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Considerações preliminares à base teórica e método:

“Ao retratar, fielmente, o que chama de meu verdadeiro método, pintando o emprego que a ele

dei com cores benévolas, que faz o autor senão caracterizar o método dialético?” (MARX, 2002, p. 28, grifo nosso).

Assim como na maioria das pesquisas acadêmicas, foi na escolha do objeto, na problemática caracterizadora para o projeto, que tivemos a preocupação de não ser mais uma atividade meramente propedêutica, daquelas que mais suscitam limitações ao tema que reflexões que conduzam à ressignificação ou redirecionamento daquilo pensado e realizado a respeito até o momento. Uma pretensão ousada, muitos dirão. Mas, em nosso caso, o motivo principal foi a continuidade do processo em curso desde o mestrado, quando colocamos em xeque a abordagem ética na ação sindical. Ocasião em que fomos duramente criticados, no sindicalismo e até mesmo na academia, por buscar a interpretação de Maquiavel, a nosso ver racional e condizente com os meios e ações adotados pelo sindicalismo na busca dos fins e do

poder em nome das classes trabalhadoras, ao invés dos referenciais teóricos de Marx. Foi

exatamente essa opção que, novamente, nos fez lançar essa aporia – sem a certeza de se

inédita (ineditismo) ou não, mas com a certeza de que a sua origem (originalidade) enquanto

implicação às relações humanas no mundo do trabalho é antiga – como elemento desencadeador para essa pesquisa: Ética e trabalho: concepção de uma antítese social. Temos uma tese ou uma antítese social ao tratarmos ética e trabalho? Ter os elementos discursivos e ideológicos marxianos nas lutas de classes, mas não transformá-los em estratégia ou método, base ou direção para ação sindical e, até mesmo, acadêmica, faz com que Maquiavel esteja mais presente na relação meio e fim que Marx (que é usado como meio), acentuando o distanciamento da práxis enquanto elemento definidor do agir ético.

Da aporia candente que já nos direciona para a prática e também revela nossa opção metodológica15 (dialética), cabe-nos, preliminarmente, destacar que tivemos na base teórica marxiana – em especial (diretamente) em obras de Karl Marx (e Engels), mas mais incisivamente (de maneira indireta) nos textos de Adolfo Sánchez Vázquez e György Lukács

– os elementos definidores para a estruturação dessa tese16, seja por conta de seu objeto, primeiramente, ou por conta de seu método de pesquisa, de maneira secundária, porém relevante17.

Na visão filosófica de Aristóteles na Antiguidade – com os fundamentos desta visão também em Immanuel Kant – e de Karl Marx na Modernidade, tivemos como referência ao objeto central da pesquisa (ética e trabalho) os elementos teóricos que preceituam as contradições ou antíteses sociais, dando-nos as condições para que a validação dos objetivos propostos tivesse na perseguição de seus resultados os elementos que garantissem dialeticamente (na pesquisa de campo) uma expedição em que sua narrativa valesse mais que a necessidade de incursões teóricas aos sujeitos que dela participassem. Foi na preparação, com o apoio teórico marxista contemplado, prioritariamente, nas obras de Sánchez Vázquez e Lukács, que fundamentamos a abordagem ética da pesquisa, direcionando essa fundamentação como elemento da práxis e, dessa forma, sua base para interpretar as contradições que se apresentaram entre teoria e prática, como parte do contexto (totalizante) presenciado nas estruturas e espaços onde o trabalho é exercido e a pesquisa (de campo) foi realizada. Contradições transcendentes em si mesmas. Por conseguinte, origem para outras contradições que requerem, por vezes, formas distintas de interpretação e que são sustentadas, em sua maioria, por fatos situados dentro do contexto totalizante (social, político, econômico, jurídico) que, dialeticamente (considerando os limites que possam ser encontrados) trouxemos à tona nessa pesquisa.

15 Antecipamos nossa predileção ao “método dialético”, destacamos a visão foi direcionada por um foco marxista que

pode ser mais bem compreendida a partir da citação de Minayo (2004a, p. 11-12), uma vez que nela abrange elementos importantes que são considerados em na pesquisa, em especial no momento da prática: “Fazendo uma síntese sobre a questão qualitativa, superior ao positivismo e às abordagens compreensivistas, a dialética marxista abarca não somente o sistema de relações que constrói o modo de conhecimento exterior ao sujeito, mas também as representações sociais que constituem as vivenciadas relações objetivas pelos atores sociais, que lhe atribuem significados. Frente à problemática da quantidade e da qualidade a dialética assume que a qualidade dos fatos e das relações sociais são suas propriedades inerentes, e que quantidade e qualidade são inseparáveis e interdependentes, ensejando-se assim a dissolução das dicotomias quantitativo/qualitativo, macro/micro, interioridade e exterioridade

com que se debatem as diversas correntes sociológicas.”

16 Obviamente, não sem antes termos pisado sobre as bases da realidade, na efemeridade de seus valores (éticos)

atuais, revelando assim necessidades e provocações que empiricamente também foram determinantes, senão os principais e mais valiosos motivos, e nos moveram até aqui.

17 Afinal, todos os pensadores supra referenciados fazem da dialética, em medida significativa, fundamentos e

reflexões para a busca do conhecimento. Consequentemente, tiveram influência direta na constituição do método enquanto projeto dessa pesquisa, mas foi no referencial teórico do objeto em si, Ética e Trabalho, que se deu de modo diferenciado suas presenças.

Na fundamentação teórica está, de certa forma, o implemento a uma pesquisa básica (bibliográfica) direcionada a Ética e Trabalho. Mas é fundamental que seja também considerada como relevante, nessa pesquisa, a passagem que tivemos na Pedagogia (graduação) e na Filosofia (mestrado); sendo esta última um espaço privilegiado ao debate teórico e interpretativo aqui em evidência, vez que, nesse curso, nossa opção para o desenvolvimento teórico ou de conhecimento foi na área de concentração da Filosofia dedicada à Ética. Na fronteira do conhecimento dessas teorias, também procuramos localizar as divisas que possibilitaram a integração desses saberes. De onde se tornou possível interligar os conhecimentos teórico e empírico, constructos para as bases propulsoras de uma

episteme18 consolidada na práxis como fundamento do método (dialético) adotado na

pesquisa.

É importante destacarmos a preocupação que tivemos com a conceituação do objeto

da pesquisa, conforme demonstramos anteriormente. “Se a definição, a determinação de um

objeto do conhecimento”, como diz Cassirer (2001, p. 16) “[...] somente pode realizar-se por intermédio de uma estrutura conceitual lógica peculiar, faz-se necessário concluir que à diversidade desses meios deve corresponder uma diversidade tanto na estrutura do objeto como no significado das relações ‘objetivas’”, teremos que admitir que isso só seja provável de se realizar aceitando-se a intencionalidade como base dessa estrutura.

Também é importante relembrarmos a relação conceitual em que Kant trata da

sensação com o empírico, pois nela deixa claro, de modo até elementar, que aquilo

experimentado, sentido por nós, é sensação, portanto objeto empírico. Nesse sentido, gostaríamos de ressaltar que a percepção ética, no sentido de variável que depende das condições sociais e de subsistência, pode ser descaracterizada quando, na pesquisa, se busca aquilo que Kant (2001) evidencia como “lógica geral e pura”.

Como estivemos tratando de categorias iminentemente subjetivas, acompanhadas de um conjunto variáveis situacionais, algumas caracterizadas em sentidos cultural, social e histórico e outras na individualidade ou na coletividade que afeta a cada sujeito pesquisado, tudo isso afeta o que denominamos aqui de um conjunto lógico e não pode ser demonstrado ou investigado por meio de uma “lógica geral e pura”. Trata-se, portanto, de situação com reflexo direto na percepção do sujeito em si, de si e do outro em relação ao mundo como ambiente em que vive ou trabalha. Uma conformação relativizada em sintonia que depende

18 Partilhando das ideias de Foucault, situamos a episteme entre “os códigos fundamentais de uma cultura”, que são para o homem “[...] as ordens empíricas com as quais terá de lidar […]” e as “[…] teorias científicas ou interpretações de filósofos” que “explicam por que há em geral uma ordem, a que lei geral obedece, que princípio

ainda das considerações providas, sejam elas do momento, da circunstância ou de onde esse sujeito foi inquirido em relação ao objeto da pesquisa. Feito esses comentários, podemos ampliar a compreensão acerca dos limites da “lógica geral e pura” com Kant (2001, p. 91):

A lógica geral e pura está para ela [“a lógica aplicada”, ou seja, o que Kant

denomina para caracterizar as ações e os elementos que só podem ser dados empiricamente numa pesquisa] como a moral pura, que contém apenas as necessárias leis morais de uma vontade livre em geral, está para o que é propriamente a doutrina das virtudes, que examina essas leis em relação aos obstáculos dos sentimentos, inclinações e paixões a que os homens estão mais ou menos sujeitos e nunca pode constituir uma ciência verdadeira e demonstrada, porque, tal como a lógica aplicada, requer princípios empíricos e psicológicos.

A partir dessa consideração kantiana, recorremos a Pedro Demo (2001, p. 91), pois apresenta-nos diversos aspectos limitadores do conhecimento científico que aqui coadunam com o raciocínio ora adotado e foram relevantes para o contato e o relacionamento com diversos trabalhadores durante a pesquisa de campo da qual discorreremos adiante. As situações das quais esse autor destaca, quando menciona sobre a necessidade da busca de outros saberes por parte da ciência, foi bastante evidenciada na aplicação do questionário utilizado como instrumento na pesquisa; contudo, a que mais reflete essa tendência e reforça a correlação argumentativa ora considerada é assim demonstrada pelo autor:

[…] a necessidade de outros saberes advém também de situações

dramáticas da vida das pessoas e sociedades, onde transparece a busca de sensibilidade pela complexidade da realidade, que precisa desbordar a sistematização científica; isto também se aplica as marcas humanas muito profundas e nisto dificilmente formalizáveis, como a questão da felicidade, da ética, da esperança, etc..

Pedro Demo nos possibilita entrever a dramaticidade de certos ambientes onde alguns dos sujeitos da pesquisa, trabalhadores superexplorados, excluídos, marginalizados, subsumidos a espécies subumanas. No entanto, mesmo assim, de repente, sob condição de indignidade só vista e sentida por nós, são desejosos de contar ou narrar sua história. Sua

percepção particular e geral da vida valorada na condição propiciada pela possibilidade que

alguns deles disseram ter vivenciado na oportunidade de participação na pesquisa. Uma narrativa da qual Minayo (2004b, p. 67) com propriedade diz o seguinte a respeito:

Em relação à classe operária, desvendo o fato de que ela se constitua com

uma cultura própria, em oposição à cultura dominante, embora “domina”

Parto do princípio de que a posição diferencial das classes dentro da sociedade lhes confere uma forma de agir, pensar e se expressar, também diferenciada. Esse pressuposto que aqui assumo se apoia em outros autores

[…] […] que consideram a classe trabalhadora como portadora de uma

contribuição específica para a sociedade, não só do ponto de vista econômico, mas também cultural. Ela se afirma no ato de transformar a natureza e produzir, na marca que deixa nos objetos construídos, no seu estilo de resistir e se subordinar ao capital, de viver e se reproduzir e nos bens simbólicos que são a expressão de seu modo de pensar o mundo em que vive.

Uma consideração que trazemos como um dos marcos estruturantes da pesquisa. Como consideramos para a pesquisa uma diversidade de profissional distribuída em 12 categorias diferentes, com condições econômica ou social, em alguns casos, bastante distintas, por vezes, algumas delas foram e são observadas, em virtude da hierarquia das relações da sociedade capitalista, em ambientes ou situações dos quais não só possuem as atribuições ou papel do Estado, mas as incorporam na dimensão em que são vistas ou tidas como representações fiéis da classe dominante na relação capital-trabalho. Porém, aqui, dentro da expectativa das contradições da pesquisa, são todos trabalhadores, em seu conjunto classista, como se demonstra.