pressão externa. Segundo Perry Anderson (1995), a hiperinflação, em

8 Entretanto, Bresser-Pereira (1998; 2000) argumenta que seu intuito nunca foi diminuir o Estado e sim fortalecê-lo. Para o autor, o seu projeto de Reforma do Estado não tinha o intuito de diminuir o Estado - como tem o neoliberalismo para ele - o plano gerencial que ele construiu visava fortalecer o Estado Brasileiro tornando-o mais forte e organizado. Tal afirmação do autor torna-se contraditória diante na análise dos seus próprios escritos e por compreendermos que o seu modelo de Reforma seguia toda cartilha do neoliberalismo, sendo fundamental para a consolidação desse modelo no Brasil.

43 alguns casos, foi estratégia fundamental para aceitar as novas políticas neoliberais, pois diante de grandes catástrofes essas medidas poderiam parecer as únicas possíveis.

O ajuste fiscal teria como prioridade desenvolver um sistema de exoneração de servidores públicos ou de demissão voluntária, definição clara do teto, modificações no sistema previdenciário via aumento do tempo de serviço e idade mínima para aposentar – no serviço público tornar a aposentadoria proporcional a contribuição. Ciente que essas medidas necessitavam de alteração na Constituição, Bresser-Pereira (1996) pensou que no caso da exoneração dos administradores, era necessário desenvolver estratégias: o Plano de Demissão Voluntária, para pensar quais setores eram passíveis de serem exonerados para que lhe oferecessem indenização e um “treinamento para a vida privada”. Para ele, a principal reforma que deveria ser feita era a constitucional, visando inserir as propostas de flexibilizar a estabilidade, de acabar com o RJU e a isonomia como preceito constitucional, de deixar o sistema de remuneração mais transparente e a criar um projeto de lei para o aumento salarial dos três poderes.

Entretanto, algumas mudanças institucionais importantes foram de caráter infraconstitucional – ou seja, não precisaram de alterações na Constituição. Entre elas estão as duas novas instituições organizacionais, formalmente criadas em1998, “as ‘agências executivas’ - instituições estatais que executam atividades exclusivas de Estado - e as ‘organizações sociais’ - instituições híbridas entre o Estado e a sociedade que executam os serviços sociais e competitivos” (BRESSER-PEREIRA, 2000, p.14). É com essas medidas que o Estado terá a administração pública gerencial que, para o autor, continua em processo e nunca irá se completar (Idem, 2017).

Na proposta do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado foram definidos os quatro setores do Estado:

i) Núcleo estratégico do Estado: É o centro responsável pela definição de leis e políticas públicas. É constituído pelo Presidente, pelos ministros do Estado, pela cúpula do ministério e pelos tribunais federais, incluindo o Supremo Tribunal Federal e Ministério Público. Os municípios e estados possuem também seus núcleos estratégicos. ii) Atividades exclusivas de Estado: São atividades em que o Estado exerce seu poder de legislar e tributar para garantir o cumprimento e financiamento de políticas

44 públicas. É composto pelas forças armadas, pela polícia, pelos órgãos de fiscalização e regulamentação e pelos órgãos que são encarregados pela transferência de recursos, como o Sistema Único de Saúde, etc.

iii) Serviços não-exclusivos ou competitivos: São serviços que o Estado realiza ou subsidia, pois podem ser relevantes para os Direitos Humanos básicos ou para economias externas. Particularmente serviços de educação, saúde, cultura e pesquisa científica. Dentre eles estão as escolas, as Universidades, os Hospitais, os Museus, as orquestras sinfônicas, etc.

iv) Setor de produção de bens e serviços para o mercado: São atividades executadas pelo Estado por meio de empresas de economia mista, que atuam em setores de serviços públicos ou setores estratégicos.

Com a reforma administrativa gerencial, o núcleo estratégico e as atividades exclusivas do Estado devem continuar estatais. Entretanto, além das funções tradicionais – como aprovar leis, definir políticas públicas, emitir sentenças, etc – ele passa a usar um novo instrumento que é o “contrato de gestão”. Por meio deste, o núcleo estratégico irá definir os objetivos e indicadores de desempenho das entidades executoras do Estado. Assim, esse setor deveria ser constituído por servidores que possuam o ethos do serviço público (Bresser-Pereira, 2000).

No setor de atividades exclusivas do Estado foram criadas as “agências executivas” e “agências reguladoras”9. Essas “agências autônomas” criadas na reforma tinham por objetivo o fortalecimento das funções de regulação e de coordenação do Estado. A autonomia lhe foi dada com intuito de atingir melhores resultados e superar a rigidez burocrática. As mesmas tem em seu comando um presidente nomeado pelo Ministro, com o qual é negociado o contrato de gestão com Estado. São determinados indicadores de desempenho qualitativo e quantitativo para as agências de regulação, mas há autonomia do presidente quanto à forma de gerir o orçamento, realizando

9 Após a privatização dos serviços públicos de energia elétrica e comunicação e a quebra do monopólio da Petrobras, foram criadas três agências regulamentadoras: Aneel, Anatel e ANP. Além das duas que já existiam o Banco Central (BC) e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). Em seguida, no decorrer do processo do gerencialismo no Brasil, surgiram agências para regular águas, transportes, cinema, etc. (PAES DE PAULA, 2005). A criação das Agências Regulatórias ocorreu após as privatizações da Reforma de 1995.

45 licitações para compras, e há liberdade nas relações de trabalho - quanto a admitir, demitir e o valor a ser pago aos funcionários.

No setor de produção de bens e serviços para o mercado foi instaurado programas de privatizações10. Para Bresser-Pereira com a privatização “pressupõe-se que as empresas serão mais eficientes se controladas pelo mercado e administradas privadamente” (BRESSER-PEREIRA, 1996, p. 283). O autor afirma que o Estado do século XXI é o Estado regulador e transferidor de recursos, e esse é o intuito do Plano Diretor. É nesse momento que surgem as empresas subsidiárias, que são empresas públicas e sociedades de economia mista. São elas que realizam as atividades econômicas ou prestação de serviços pelo Estado.

No setor de atividades não-exclusivas do Estado estão aquelas que devem ser públicas, mas não estatais. Existem três tipos de propriedade moderna: a privada, que visa lucros e consumo privado, a pública estatal e a pública não-estatal, em que a atividade é controlada pelo Estado e pelo mercado. No setor de serviços não-exclusivos foram criadas as “organizações sociais” (OSs) que são propriedade pública não-estatal. Nesses termos, “propriedade pública”, no sentido de todos e para todos, não visa lucro e deve se dedicar ao interesse coletivo e, “não-estatal”, porque compõe o aparelho do Estado. As atividades não-exclusivas, como as universidades, hospitais e museus, por exemplo, devem ser transferidos de forma voluntária para a gestão por organizações sociais. O que quer dizer possuem um contrato de gestão com o Poder Executivo e participam do orçamento público com autorização do parlamento.

Conforme o documento do MARE:

As OS são um modelo de parceria entre o Estado e a sociedade. O Estado continuará a fomentar as atividades publicizadas e exercerá sobre elas um

10 As privatizações “ já tinham deslanchado desde o Governo Collor, com a criação do Programa Nacional de Desestatização (PND); portanto, o Governo Cardoso assumiu a tarefa de expandi-las e acelerá-las, ampliando os setores produtivos e as empresas onde as mesmas poderiam ocorrer – incluindo no processo a Vale do Rio Doce e os setores de concessão de serviços públicos, como energia elétrica e telecomunicações” (FILGUEIRAS, 2000, p.112 apud FILGUEIRAS, 2006, p.196- nota 23)

46 controle estratégico: demandará resultados necessários ao atingimento dos objetivos das políticas públicas. O contrato de gestão é o instrumento que regulará as ações das OS (MARE, 1998, p. 13).

As transferências aconteceram através do Programa Nacional de Publicização (PNP) – que para o autor, não é uma privatização, pois conserva o caráter público e seu financiamento pelo Estado. Em outras palavras, é a transferência de recursos públicos para o setor privado, criando, por exemplo, as organizações sociais. O financiamento será repassado diretamente à OSs mediante dotação orçamentária,11 tendo como resposta o controle por resultados e contrato de gestão (DRUCK, 2016). Desse modo, a publicização é utilizada para se referir à terceirização no setor público. Tal fenômeno ocorreu no serviço público por meio do “uso de parcerias público-privadas, cooperativas, ONGs, organizações da sociedade civil de interesse público (Oscips) e organizações sociais (OSs)” (DRUCK, 2018, p. 3).

Bresser-Pereira (1996) propõe ainda que as organizações sociais substituam as fundações estatais. A essas novas entidades serão cedidos os bens das entidades aniquiladas. Segundo o autor “os atuais servidores da entidade transformar-se-ão em uma categoria em extinção e ficarão à disposição da nova entidade” (BRESSER- PEREIRA,1996, p. 284). Ou seja, aqueles servidores públicos sob o RJU deverão se submeter à nova administração e “o orçamento da organização social será global; a contratação de novos empregados será pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho” (Ibid.). O orçamento será global, mas as compras feitas pelas organizações sociais devem passar por licitação pública, mesmo com regime próprio. O Estado faz o contrato de gestão e submete a organização social à supervisão do Tribunal de Contas e do órgão de controle interno.

O autor prossegue com esse pensamento em obras posteriores (BRESSER-pereira, 2017) afirmando que para manter o estado social, as atividades dos serviços públicos precisam funcionar com eficiência, sendo necessário: i) atribuir a responsabilidade dos resultados aos gerentes do serviço, no lugar de submetê-los a um regulamento rígido; ii) gratificar os servidores quando obtiverem bons resultados e puni-los quando isso não

47 ocorrer; iii) o Estado deve continuar a ofertar serviços por meio de agências executivas e reguladoras e iv) manter a gratuidade de grandes serviços e direitos sociais, contanto que transfira a provisão e oferta para as organizações sociais – que, para o autor, são “quase-estatais”.

Segundo Filgueiras (2006), a reforma do Estado Brasileiro não acabou no governo FHC, pois esse modelo neoliberal foi mantido nos governos Lula (2003-2010), principalmente quando implementou “uma reforma da previdência dos servidores públicos e sinalizou para uma reforma sindical e das leis trabalhistas” (FILGUEIRAS, 2006, p. 186). Para o economista, as transformações político-ideológicas do Partido dos Trabalhadores tem início com as transformações oriundas da reestruturação produtiva, e teve o seu ponto de inflexão, em 1989, com a eleição de Collor e a derrocada do socialismo real. Empurrados para a defensiva, os movimentos sociais, sindicais e o próprio PT se transformaram internamente. Com as sucessivas eleições, o PT foi se configurando num enorme aparelho burocrático, priorizando a sua atuação político- institucional, sem romper com o modelo neoliberal periférico no Brasil.

Segundo Ana Paula Paes de Paula (2005), o que se observa no governo Lula é a continuidade das práticas gerencialistas em todos os campos, inclusive no que se refere