• Nenhum resultado encontrado

Da (des)consciência (alienação) à coisa (reificação) – a neutralidade do mal

4.6 Ética, reificação humana e trabalho:

4.6.3 Da (des)consciência (alienação) à coisa (reificação) – a neutralidade do mal

A transformação da condição humana, nessas circunstâncias, pode superar a degradação da alienação99? Podemos arguir, de alguma forma, que o trabalhador alienado detém sua irracionalidade, por conseguinte, há ainda sensações impulsionadas por estímulos nervosos que asseguram a defesa e a busca da sobrevivência, diante da iminência do perigo, através dos instintos comuns a todo animal na busca pela preservação de sua própria vida ou espécie. Mas essa condição não é observada e tampouco assegurada por parte significativa daqueles que se sujeitam a espaços ou ambientes onde a lógica do capital usa a força de

trabalho humana submetida à força produtiva artificial (máquinas, equipamentos e instrumentos…).

Aqui é fundamental recorrer a Lukács (2003). A categoria da reificação é apresentada sob o argumento de que, de alguma forma, não só nas relações de trabalho o ser humano (em sua individualidade) se coisifica. Trata-se de processo de transformação que é imanente à sociedade capitalista; com isso, até mesmo as relações sociais tendem a se transformar, à

coisificação, o que, por óbvio, dificulta ou até mesmo impossibilita que se estabeleça a

consciência de classe. Devemos lembrar que a força produtiva artificial é zelosamente mantida e cuidada pela força de trabalho humana. Esta, porém, é transformada, deteriorada e consumida por aquela ou naquela. Daí se conclui que, ao questionamento posto, nos cabe inferir, como resposta, outra questão: é possível aos trabalhadores subverter a ordem do capital condicionando-se como seu sujeito e nele ou dele se reproduzindo, transformando-se em espécie/espécime de aceitação ou liquidez no mercado como produto/mercadoria?

A interseção das questões enunciadas (anteriormente) leva-nos a considerar que, primeiro, há no mundo do trabalho a desconstituição da ética, depois da moral, ou seja, dos hábitos e dos costumes, em seguida das leis e das normas em geral. A partir daí a racionalidade passa a estar comprometida, seu uso já está estéril; até a irracionalidade que há no humano e seu próprio corpo são neutralizados como força produtiva, uma vez que a força

de trabalho fora neutralizada assim que a racionalidade foi comprometida; nesse ponto, há a

99 Mészáros (2006, p. 39) ao elaborar sua “teoria da alienação em Marx” destaca aspectos relevantes acerca da

alienação; entretanto nos limitamos a considerá-los numa abordagem que acreditamos melhor exprimir as ideias em

curso, ou seja: “A alienação humana foi realizada por meio da transformação de todas as coisas em objetos alienáveis, vendáveis, em servos da necessidade e do tráfico egoístas. […] A reificação de uma pessoa e, portanto, da aceitação ‘livremente escolhida’ de uma nova servidão – em lugar da velha forma feudal, politicamente

estabelecida e regulada de servidão – pôde avançar com base numa ‘sociedade civil’ caracterizada pelo domínio do

involução ou degenerescência da condição humana (animal e irracional) a apenas matéria, mesmo que viva, mas inerte. Assim como as coisas materiais, o trabalhador, sob tais condições, é inanimado e precisa de impulsos externos para ter e ser potência. Assim, só reage provocado por ações externas ou em cumprimento a elas. Desconstituído da razão, primeiro pela alienação e depois pela reificação, não é mais livre, não faz nem precisa fazer escolhas. À mercê da esteira de produção onde está situado ou disposto, mistura-se com e como o produto, em quantidade e qualidade, enquanto houver demanda e aí permanecer (ao mesmo tempo) útil e perfeito. Uma perfeição só sustentada se estiverem integrados instrumento de produção, produto e consumidor. Do contrário, o que se tornou (o trabalhador) não será consumido; será uma coisa desprezível, consequentemente descartável, como descartável foi outrora sua condição humana nesse tipo de sociedade.

Há aspectos da alienação que implicam sujeição ao risco em sentido latente e, ao mesmo tempo, contínuo em diversos ambientes de trabalho. Pouca ou nenhuma garantia é oferecida ao trabalhador que acaba dispondo-se como produto ao apresentar-se enquanto força humana de trabalho. Sentido expropriador da razão que também neutraliza as possibilidades do sentir, pois a pessoa envolvida tem, de alguma forma, ao considerar essa (ou sua) condição, uma expectativa incerta da sobrevivência.

O sistema, em sua complexidade, capitalista ou não, não existe sem pessoas. Em sua estruturação, admitindo o desenvolvimento humano civilizatório, até então conhecido, como parte fundamental deste sistema, o homem precisa ser tratado como uno e finito enquanto maturação e possibilidade de vida para espécies vivas na existência específica. Se assim consideramos, também admitiremos que, se o sistema for visto como linear, não admitirá a complexidade incorporada à condição humana. O que exclui as reais possibilidades de existência das espécies vivas, incluindo a humana, neste planeta.

“A percepção do vivo, uma das reflexões que precisa ser considerada, só emerge com

o ser vivo racional.” (INÁCIO, 2005, p. 99). Com essa reflexão, ao elaborarmos uma análise da “Reestruturação produtiva: o fim que altera as relações de trabalho e o agir comunicativo como alternativa à decomposição da classe que vive do trabalho”, foi possível observar que a extinção do homem trabalhador intuído por sua força de trabalho (conforme aqui já enunciamos) nos processos de reorganização dos meios de produção capitalista praticamente desconstituiu o sentido de racionalidade que poderia incluir a melhora na qualidade de vida da classe trabalhadora. Uma reestruturação na qual seus idealizadores nominam como flexível tudo aquilo que, pela imobilidade da racionalidade da classe dominante, degrada e torna

precários os ambientes e as formas de trabalho100, além dos direitos humanos (do trabalhador), inclusive os mais elementares, transparecendo ignorar acintosamente que “sua morte”... [a morte do trabalhador a partir da sua força de trabalho]

[...] é a degradação e a desqualificação de todas as construções artificiais e sem vida. São objetos e instrumentos inúteis a si próprios. Não existir o homem é inexistir qualquer efeito e razão a suas criações e obras. A tecnologia que extingue o homem será a hecatombe das espécies vivas e não apenas do humano. (INÁCIO, 2005, p. 99-100).101

Lukács (2003, p. 201) nos diz que: “Com a moderna análise ‘psicológica’ do processo

de trabalho (sistema de Taylor), essa mecanização racional penetra até na ‘alma’ do trabalhador”, sendo essa condição determinante para a sujeição coletiva a processos de

trabalho que condizem à realidade da precarização e da degradação de uma forma consentida. Lukács segue dizendo que:

[…] inclusive suas qualidades [as do trabalhador] psicológicas são separadas

do conjunto de sua personalidade e são objetivadas em relação a esta última, para poderem ser integradas em sistemas especiais e racionais e reconduzidas ao conceito calculador”, [advertindo-nos adiante que] “O produto que forma uma unidade, como objeto do processo de trabalho, desaparece. (LUKÁCS, 2003, p. 201-202.).

A linearidade não é uma característica das espécies vivas (sobretudo humanas), tampouco suas criaturas e criações. Tratar o homem com essa possibilidade é submetê-lo à conceitos calculadores que estabelecem critérios de durabilidade e transformação peculiar as

100 A condição estabelecida no mundo regido por essa lógica reestruturante e globalizada incorpora o que Bauman

(1999, p. 112-113) denomina “Lei global e ordens locais” para situar o caráter rígido dos capitalistas em detrimento da flexibilidade exigida dos trabalhadores: “O mercado de trabalho é rígido demais; precisa tornar-se flexível, quer dizer, mais dócil e maleável, fácil de moldar, cortar e enrolar, sem oferecer resistência ao que quer que se faça com

ele. […] A ‘flexibilidade’ só pretende ser um ‘princípio universal’ de sanidade econômica, um princípio que se

aplica igualmente à oferta e à procura do mercado de trabalho. A igualdade do termo esconde seu conteúdo marcadamente diverso para cada um dos lados do mercado. Flexibilidade do lado da procura significa liberdade de ir para onde os pastos são verdes, deixando o lixo espalhado em volta do último acampamento para os moradores

locais limparem; acima de tudo, significa liberdade de desprezar todas as considerações que ‘não fazem sentido

economicamente’. O que, no entanto, parece flexibilidade do lado da procura vem a ser para todos aqueles jogados no lado da oferta um destino duro, inexpugnável: os empregos surgem e somem assim que aparecem, são fragmentados e eliminados sem aviso prévio, como as mudanças na regra do jogo de contratação e demissão. […] as

agruras dos ‘fornecedores de mão-de-obra’ devem ser tão duras e inflexíveis quanto possível – com efeito, o contrário mesmo de ‘flexíveis’: sua liberdade de escolha, de aceitar e recusar, quanto mais de impor as suas regras do

jogo, deve ser cortada até o osso.”.

101 Reiteramos nossa citação a Serge Latouche (INÁCIO, 2005) que ao mencionar Pierre Clastres, diz da “[...]

preponderância que a sociedade civilizada tem dado às coisas e aos objetos mortos, em detrimento dos seres vivos,

ou seja: ‘A mais terrível máquina de produzir é por isso a mais temível máquina de destruir. Raças, sociedades,

indivíduos, espaço, natureza, floresta, subsolo! Tudo deve ser útil, tudo deve ser utilizado, tudo deve ser produtivo,

com uma produção levada ao seu desempenho máximo de intensidade’.” (LATOUCHE, 1996, p. 34). Nessa breve

citação, acreditamos emergir muitas das adversidades desprezadas pela civilização que não se desvencilha da busca desenfreada apenas pelo bens que se pode consumir e/ou se converter em produtos rentáveis, esquecendo, infelizmente, que tem se tornado um desses bens.

matérias mortas e artificiais que permanecerão existindo ainda que as demais matérias ou espécies se extingam. Essa possibilidade também submete as espécies vivas, mais ainda a humana, a uma vulnerabilidade existente nos espaços artificiais onde, junto às demais matérias ou materiais – máquinas, equipamentos, instrumentos e ferramentas, por exemplo – são simultaneamente distribuídos, colocados (ou retirados) em (de) uso e funcionamento.

“O homem não aparece, nem objetivamente, nem em seu comportamento em relação

ao processo de trabalho, como o verdadeiro portador desse processo”; diz Lukács. “[…] em vez disso, ele é incorporado como parte mecanizada num sistema mecânico que já encontra pronto e funcionando de modo totalmente independente dele, e a cujas leis ele deve se

submeter.” (LUKÁCS, 2003, p. 203-204). Da mesma forma que as outras matérias, o homem,

nesses espaços, termina por sujeitar-se aos ajustes e adequações que permitem garantir a produção e resultados em patamares de competitividade e lucro em que as coisas ou matérias existentes, muito mais o trabalhador, devem cooperar para a manutenção destes objetivos. É nesta hora o momento em que o valor em si de quem oferece a sua força de trabalho ao sistema (capitalista) sofre o reflexo daquilo que se tornou o trabalhador102.

A privação a que se submete o trabalhador em ambiente inóspito ao uso da sua força

de trabalho, leva-o a concessões às quais sua própria vida é (de modo latente) concedida.

Dessa maneira, podemos também dizer que não cabe ao homem trabalhador elaborar contingências a si próprio. Isso significaria, pela segunda vez, expropriá-lo em sua miséria; seria considerar que o estado no qual se encontra foi por si próprio provocado, afinal, como dissera Forrester (1997, p. 11), referindo-se aos desempregados: são “[…] incompatíveis com uma sociedade da qual eles são os produtos mais naturais. São levados a considerar indignos dela, e, sobretudo responsáveis pela sua própria situação, que julgam degradante e até censurável.”

Na reflexão proposta, e em debate, a autora insere pontos significativos a serem considerados como exigências do sistema capitalista para a transição da classe empregada à

102 “O operário procura manter a massa de seu salário trabalhando mais, seja trabalhando mais horas, seja produzindo

mais no mesmo tempo. Pressionado pelas privações, aumenta ainda mais os efeitos funestos da divisão do trabalho. O resultado é: quanto mais trabalha menos salário recebe. E precisamente pela simples razão de que, à medida que faz concorrência aos seus companheiros, faz, portanto, dos seus companheiros operários outros tantos concorrentes, os que se oferecem em condições tão ruins como ele próprio, porque ele, por conseguinte, em última instância, faz concorrência a si mesmo, a si mesmo como membro da classe operária.” (MARX, 2006a, p.64). Entretanto, enfatizando um pouco mais, deduzimos de Marx que essa não é a limitação definitiva a qual o trabalhador se sujeitará. Seu espaço para o trabalho (caso subsista) será diminuído ainda mais pelo fato de máquinas e equipamentos ampliarem, num sentido ambíguo, este cenário de concorrência, incluindo mais trabalhadores num local que não mais os comportam, como consequência, mais exposição a riscos com a elevação das possibilidades de degradação das formas e dos ambientes de trabalho, tanto quanto da precariedade nas relações sociais e empregatícias, como da exploração do homem e de sua força de trabalho.

classe desempregada, uma vez que são mitigadores da percepção das causas e dos reais fatores da vulnerabilidade e do risco social que tanto afetam a sociedade, em especial as classes trabalhadoras (empregadas e desempregadas). Ao incluir a utilidade às estruturas que sustentam o mundo do trabalho, delimita-se a origem e a necessidade de se estar, ou não, a ele inserido, e destaca que “[…] ao resto da humanidade, para ‘merecer’ viver, deve mostrar-se

‘útil’ à sociedade, pelo menos àquela parte que a administra e a domina. […] ‘Útil’, aqui,

significa quase sempre ‘rentável’, isto é, lucrativo ao lucro. Numa palavra, ‘empregável’”, e acrescenta ainda que, “‘explorável’ seria de mau gosto!” (FORRESTER, 1997, p. 13).

Pessoas ou máquinas só permanecem como força de produção se sincronizadas para garantir a lógica vigente do sistema capitalista (o lucro). Nesse sistema não são permitidas concessões explícitas a essa lógica. Caso ocorram, dar-se-ão de modo velado, de maneira que seu efeito seja neutralizado.

O descarte de peças ou de pessoas dependerá da disposição em que elas se encontrem, dentro da lógica utilitarista, assimiladas e até defendidas, em diversos casos, por quem está sob domínio – independentemente da forma (coação), das condições pessoais (físicas ou mentais) e ambiental (salubre, insalubre ou periculosa). O trabalhador fica sujeito a quem o domina como única forma de se garantir como instrumento útil de um sistema cujas reservas similares podem estar com melhores preços ou condições, algumas até mais ajustadas ou aperfeiçoadas, outras até sem uso e, portanto, perfeitas para a aquisição ou reposição.

É nesse cenário o local em que se amplia aquilo que chamaremos de mais um

paradoxo existencial conflituoso do mundo do trabalho103. Há, ao mesmo tempo, o excesso e a ausência de alternativas. O que impõe ao homem maior sujeição às adversidades, ampliando-se os espaços (no caso das indústrias de confecção e calçados, a quantidade de

103 Destacamos (2007) o “paradoxo existencial conflituoso” no momento atual da história, primeiramente, ao situar no artigo: “Líder sindical – ação, transição pelo poder e ética”, que: “Precisamos, e é urgente, que a humanidade retome

o seu papel e supere a tecnologia. Tecnologia que se sustenta nos sistemas e nas grandes corporações e faz deste mundo um paradoxo existencial conflituoso. Convivemos com séculos distintos num instante único de nossa história, cuja circunstância destrói a possibilidade de um senso comum nas instituições sociais. Há neste universo uma transitoriedade extrema que faz das pessoas e das instituições peças programáveis e/ou descartáveis numa sociedade regida por sistemas que não sustém trabalhadores como pessoas. A exigência impessoal destes sistemas faz das condições de trabalho um agente de discriminação e exclusão, pois convivemos em situações sub-análogas a de escravo e com outras ações profissionais conceptuais em plenitude. Enquanto cortadores de cana e carvoeiros morrem de fadiga em canaviais e carvoarias, numa expectativa de vida inferior a trinta anos, outros profissionais atuam na virtualidade, por exemplo, com horários flexíveis e espaços de trabalho privativo, projetando uma melhora na qualidade de vida e a existência para uma posteridade ascendente. Realidade paradoxal no mundo do trabalho que é pouco concebida entre diferentes e distantes entre si, seja pelas circunstâncias, seja pelos espaços em que se situam.” (INÁCIO, 2007, p.282-283).

espaços) e as novas formas de exploração para quem ainda vive do trabalho104. Se, nas sociedades escravistas, “[...] os espartanos praticavam periodicamente o extermínio seletivo de seus escravos.” (TITARENKO, 1982, p. 59), no capitalismo, mais ainda com o advento do neoliberalismo – potencializado por sua forma própria de globalização – esta prática ganha dimensões maiores105. “O direito ao trabalho já se reduz ao direito de trabalhar pelo que querem te pagar e nas condições que querem te impor. […] Enquanto caem os salários e

aumentam os horários, o mercado de trabalho vomita gente. Pegue-o ou deixe-o, porque a fila é comprida.” (GALEANO, 2007, p. 169.). Essa acaba sendo a visão dos trabalhadores, mas não em estado de contemplação, já que estão situados nos mesmos locais em que outros, sob as mesmas condições (sub)existem106; encontram-se como massa já disforme em

104 A degradação enunciada pode ser observada de diversas formas e em diversos locais, mas, atualmente no estado de

São Paulo, espaço federativo de maior expressão industrial e riqueza no Brasil, pode-se comprovar a existência e manutenção do submundo da exploração do homem pelo homem na indústria da confecção, em que lojas e grandes magazines, provêm facções que superexploram trabalhadores a condições (sub)análogas a de escravos em espaços

onde “oficinas funcionam em porões ou locais escondidos, pois a maior parte delas é ilegal, sem permissão para

funcionar. E para que suspeitas não sejam levantadas pelos vizinhos, que acabariam alertando a polícia, as máquinas funcionam em lugares fechados, onde o ar não circula e a luz do dia não entra. Para camuflar o barulho das máquinas, música boliviana toca o tempo todo. Os cômodos são divididos por paredes de compensado. Essa é uma estratégia para que os trabalhadores fiquem virados para a parede, sem condições de ver e relacionar-se com o companheiro que trabalha ao lado – o que poderia resultar em mobilização e reivindicação por melhores condições”. (ROSSI; SAKAMOTO, online).

Essa situação se segue, ao que se pode observar. Entretanto, trata-se de recorrência que não teve origem quando a

matéria: “Trabalho escravo é uma realidade também na cidade de São Paulo”, foi veiculada em 27/04/2005. Situação

que prossegue envolvendo empresas terceirizadas, quarteirizadas ou facções ligadas à empresa C&A e às Lojas

Marisa, conforme matéria: “Escravidão é flagrada em oficina de costura ligada à Marisa veiculada em 17/03/2010. “Na avaliação da médica e auditora fiscal […] […] que também fez parte da comitiva e checou até a receita médica

de uma das trabalhadoras com doença de pele, as vítimas do trabalho escravo na oficina de costura CSV estavam expostas a distúrbios respiratórios, problemas ergonômicos, e justamente a enfermidades dermatológicas, além das condições psicossociais indesejáveis, por causa do medo constante.” (HASHIZUME, online).

105 Imaginar em que nível se pode explorar o trabalhador nos leva a questionar, até por reciprocidade, em qual nível

quem domina exerce sua defesa para justificar a manutenção desse estado. É aí que essa medida tem dimensões que negam a racionalidade de quem a justifica, induzindo à banalização, não apenas uma condição de trabalho já deteriorada, mas também todo um espaço já degrado e que dispõe trabalhadores como resíduos de materiais ou produtos (humanos) que têm validade ou tempo para uso ou consumo, podendo variar conforme o local ou

disposição em que se encontram. Vejamos: “O presidente do Sindicato da Indústria do Vestuário Feminino e

Infanto-Juvenil de São Paulo e Região (Sindivest), Ronald Moris Masijah, afirmou que a linha que separa o trabalho escravo e a terceirização é muito tênue. Partiu, contudo, para uma relativização da caracterização do trabalho escravo contemporâneo. Em plenas atividades do 1º Fórum Estadual de Combate ao Trabalho Escravo, ele apresentou fotos de fábricas na China e disse que ‘lá as pessoas trabalham até 72 horas por semana e

não é trabalho escravo’” (PYL, online). Matéria veiculada no dia 02/02/2010.

106 Os fatos envolvendo esta superexploração são recorrentes e referentes (também) das consequências desumanas da

globalização. Os espaços e ambientes (degradados) de trabalho (escravo) onde os trabalhadores imigrantes sul-

americanos (mais especificamente peruanos e bolivianos) são explorados, se “enquadram” perfeitamente na visão de Bauman (1999, p. 118), segundo este autor, a “casa de correção inaugurada em Amsterdã no começo do século XVII

[em que seus promotores e idealizadores] visavam produzir homens ‘saudáveis, moderados no comer, acostumados

ao trabalho e com vontade de ter um bom emprego, capazes do próprio sustento e tementes a Deus”. Descrição que

nos remete à visão do cenário e do sentimento inicial daqueles trabalhadores imigrantes aliciados e até traficados, que chegam foragidos ou em fuga de processo de exclusão e são incluídos (aprisionados) à margem do submundo da exploração da classe trabalhadora brasileira. Onde se sujeitam a uma seleção (triagem) a qual os promotores e

idealizadores deste processo “fizeram uma longa lista de ocupações manuais para os possíveis internos

decomposição ascendente107, fazendo com que todos os sentidos, não apenas a visão, sintam esse estado e suas consequências, mas sem nenhuma consciência de sua superação. Situação que, pelas circunstâncias impostas, apresenta-se como natural, haja vista tratar-se de coletividade que perdeu a referência de seus indivíduos humanos na singularidade e, nesse sentido, para que subsista a espécie (humana) no trabalho, esta precisará ser acéfala.