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Construção das relações afetivas

No documento O CAMINHO INTERGERACIONAL DOS SENTIMENTOS: (páginas 81-86)

FAMÍLIA

3.1 Construção das relações afetivas

Como cada família transmite ou está transmitindo as manifestações afetivas hoje?

As transmissões afetivas constituem padrões familiares intergeracionais?

Estas e outras questões que queremos responder com este trabalho referente ao tema afetividade, serão abordadas e interligadas com os aportes teóricos neste capítulo.

Ao transferimos esta reflexão para um recorte dentro da área clínica, especificamente, a familiar, seria importante refletir como o terapeuta ao atender um caso, preocupa-se em entender os aspectos afetivos da história familiar dos pacientes.

Para que isto ocorra, pensamos voltar no tempo e aos estudos de alguns teóricos que se interessaram em entender os afetos, sentimentos e as emoções e como elas se constituíram dentro de um sistema familiar.

Determinados conceitos foram importantes anexar ao capítulo, tais como: emoção, sentimentos, ligações afetivas, vínculos, entre outros, que permitiram a ampliação do olhar para poder compreender o interior do indivíduo e este em estado de relação.

Para melhor entender as bases da formação da afetividade dentro do sistema familiar, ou os aspectos que englobam o discernimento das emoções, sentimentos e afetos, recorremos à Teoria do Apego desenvolvida por Bowlby (1969-1984).

O conhecimento e a distinção dos conceitos relacionados à Teoria do Apego, como matriz formadora da personalidade, permitem à pesquisadora maior facilidade de identificação, análise e interpretação dentro do estudo com famílias. Além disso, fundamentam e proporcionam a apropriação

Se dermos mais atenção [...] ao aumento da autoconciência, a lidar mais eficientemente com nossos sentimentos aflitivos, manter o otimismo e a esperança apesar das frustrações, aumentar a capacidade de empatia e envolvimento, de cooperação e ligação social, o futuro pode ser mais esperançoso. (Goleman, 1995)

do clínico, para se entender como se constroem as ligações afetivas, vínculos familiares e padrões afetivos formados por seqüências de demonstração de afetos. Ao mesmo tempo, nas manifestações afetivas além de uma possível transmissão de afetividade nas interações familiares, estas podem estar sendo estendidas às interações intergeracionais, constituindo os valores afetivos.

A Teoria do Apego está alicerçada em diversas áreas do conhecimento, como: etologia, biologia, psicologia e, mais especificamente, na área desenvolvimentalista, que possibilita diferentes olhares que contribuem para ampliar o entendimento da construção das interações familiares.

As pesquisas relacionais com mães/bebês possibilitam um entendimento pautado no início da interação relacional familiar.

Outros autores que ampliaram e empregaram a Teoria do Apego, como Shaffer (2005), escolhido pelo levantamento que fez na área do desenvolvimento emocional, atualiza e interconecta várias pesquisas de outras abordagens que foram consultadas. O autor comparou diferentes visões, entre elas:

a) dos psicanalistas, como os primeiros enfatizadores das necessidades de conhecer mais as relações mãe/bebê e como eles se apegam;

b) dos teóricos do desenvolvimento e da aprendizagem iniciando por Erik Erikson que seguiram os passos de Freud, concluíram que os cuidadores exercem um importante papel no desenvolvimento emocional;

c) dos etologistas que apontam que os bebês são participantes ativos no processo de formação de relações de Apego, permitindo respostas pré-programadas que lhes permitem promover as interações, das quais o Apego se desenvolve e, por último,

d) dos teóricos cognitivos que mostram os períodos de formação de apegos emocionais e estes relacionados ao nível de desenvolvimento cognitivo da criança.

Dentro da abordagem cognitiva clínica, um brasileiro que se destaca no estudo do apego é Abreu (2005, p.15), para quem: “Um dos aspectos centrais das questões pertinentes ao ‘Apego’

é que, quando esta dimensão é de alguma forma alterada, ela suscitará mudanças na auto imagem”.

Se comparados com a abordagem sistêmica, os dois olhares encontram-se na mesma reflexão, podendo interferir no processo terapêutico, que tem um olhar de amplitude para abarcar o processo de construção da realidade pessoal e familiar.

Abreu menciona que:

Portanto, a afetividade é um fator que contribui com esta organização.

Neste sentido, Bowlby (1997), fala das interações entre crianças e cuidadores, criança e meio que criarão marcas fundamentais na personalidade futura do indivíduo.

Assim, os aspectos emocionais de vinculação transformam-se em manifestações afetivas, compostas por repetições de certas emoções, que podem converter-se em uma forma que gostaríamos de chamar de “consciência afetiva” (grifo nosso) que, analogicamente, na Teoria do Apego seria compreendida, como o modelo organizador da construção interna de significados que formam os modelos mentais e ser utilizada em todas as áreas relacionais, inclusive, na relação consigo mesmo, formando assim um estilo de relacionar que se pode manter ao longo das experiências da vida.

(...) tais aspectos estão presente desde o desenvolvimento psicológico da primeira infância (por meio de uma interdependência e reciprocidade dos ritmos psicofisiológicos estabelecidos entre a criança e seu cuidador), chegando por final a favorecer o ordenamento e a organização da percepção de si mesmo e do mundo. (Abreu, 2005, p.16).

Acumulam-se evidências de que seres humanos de todas as idades são mais felizes e mais capazes de desenvolver melhor seus talentos quando estão seguros de que, por trás deles, existem uma ou mais pessoas que virão em sua ajuda caso surjam dificuldades. (Bowlby, 1997, p.139).

Para Bowlby, (1997, p.96), “(...) o primeiro e mais persistentes de todos os vínculos é geralmente entre mãe e seu filho pequeno, um vínculo que frequentemente persiste até a vida adulta.”

Compreendemos que esta vinculação ocorre também entre a criança pequena e cuidadores, caso haja impedimento da relação mãe e filho.

Bowlby (2002, p. 70), menciona que: “As modificações que o homem realiza em seu meio ambiente são de carater diferente. Nenhuma é produto de um comportamento instintivo;

pelo contrário, cada uma delas é produto de alguma tradição cultural, apreendida de novo, às vêzes, laboriosamente, por membros de cada nova geração.”

Após ouvir o discurso contextual de um dos membros da família entrevistada, sobre vínculação e sentimentos trazidos de antepassados as outras gerações, observou-se que a manifestação dentro de uma cultura pode nos interconectar com o que os etólogos apontam.

Carvalho em seu artigo: “Em busca da natureza do vínculo: uma reflexão psicoetológica sobre os grupos familiares e redes sociais”, refere-se a respeito do vínculo:

A autora que é citada em estudos brasileiros etológicos, continua:

(...) um primeiro conceito supra-individual que pode ter valor heurístico para a analise dos processos sociais humanos em suas dimensões psicológicas. O que propomos em continuidade é a noção de rede social, no sentido de rede de vínculos.

(...) ampliando-a através dos grupos - seja grupos de pares, a família, ou outros - como a malha ou nós de uma rede na qual o indivíduo se situa, que ele constitui, cada um de nós se constitui, em si mesmo, uma rede com propriedades e características próprias. (Carvalho, 2005, p.8)

(...) convém contemplar os mecanismos comuns à família humana sob todas as suas manifestações para encontrar a estrutura profunda de sua naturalidade.

Sem descartar a variabilidade histórica e cultural das formas familiares, nem as dimensões político-economicos das relações sociais, o que pretendo sugerir aqui é o papel do vínculo afetivo como componente da socialização humana, como elemento estrutural subjacente à variabilidade das formas familiares e de relações extrafamiliares (rede social mais ampla). (Carvalho, 2005, p.4)

A observação e a sensibilização de estudiosos, mesmo advindas de outras áreas, têm chamado nossa atenção sobre a importância do vínculo afetivo não só no sistema familiar, mas também dentro de seu contexto social. Uma ampliação na compreensão da transmissão de vínculos afetivos pode ajudar na conscientização, mas, precisamos estar atentos às relações familiares.

Atualmente, presenciamos nas ciências humanas uma compreensão para estudar aspectos mais amplos de necessidade da vinculação humana na saúde mental e social.

Neste sentido, a teoria do Apego possibilita um diálogo interdisciplinar, fator relevante que vai de encontro aos estudos sistêmicos e indispensáveis ao ambiente em que esta pesquisa está sendo desenvolvida, situando as redes interpessoais em contextos socioculturais e históricos.

Por fim, Carvalho enfatiza que:

As palavras de Carvalho confirmam a importância dos vínculos para o homem e fundamentam a necessidade dos estudos sobre vinculação afetiva, como é nosso objetivo nesta pesquisa.

Shaffer (2005); Elkman apud Goleman (1995), aprofundaram-se nos estudos da área emocional e outros autores na mesma linha permitiram uma visão mais holística do assunto, ampliando o olhar da pesquisadora, esclarecendo conceitos relacionados ao tema central deste estudo, que é a afetividade.

(...) em primeiro lugar, parece não haver, em qualquer contexto de vida humana, a possibilidade de uma ausência total de vinculação. (p. 6)

(...) em segundo lugar, a noção de vínculo afetivo não implica juízo de valor moral: o vínculo pode ser carregado de afeto positivo ou negativo, pode envolver sofrimento, abuso e violência – mas continua sendo, mesmo em condições extremas, mecanismo de identidade e lugar no mundo. (Carvalho, 2005, p.6)

No documento O CAMINHO INTERGERACIONAL DOS SENTIMENTOS: (páginas 81-86)