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2.2 Ergonomia da Atividade

2.2.1 Desenvolvimento de Competências

A ergonomia tem evoluído o tema de estudo para análise não só dos aspectos físicos, como também dos aspectos mentais que influenciam a tarefa, visto que em qualquer atividade humana está presente a cognição. Essa evolução é justificada por meio do surgimento de sistemas cada vez mais complexos, novas formas de organização do trabalho e da intensificação das comunicações no trabalho (KARSENTY e LACOSTE, 2007), pois envolvem situações dinâmicas nas quais, aos aspectos físicos, são somados os problemas de supervisão, controle, coordenação e cooperação, com maior margem para erros e falhas (CARVALHO, 2011a).

Segundo Hoc (2007a), para contornar essas falhas, o sistema deve ser desenvolvido para levar em consideração uma margem de manobra para adaptação do operador, sem deixar seu controle muito rígido, permitindo que se estabeleça um compromisso entre a compreensão e manutenção do controle. Ele ressalta a importância do homem conseguir interferir na relação

homem-máquina e assim reestruturar o conjunto tarefa, para poder atingir o compromisso aceitável.

Karsenty e Lacoste (2007) também ressaltam a ideia da contribuição da comunicação para circunscrever a tarefa, uma vez que a mesma não está sempre definida, e há o aumento da importância desse papel. Em trabalhos complexos e coletivos a importância desse papel é aumentada, haja vista a necessidade de multifuncionalidade do trabalhador para dominar e atingir o objetivo, com avanço do núcleo de conhecimentos básicos para o núcleo de competências.

Na empresa, o uso do termo competência está relacionado aos conjuntos de “saber fazer” ligados à pessoa, tarefa e ambiente, sendo, portanto, dependente do contexto sociotécnico e cultural de aplicação, uma vez que a construção e utilização das competências se manifestam na atividade. Logo, a formação da competência profissional é fruto da adaptação do operador ao meio e de suas regulações para transformar o ambiente.

Para Pastrè et al. (2007), o desenvolvimento de competências se fundamenta em uma progressão da organização para ação, ou seja, uma vez que no início se faz a tarefa, sem realmente compreendê-la, mas com a reflexão da situação de trabalho passa-se à incorporação dos conhecimentos e a compreensão integral da atividade. A evolução desse processo está relacionada ao tempo de trabalho, diferentes objetivos dados e a margem de manobra que o operador possui para o desenvolvimento das competências.

Diante disso, o papel do ergonomista está no reconhecimento das competências que dão suporte à atividade, compreendendo seu desenvolvimento para melhor geri-las, suas vantagens no projeto de sistemas e como seu uso torna o trabalho mais fácil e seguro, para o usuário entender e utilizar o sistema, realizando transformações positivas na situação de trabalho (CARVALHO, 2011a).

Folcher e Rabardel (2007) distinguem três formas principais de interações entre os homens e os dispositivos técnicos para realização do trabalho: 1) aquelas centradas na interação entre o homem e a máquina (IHM); 2) aquelas que consideram o homem e a máquina como um sistema engajado em uma tarefa (SHM); 3) e aquelas centradas na mediação da atividade pelo uso dos artefatos.

Outro fundamento importante abordado por Folcher e Rabardel (2007) está no processo de desenvolvimento do artefato, chamado também de gênese instrumental, em que há duas orientações: para o próprio sujeito (instrumentação – assimilação de novos artefatos na execução da tarefa) e para o artefato (instrumentalização – novas funções ou novas propriedades, elaboradas no decorrer do processo para um mesmo artefato), o que remete à

discussão da ergonomia de concepção para o uso (que haja avaliação e adequação correta) versus a concepção no uso (que essas práticas sejam reconhecidas na empresa). O detalhamento da gênese instrumental e suas orientações serão realizados no item seguinte.

O desafio colocado é fazer convergir essas duas vertentes de concepção ‘no uso’ e ‘para o uso’ no desenvolvimento de um artefato, pois há a dificuldade de articulação entre a construção do problema e resolução do mesmo ao se buscar atingir o objetivo. Isso se dá devido à característica dinâmica do processo de concepção, necessitando mudanças e interações constantes para atualizações. A ergonomia trabalha buscando essa conciliação de fatores, devendo haver uma integração maior entre o papel do ergonomista e do projetista, ou seja, as ações devem ser complementares e não particuladas, ou antagônicas (RABARDEL et al., 2007; BÈGUIN, 2007a).

O processo de concepção tem um aspecto paradoxal, pois há um trade off entre possibilidade de ação e conhecimentos sobre a situação, já que no começo do processo há grande possibilidade de atuação, mas pouco se sabe sobre a tarefa e, no final do processo, o oposto acontece. Dessa forma, os estudos de Bèguin (2007b) e Hoc (2007b) enfatizam a importância da entrada do ergonomista à montante do processo, pois quanto mais antecipada a participação desse agente na concepção do produto, maior a chance de resolução de problemas. Essa antecipação pode ser realizada de duas formas principais, por meio da análise da situação de referência e da simulação, entretanto, há dificuldades na concepção do produto mesmo com uso dessas estratégias, pois o processo de concepção continua no uso, necessitando reajustes constantes no seu desenvolvimento (BÈGUIN, 2007a).

De forma frequente, a racionalização dos processos de concepção ocorre em detrimento da constituição de um capital de conhecimentos, da troca do saber-fazer necessários ao balanceamento dos critérios de saúde dos trabalhadores e eficácia das organizações (BLUNTZER, 2009). Esta lacuna traz a problemática dos diferentes “mundos objetos”.

Segundo Hoc (2007b), para tornar esse processo mais convergente entre os diferentes atores e objetivos específicos de cada um, deve haver uma maior transferência de conhecimentos entre as áreas que integram a ergonomia, como a psicologia, a biomecânica e a engenharia, agentes principais para o desenvolvimento de inovações tecnológicas que beneficiem os operadores,configurando assim uma série de consensos, ou acordos técnicos e sociais necessários ao desenvolvimento de projetos e à correta implantação dos mesmos.