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Em recorte da concepção marxiana de trabalho, iniciamos a compreensão das ideias aqui postas e defendidas. Compreender ética e trabalho, sem compreendê-los como a possibilidade real de que o trabalho, para o homem, é a “própria realização ou produção de sua vida, é um modo de vida determinado”, faria que desconectássemos a ação do sentido humano em suas diversas relações com a vida, condicionando-o à reificação como forma única e definitiva para que a razão, como sanidade, no Estado capitalista, seja condição efetiva à subsistência da espécie humana, sobretudo no mundo do trabalho8.

8 Nesse sentido, primeiramente, buscamos partilhar de Abbagnano um breve recorte que anuncia, ainda que

limitadamente, a concepção marxiana de trabalho para, em seguida (no glossário), sequenciar outros conceitos também bastante reconhecidos pela filosofia e pelas ciências sociais: […] Os homens começaram a distinguir-se dos

animais, segundo Marx, quando “começaram a produzir seus meios de subsistência, progresso este que é

condicionado por sua organização física. Produzindo os seus meios de subsistência os homens produzem

indiretamente sua própria vida material” (A ideologia alemã, I, A; trad. It., p. 17). O T. não é portanto apenas o meio

com que os homens garantem a subsistência: é a própria realização ou produção de sua vida, é um modo de vida determinado. A produção e o T. não são portanto uma condenação para o homem: são o homem mesmo, o seu modo específico de ser e de fazer-se homem. Através do T. a natureza torna-se “o corpo inorgânico do homem”, e o homem pode elevar-se à consciência de si mesmo, não tanto como indivíduo, mas como espécie de natureza

universal” (Manoscritti econômico-polítici del 1844, I, trad. it., pp. 230 ss.). O T. também faz do homem um ente

A “essência humana” se manifesta nas realizações e produções transformadoras da natureza e é imanente no processo histórico e na evolução a partir do homem e de seu trabalho. É no trabalho que se possibilita e preceitua essa condição. Sánchez Vázquez elabora um paralelo dessa condição e nos possibilita incorporá-lo como fundamento conceitual do trabalho para a compreensão do tema em debate.

Fala-se algumas vezes da essência do homem ou “essência humana”. Estão

ali também as expressões “realidade humana” e “verdadeira realidade humana”, que têm o mesmo conteúdo conceitual que o de “essência” ou “natureza” do homem. Quando tentamos apreender seu conteúdo e saber em

que consiste propriamente a essência, natureza ou verdadeira realidade humana, vemos que Marx a encontra no trabalho. O trabalho é, para ele, a essência do homem, sua realidade essencial. Mas quando Marx se volta para a realidade histórica social, só vê essa essência – diferentemente de Hegel – por seu lado negativo. O trabalho que ele encontra na existência real, concreta, do homem, é justamente o trabalho alienado.

Vemos, portanto, que: a) o homem tem uma essência; b) sua essência é o trabalho; c) essa essência só se realiza em sua existência como essência alienada; e d) portanto, a essência do homem está divorciada de sua existência. Poder-se-ia pensar que essa situação – a negação real, efetiva, da essência humana – corresponderia exclusivamente a uma determinada etapa histórica ou sociedade. Certamente, Marx estuda essa situação em um tipo determinado de sociedade: a sociedade burguesa. O homem ao qual se refere quando fala de negação, de sua essência é o operário, e o trabalho que analisa é seu trabalho alienado nas condições peculiares da produção capitalista. Acrescentar mais uma: e) a essência do homem nunca se deu efetiva, real ou historicamente. Daí resulta que se a essência humana é concebida como trabalho, mas como trabalho oposto ao trabalho alienado, isto é, como trabalho criador que implica no homem reconhecer-se em seus produtos, em sua própria atividade e nas relações que contrai com os demais, essa essência humana que é negada realmente, efetivamente, nunca se realizou ou na existência do homem, razão pela qual aparece, ao longo da história, divorciada de sua existência. (SÁNCHEZ VÁZQUEZ, 2007, p. 401-402).

Ética e trabalho enquanto conceitos e, em si, como complementares à “essência humana” trazem uma relação antagônica aos seus significados, daí deduzirmos que a

interpretação real das condições de trabalho, ao que vemos, não promove realizações e produções transformadoras da natureza por iniciativa do trabalhador. A admissibilidade da exploração do homem pelo homem como meio (moral) e aporte à propriedade privada, à manutenção dos meios de produção, à acumulação e concentração de riqueza e à ascendência da desigualdade e da injustiça, faz com que o trabalho se desconstitua de sua essência.

relações de T. e de produção constituem a trama ou a estrutura autêntica da história, da qual são reflexo as várias formas da consciência. Isso ocorre, porém, no T. não alienado, ou seja, que não se tornou mercadoria, como ocorre na sociedade capitalista, visto que neste caso surge o conflito entre a personalidade do proletário como indivíduo e o T. como condição de vida que lhe é imposta pelas relações das quais participa como objeto, e não mais como sujeito (A ideologia alemã, I, C; trad. it., p. 75). (ABBAGNANO, 2007, p. 1149).

Ao ser compreendido (o trabalho), mais ainda com o advento do capitalismo, como uma ação provedora do lucro, da riqueza (“da nação”), destitui qualquer possibilidade de uma realização coletiva ou compartilhada como valor (moral) real para uma comunidade onde são consagradas dignamente as individualidades por seu trabalho. Ao trabalhador, o que de fato ocorre, é a imposição de uma disputa, uma competição em que o ganhador (o patrão) é quem tem seu valor social amparado pelo Estado e consagrado em suas leis. A manutenção do status

quo à custa da degradação e da superexploração do trabalhador, antagoniza a interpretação

conceitual do trabalho como expressão da “essência humana”. Se permance como imanente ao

processo histórico e à evolução da espécie humana a partir do trabalhador, e assim a evolução

histórica tem demonstrado, o trabalho em si, como realidade fundante das produções e transformações da natureza, enquanto realidade e prática admitidas e impostas por quem explora e domina as classes trabalhadoras, negam a quem o realiza pressupostos fundamentais à emancipação humana: racionalidade, dignidade e liberdade.