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3.4 Da Tarefa à Atividade de Colheita Manual de laranja: Processo de

3.4.4 Considerações sobre tarefas e atividades

Os modos de colheita citados e detalhados nos itens anteriores são aqueles que encontram maior adesão entre os colhedores, quando consideradas as características de pomar baixo e alto.

Sumarizando o item anterior, foi visto que a escolha dos métodos de colheita e estratégias operatórias, pelos trabalhadores, baseia-se, principalmente, nos seguintes fatores: nível de exposição ao risco de acidentes; economia do corpo e redução de fadiga; nível de experiência; qualidade e disponibilidade dos artefatos; e o tipo de pomar e variedade colhida. Estes são os principais critérios utilizados pelos colhedores para tomar decisões sobre a forma de retirada dos frutos que melhor concilie o alcance da produção diária de forma segura.

Esses fatores também despontaram como importantes para mostrar a relação entre a prescrição dos administradores e o real do trabalho, ou seja, como o trabalhador diante das variabilidades realiza a tarefa. Dessa forma, foi observado que em pomar mais baixo e com muitos frutos, em que é solicitado o uso de sacola, a prescrição está em maior consonância com o real do trabalho, ou seja, com a forma adotada pela grande parte dos trabalhadores para realizar a tarefa.

Entretanto, diante do grande número de variabilidades presentes, sejam estas relacionadas ao artefato, tipo de árvore e pomar, e aos limites psicofisiológicos de cada trabalhador, encontram-se diversas variações nos modos de colheita adotados, o que dificulta estabelecer um modo operatório padrão. Como, por exemplo, em caso de colheita em pomares mais adensados, há maior probabilidade de concentração de frutos na parte superior, sendo este um fator determinante para escolha do modo derriça, seja o pomar baixo ou alto.

Este adensamento na parte superior demanda um maior número de acessos ao ponteiro para sua colheita, o que adiciona maior dispêndio energético e, no pomar alto, essa situação é agravada pela maior probabilidade de acidentes com queda da escada, devido a fragilidade dos galhos e dificuldade de alcance, o que reforça o uso de derriça.

Outra variabilidade relacionada ao pomar que influencia na alteração do modo operatório prescrito, quando em pomar baixo e agravado no pomar alto, é a baixa produtividade da planta, seja durante o período de pico da safra, ou em época de maturação tardia, vista nos itens anteriores como temporona. Com baixa produtividade da planta e presença de frutos

esparsos, a colheita com sacador é vista pela maioria dos trabalhadores como inviável, pois o risco de acidente é maior, assim como o acúmulo de fadiga, ao longo do dia.

A distribuição esparsa dos frutos aumenta a necessidade de reposicionamentos e movimentações da escada, assim como subidas e descidas desta com sacolas quase completas, incidindo neste momento o risco de acidente. Sendo assim, os colhedores optam por derriçar, independente da altura das árvores, havendo uso mais frequente de gancho.

“Nessa safra com pouca laranja era impossível catar com sacador direto, tinha que derriçar para depois catar. Porque se não fica subindo e descendo com a sacola meia, porque você pegava 6 laranjas em um pé e depois pegava outras 6 no outro e só vai pesando. Daí a gente derriçava, para ficar melhor e não cansar muito, não judiar muito do corpo”.

Embora a prática de derriça não seja incentivada pelas empresas, o colhedor adota este modo como estratégia de redução da exposição ao risco de queda da escada, uma das principais causas de acidente nos pomares, principalmente em pomares altos e em galhada; e, ao mesmo tempo, utiliza a derriça como estratégia para conseguir manter sua produtividade, ao longo da jornada. A derriça, também, traz considerações importantes para análise das estratégias de colheita e uso dos artefatos, pois permite a alternância entre as posturas, reduzindo o cansaço físico em carregar a sacola e menor tempo de uso da escada, quando comparado à colheita com sacola.

Esse menor tempo de uso da escada foi encontrado a partir da análise comparativa entre o método derriça versus a sacola, em pomar baixo com boa produtividade, onde foi acompanhado o tempo de ciclo entre a colheita e o armazenamento dos frutos para sete sacolas colhidas, em cada método de colheita (sacola e derriça), totalizando a observação de 14 sacolas colhidas. A análise tomou como base o modo operatório de um mesmo trabalhador.

Para a análise comparativa, portanto, foi contabilizado o tempo de cada sacola colhida, conforme apontam os dados do Gráfico 7. A observação dos métodos ocorreu em dois dias seguidos, no primeiro dia foi analisada a colheita com sacola e no seguinte a colheita com derriça, o tempo de observação foi de 1h e ocorreu no período da manhã. Nota-se que o ciclo de colheita para encher uma sacola a partir da derriça é menor que o outro método adotado, o qual inclui armazenamento direto na sacola (Gráfico 7). A diminuição do tempo gasto entre as

etapas de colheita foi de 29,8% com uso da derriça, quando comparado com o uso do método sacola, conforme análises abaixo (Tabela 4).

Gráfico 7. Comparação entre os tempos médios de colheita em pomar baixo, com uso de sacola versus

derriça no ponteiro.

Fonte: elaborado a partir da pesquisa de campo.

Tabela 4. Comparativo do tempo médio para colheita entre uso de sacola e derriça no ponteiro.

Fonte: elaborado a partir da pesquisa de campo.

“Mesma coisa, mas no sacador carrega o peso o tempo todo. Derriça não é mais cansativa do que o sacador. Na derriça não, quando você tá derriçando seu corpo tá mais descansado e depois volta a catar... e catar é rápido. Mas tem lugar que não deixa, tem quadra que não pode, tem lugar que não compensa, por causa do tamanho. Mas mesmo se as árvores forem mais baixas como o pomar vistoso, ainda derriçando rende mais”. (relato de colhedor sobre o uso do método derriça) 00:00 00:28 00:57 01:26 01:55 02:24 02:52 03:21 03:50 04:19 1 2 3 4 5 6 7

Tempo de coleta (min)

Sacola Derriça Tudo Redução (%) Sacola

03:18

Derriça Tudo

02:32

Tempo médio (7 sacolas)

Diante dos dados trazidos e observados, a aceitação e adesão ao modo derriça é controversa, seja entre os colhedores, ou entre os administradores das fazendas, com razões múltiplas que vão desde critérios de qualidade com o fruto e safra, até itens como a percepção de tempo produtivo, rendimento e acúmulo de cansaço ao longo do dia.

O detalhamento dos modos de colheita e seus comparativos foram realizados com o objetivo de compreender a relação do modo operatório do colhedor e uso dos artefatos, avaliando como se dá o processo de adaptação e apropriação do colhedor no uso dessas ferramentas manuais, ou seja, assimilar a competência desenvolvida na apropriação dos artefatos e modos operatórios, assim como seus desdobramentos diante da confrontação com o ambiente.

No item seguinte, tem-se a transformação do artefato em instrumento de colheita trazidas a partir do relato das alterações físicas desenvolvidas e do uso de esquemas de utilização, resultado da construção própria do colhedor, ou da apropriação de esquemas sociais.