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3.3 Caracterização dos Artefatos de trabalho

3.3.1 Histórico Recente

Neste item, os artefatos e equipamentos de proteção disponibilizados tiveram seus atributos detalhados, de forma a contribuir para a compreensão de como suas características podem influenciar o desenvolvimento da colheita pelo trabalhador, seu rendimento e modo operatório.

Este item também traz uma síntese da evolução dos dispositivos de armazenamento ao longo da década de 1980 e 1990, com base em relatos de colhedores e administradores da fazenda.

3.3.1 Histórico Recente

Parte do contexto histórico aqui descrito foi obtida por meio de relatos de colhedores entrevistados, ao longo desta pesquisa, que trabalham na colheita de laranja há mais 20 anos. Portanto, o relato segue de um recorte dentro da experiência de cada um, os quais presenciaram o desenvolvimento das diversas formas de colheita e seus artefatos de trabalho.

Houve pouca mudança no modo de colheita manual ao longo dos anos, mantendo-se a derriça e a colheita com sacola como os principais métodos, conforme citados acima. Entretanto, os modelos de sacola e a forma de armazenamento dos frutos sofreram alteração ao longo dos tempos, diferenciando-se em duas propostas voltadas para o comércio: a) se a laranja destina-se ao mercado e/ou consumo in natura, a colheita é realizada com apoio de sacolas, que podem ser as de 27,2 kg ou de menor capacidade e, caixas de plástico; b) caso a laranja seja destinada para suco, a colheita é realizada com sacola de 27,2 kg e bags.

Anteriormente à década de 1990, o fruto para suco e aquele destinado ao consumo in

natura eram colhidos com uso de caixas plásticas, não havendo essa diferenciação evidente de mercado.

Tem-se, portanto, que a forma inicial de colheita manual era realizada com uso de caixas plásticas, como as ainda existentes no mercado para armazenamento de frutos, as quais tinham capacidade de 27,2 kg (Figura 14). Entretanto, como suporte de colheita e para poder preencher a caixa com os frutos, os colhedores utilizavam uma sacola ou sacador sem fundo falso, como armazenador intermediário.

Figura 14. Caixa de colheita de 27,2 kg e sacador utilizado no método manual, na década de 1980.

Fonte: Internet.

As sacolas utilizadas eram compostas por um sacador com fundo costurado e uma alça de sustentação destacável do corpo do sacador, ligando-se a ele por meio de ganchos. Além disso, a sacola continha duas alças fixas pequenas, para carregamento e transbordo (Figura 15).

Figura 15. Modelo do sacador utilizado e, por último à direita, modelo da alça destacável.

Fonte: elaborado a partir da pesquisa de campo.

As caixas plásticas eram divididas e entregues no pomar, logo no início da jornada, conforme a produção individual de cada colhedor, avaliada e conhecida pelo encarregado ou

turmeiro, ficando o colhedor responsável por carregá-las ao longo dos eitos a serem colhidos. Assim, cada colhedor tinha que carregar consigo as caixas (chegando a carregar 10 a 12 de uma vez), a escada, a sacola, o garrafão térmico, dentre outros objetos, como sua alimentação, uma vez que não havia hora de almoço definida. Segundo relato dos colhedores, cada um tinha uma forma de carregar as caixas, alguns amarravam uma ponta de corda nas caixas e outra ponta na cintura e braços, para assim conduzi-las entre os eitos de colheita.

Já no primeiro eito definido, os colhedores enfileiravam as caixas plásticas próximas às árvores e realizavam a retirada dos frutos da mesma com auxílio intermediário da sacola e depósito final destes nas caixas. Com a passagem para o eito seguinte, os colhedores levavam as caixas vazias que restavam, deixando aquelas que estavam com frutos para serem descarregadas nos caminhões.

Ao longo do dia, as caixas iam acabando e os colhedores, para poderem continuar o trabalho, tinham que voltar aos eitos inicialmente colhidos, a fim de recuperar as caixas esvaziadas. Logo, percorriam grandes distâncias entre os eitos de colheita, seja para realizar, propriamente, a colheita, seja para buscar as caixas.

Paralelamente, ao uso da caixinha foi se desenvolvendo e sendo incorporado nos pomares o uso do “sistema de saquinho”. O saquinho, segundo entrevistas, não seguia um padrão único de capacidade máxima nas fazendas, havendo saquinhos com peso entre 30 kg a 50 kg. Sua estrutura obedecia ao modelo da sacola já utilizada, diferenciando-se apenas na sua capacidade, ou seja, saía a caixa plástica e permanecia a colheita direta no sacador, com armazenamento final neste.

Os saquinhos também não possuíam fundo falso e eram entregues com base no mesmo critério das caixas acima e da mesma forma que estas, os colhedores ficavam responsáveis por buscá-los quando vazios nos eitos de colheita, para assim continuar seu trabalho.

O benefício trazido pelos saquinhos concentrava-se apenas no seu peso mais leve e facilidade de deslocamento entre os eitos de colheita, quando comparados às caixas plásticas.

A forma de utilização do sistema de saquinho era variável, principalmente, conforme a capacidade do mesmo e experiência de colheita do trabalhador. O modo de armazenamento mais utilizado entre os colhedores, experientes ou iniciantes, era a utilização concomitante do sistema de saquinho e da sacola anterior. Neste esquema de uso, dado o peso elevado do saquinho, os trabalhadores optavam por mantê-lo posicionado no solo, enquanto usava a sacola

anterior como apoio para colheita na escada e barrado, preenchendo-o gradualmente à medida que atingia a capacidade de carregamento da sacola.

Alguns colhedores experientes no uso de sacolas com maior capacidade, optavam pelo armazenamento direto dos frutos no saquinho, o qual era destacado ou solto da alça corporal quando atingia sua capacidade máxima, sendo enfileirado no solo, perto das árvores ou entre elas. Esse modo de armazenamento direto era utilizado para sacadores com capacidade máxima em torno de 35 kg, por acreditar ser mais produtivo, entretanto, para aqueles sacadores com capacidade acima de 35kg, foi desenvolvida nova estratégia de colheita, entre os colhedores experientes, que consistia no uso conjunto e acoplado da sacola menor e o saquinho maior.

O desafio trazido e demonstrado pelos colhedores no uso desse sistema de saquinhos compreende a necessidade de também ter que buscá-los nos eitos, percorrendo grandes distâncias, além da maior necessidade de carregamento de peso e existência de retrabalho, pois ao enfileirar os saquinhos no solo, nem sempre eles se mantinham estáveis com o passar do tempo e cediam às imperfeições do solo, ou outros abalos, caindo e derrubando outros próximos a ele, inclusive na etapa de preenchimento com auxílio do sacador.

Logo, para serem contabilizados e despejados nos caminhões, os colhedores tinham que voltar e rearmazenar os frutos caídos, a fim de garantir o pagamento sobre o que foi colhido, caso contrário os saquinhos tombados eram desconsiderados e deixados para trás.

Sendo assim, com o desafio de alocar os sacadores no solo, sem que eles cedam às irregularidades do mesmo e também com o intuito de facilitar o armazenamento dos primeiros frutos, uma das estratégias desenvolvidas e adotadas no pomar pelos colhedores, quando diante de um saquinho com capacidade superior a 35 kg, era acoplar este junto com o sacador menor (27,2kg), com ajuda dos ganchos.

“O turmeiro falava que dava uma caixa de 27,2 kg, mas o saquinho dava mais. A caixinha pegava sim essa medida, não tinha como ser diferente. O saquinho eles faziam maior que o padrão e tinha que encher. A gente sabe, porque a gente pegava um sacador antigo pra ajudar na colheita e ele não conseguia encher o saquinho que eles davam, tinha que pegar um pouco e voltar no pé para completar. E ainda tinha gente, que na época, trabalhava só com a alça no saquinho grande de 50 kg. Eles enganchavam a alça no saquinho e já enchia

daquele jeito mesmo, mas não tinha cabimento, por causa do tamanho e peso dele”.

(relato de colhedora, 19 anos de experiência na colheita)

Nesse esquema de uso, o sacador menor sofria uma alteração que era o corte de sua base, transformando-o em um funil para escoamento dos primeiros frutos, permitindo o colhedor optar por liberar o saquinho no solo quando alcançado o limite fisiológico de carregamento de peso, com menor risco de tombamento do saquinho. Essa estratégia adotada foi incorporada no desenvolvimento da sacola utilizada nos dias de hoje e ocorreu, paralelamente, à entrada do bag.

Um agravante no sistema de pagamento por produção no uso desses saquinhos era a inexistência de padrão de tamanhos e capacidades destes, com muitas fazendas pagando apenas o valor da colheita de uma sacola (unidade anterior de 27,2 kg), mesmo que o colhedor estivesse utilizando um saquinho acima dessa capacidade (35 kg até 50 kg).

“O sacador de hoje ele pega na maioria das vezes da cintura até o joelho, mas o saquinho pegava da cintura e arrastava até no chão, daí você ia subir na escada para colher (o saquinho tinha mais de 27 kg, quase o dobro - uma caixa e meia) e ele enroscava, além de andar com ele atrapalhava, tinha que ir arrastando porque tava quase no pé. E o pagamento era como se tivesse colhido uma sacola só, pagava apenas uma caixa, mas pegava bem mais. Era muito sofrido. Hoje em dia não, pega no bag e você vai só jogando e não vai carregando aquele peso de antes”.

(relato de colhedor, 16 anos de experiência na colheita)

Sobre a etapa de carregamento, tanto para a caixa plástica, quanto para o saquinho, eram necessários dois funcionários (carregadores) no solo e um a dois funcionários em cima do caminhão para armazenar os frutos. Os trabalhadores do solo erguiam e repassavam as caixas e/ou saquinhos para os trabalhadores de cima do caminhão, que sustentava e empilhava, manualmente, retornando os dispositivos vazios (Figura 16).

Figura 16. Carregamento dos saquinhos e caixas de frutos.

Fonte: Internet.

Em vista disso, com a substituição dos saquinhos e caixas plásticas pelo bag, houve a alteração do modelo da sacola de colheita, pelo utilizado ainda nos dias atuais, onde foi incorporado o fundo falso sustentado por ganchos, para facilitar o escoamento dos frutos, ideia proveniente dos próprios colhedores no exercício de sua função. Por sua vez, o bag de colheita foi desenvolvido com material semelhante ao sacador e saquinho já utilizado, agregando a ele uma maior capacidade de armazenamento (550 kg a 650 kg) e um fundo falso, para facilitar o transbordo mecânico. Logo, o novo sistema de bag derivou do uso de saquinhos, com ajustes de capacidade e fornecimento de maior capacidade produtiva de armazenamento e colheita no pomar.

A introdução do bag na colheita ocorreu apenas em meados dos anos 1990, com a alteração do sistema de carregamento do fruto, em que saíram as caixinhas e transbordo manual dos saquinhos para caminhões, para entrada de truck e bin acoplado, tornando mecânico o armazenamento dos frutos. No funcionamento desse sistema trabalham um a dois trabalhadores no solo, os quais encaixam a alça de fechamento do fundo falso do bag no gancho do truck e com a sinalização de um desses carregadores, o motorista ajusta o trajeto do bag até o bin localizado no truck, ou até a caçamba do caminhão e, posteriormente, libera essa alça para escoamento dos frutos.

Com relação aos modelos de escada inicialmente utilizados, estes eram confeccionados com madeira, o que os tornavam mais pesados e inseguros, quando comparados ao uso do metal na sua estrutura, havendo maior instabilidade na resistência do material para sustentação de peso e degraus de madeira soltando com maior facilidade das hastes.

Para estes artefatos, segundo relatos de colhedores e administradores das fazendas, houve a substituição gradual por modelos com estrutura de metal e base reta, como as ainda encontradas nos dias atuais, além de testes com outros materiais e componentes, restando o uso de escadas de madeira apenas na colheita próximo a fiações elétricas.

No item seguinte, as características dos principais artefatos utilizados na colheita manual de laranja serão detalhadas com o intuito de sedimentar e aprofundar o conhecimento da função prescrita do produto, a decomposição dos diferentes esquemas de uso desenvolvidos e as alterações físicas realizadas, para contemplar o objeto de trabalho.

3.3.2 Descrição dos Artefatos da Colheita Manual de Laranja

Para apresentação de suas características, os artefatos utilizados foram divididos em dois grupos básicos, chamando atenção para sua característica funcional: alcance dos frutos e armazenamento dos frutos.

É importante recuperar nesse item a definição de artefato, o qual pode ser traduzido como todo objeto fabricado, considerando suas dimensões materiais ou simbólicas.

a) Artefato para alcance dos frutos

Na colheita em pomares com árvores distantes de linhas de transmissão de energia são utilizadas escadas metálicas, para alcance dos frutos no ponteiro e meio da árvore. Usualmente é empregado o material metalon na fabricação de grande parte das escadas metálicas utilizadas na colheita manual de laranja, devido seu baixo custo, comparado ao alumínio, com apresentação de resistência para a tarefa.

Há diversos formatos e tamanhos de escadas disponibilizados, estando seu uso e distribuição dependentes, principalmente, da altura do pomar a ser colhido. As principais escadas encontradas neste estudo apresentam as características do Quadro 6.