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Discursos familiares

No documento O CAMINHO INTERGERACIONAL DOS SENTIMENTOS: (páginas 70-75)

COMUNICAÇÃO

2.2 Discursos familiares

Conforme a autora, a língua é uma instituição concedida a grupos, implica a intersubjetividade, regula as trocas porque obriga a comunicar e gira em torno de um código. Isto é algo que concordamos e observamos nas pessoas dentro da prática clínica, para melhor entendê-la, é feito um recorte para discorrer sobre o discurso sob a ótica de conceitos.

Segundo Silva; Silva (2005, p.101-105), com a pós-modernidade e o crescimento da interdisciplinaridade na história social, a Análise do Discurso tornou-se um método importante de pesquisa no Brasil, envolve disciplinas como: “(...) Semiótica e a Lingüística que têm como objetivo: Interpretar o discurso, este definido como a forma por meio da qual os indivíduos proferem e apreendem a linguagem como uma atividade produzida historicamente determinada.”

Os autores assinalam alguns cuidados: todo discurso possui uma ideologia e a língua permite ao indivíduo assimilar tal ideologia. Ideologia aqui é refletida, como a tendência que temos de atribuir uma única interpretação aos diversos significados de um discurso, como fala ou narrativa.

Os significados presentes no imaginário de quem os elabora, diferem-se da análise de conteúdo que busca as informações trazidas pelo discurso.

Na análise do discurso, o importante é saber como o texto diz, o que diz, ou seja, como os elementos lingüísticos, históricos e sociais que o compõem e fazem sentido quando são olhados globalmente ou interligados.

Esta observação é relevante, pois vai de encontro com a análise que se tem de trabalhos dentro da área sistêmica que busca sempre como acontece uma análise contextual, histórica de significados, além de trabalhar com os significados individuais e grupais. Os autores citados afirmam que este cuidado deve ser em razão de: “(...) a língua não é autônoma, e tanto ela como os indivíduos são muito afetados pelas condições sociais e pelo imaginário que os cerca”. (Silva;

Silva, 2005, p.102)

Conforme os autores, outros conceitos são importantes na compreensão do discurso: o imaginário e a memória “(...) A memória coletiva guarda tudo o que já foi dito, tornando possível que possamos dizer tudo de novo, ou entender quando algo for dito por outro”.

É importante apontar o fato da memória estar presente em um trabalho, que se preocupa com a intergeracionalidade e, portanto, trabalhar com as memórias, porque estas podem estar conectadas à afetividade. Os significados das palavras não são fixos e são apoiados em valores identificados na interpretação de cada um.

O discurso por definição vincular cria laço social e constitui-se em uma configuração do sentido articulador, do dito e do não dito ( palavras, gestos, movimentos e ações).

Gomel cita:

Os clínicos têm um ouvir mais direcionado para esses discursos sobretudo para o que e como as famílias transmitem, por isso, concordamos com as falas de Gomel e Silva et al. de que todo discurso é reconhecido em sua constituição, como um canal diverso de transmissão: as palavras, dimensões estritamente lingüísticas e as mímicas, gestos, aspectos pára-lingüístico; contam também as condições concretas da intersubjetividade em seu caráter específico dos autores da comunicação verbal e um discurso direto constitui a técnica do diálogo.

Entendemos que, para Gomel (1997), os discursos familiares são classificados em modalidades, porém a opção para colocá-los em uma tabela foi nossa com a pretensão de uma melhor visualização e, para a colocação da observação que possibilita utilizar outra linguagem na

(...) discurso familiar é o conjunto dos acontecimentos do decidir, efetivados em uma família, subsidiários do modo peculiar e restrito, mediante o qual a língua se realiza em fala e ditos desse contexto.”

(...) funciona como um dialeto caracterizado por um leque de traços idiossincráticos, sua compreensão é sempre parcial, assim como o consenso sobre as significações e o mal-entendido das estruturas. Vem das perspectivas ancestrais que fazem veicular o discurso familiar e via de regra a transmissão das gerações.(Gomel, 1997, p.44)3

“(...)denomino discurso familiar al conjunto de los acontecimientos del decir efectivizados en una familia, subsidiario del modo peculiar y restrictivo mediante el cual la lengua se realiza en habla en dicho contexto.”

“(...) funciona a la manera de un dialecto, caracterizado por un abanico de rasgos idiosincráticos. No se trata de una“lengua común,” noción ideológica en cuanto alude a una armonía imaginaria: la estructura intrínsicamente ambigua del lenguaje hace florecer rivalidades, enfrentamientos y poderíos. La comprensión es siempre parcial así como el consenso sobre las significaciones, y el malentendido es de estructura. Leído desde la perspectiva de los discursos ancestrales que ciñen el devenir vincular, el discurso familiar es vía regia de transmisión de lo generacional”. (Gomel,1997, p.44).

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comparação dos dados observados. Dentro da abordagem sistêmica, foi usada a tabela com o intuito de trazer o discurso para uma linguagem mais coloquial empregada no cotidiano da prática clínica.

Tabela 5 - Modalidades de Discursos Familiares (adaptação)

Dentro desses discursos, seria relevante enfatizar o igualitário, talvez o mais desejado entre os profissionais e membros familiares. Mas este é um discurso difícil que envolve outras dimensões consideradas profundas, tais como: social, cultural e até por que não dizer o histórico, que advém das relações e de suas crenças, do que se faz e fala, da união da linguagem verbal com a ação, intenção, comportamento, entre outros. Pensando como conseqüência de nossas atitudes, acrescentaria aqui o emocional (que sai com carga de amor, ira, enfim com sentimentos mais expressivos). Este poderia ser considerado um discurso afetivo.

Decodificação do valor semântico proporcional e proposicional do nível pragmático, entre receptor e emissor.

Assegura discernimento e aceitação do princípio de realidade, condição estreitamente relacionada com a causalidade. Admissão a policausalidade, incluso o circular.

É o mais desejado pela família.

O mais difícil de se conseguir.

Diálogo

Monológicos:

A Violência Discursiva

Ato exercido sobre o outro desconhecedor de sua subjetividade e de suas conseqüências, atentado contra a lei que inscreve o sujeito tanto no social e vincular, remetendo a uma polaridade de vida e morte, na qual circulam fantasias de aniquilação.

Imposição de uma relação fria e invariável entre significante e significado, anulando a pronúncia própria do linguajar.

Pode transmitir modelos afetivos de forma autoritária. (o falar consigo próprio)

Sagrado Autoritário

Independe dos conteúdos do enunciado senão de definir o interlocutor como praticamente ausente.

Maioria de frases afirmativas do modo indicativo, ausência de perguntas, pobreza de figuras retóricas e pouco uso da condicional para suavizar as convicções.

Propõe a existência de uma verdade única, o laço entre a própria subjetividade se enfurece.

Pode transmitir metas, mitos, rituais e crenças falsas.

Paradoxal

Um recurso teórico a serviço do humor, do imprevisto e do efeito poético, está incluso em nível paradoxal próprio do linguajar em sua cota de ambigüidade e confusão.

Ambas as condutas: a hostil e a amistosa correspondem à ordem de mensagens diferentes, os sentimentos reais e os simulados: o efeito produzido é de perplexidade.

Pode ser ligado ao duplo vínculo.

Ambíguo

Vazio Há orações truncadas e palavras inaudizíveis, entendíveis, frases herméticas sobre as que nada ousa perguntar.

Pode ser ligado ao não dito familiar, os segredos.

Fonte: Gomel (1977, p.47) e arquivo pessoal da pesquisadora.

Discursos Características Nossa Observação e

comparação

Se a busca por um discurso mais igualitário é um valor familiar, este poderia vir de um diálogo do que vai se sentindo com base em outros discursos?

Neste sentido, podemos entender o movimento das gerações que traz os depositários de antepassados de uma época historicamente datados, modeladores das marcas de passagem no tempo e espaço, narradas e recontadas por seus membros como histórias vivenciadas, passando mensagens.

Estas marcas estariam impressas nas comunicações afetivas e poderiam ser pensadas como um conjunto de oferendas e legados que se movem e são repassados de uma geração a outra, porém, atentos para o fato de que esta é uma passagem dinâmica. Não podemos pretender que uma geração dá e a outra receba passivamente, pois esse processo recursivo de trocas e transmissão pode ocorrer mais bem assimilado, mas, com modificações naturais feitas pelas gerações.

Um exemplo disso na família acontece quando se transita nos papéis e funções que a família tem. Os avós, por exemplo, são os que podem permitir as trocas mais igualitárias e sinceras de afetividade dentro da família. Estes estão (dependendo da cultura) mais soltos da opressão social e, pela questão do tempo, podem aproveitar para ouvir, contar histórias, recontá-las para melhor assimilação, proporcionando, assim, uma transmissão da cultura, educação e valores com afetividade, entre outros.

Uma geração possui raízes, memórias, verdadeiros tesouros de conhecimento e sabedoria a espera de quem queira conhecê-los e a geração futura, no caso, as crianças têm o tempo, o ouvir, a curiosidade, a imaginação para questionar, além do tempo. São duas épocas que se encontram, duas culturas com grandes possibilidades de prevalecer os afetos e o diálogo, colocando possíveis distâncias entre rancores, mágoas, podendo, também, facilitar encontros e transmissões geracionais;

poderia ser um diálogo de trocas mais igualitário que flui dentro de um processo comunicacional familiar intergeracional e a relação dos avós pode ajudar a mediar a dos pais.

Podemos pensar como no sistema familiar intergeracional estes discursos podem interferir a maneira do outro interpretar e sentir auxiliando na compreensão da transmissão da afetividade.

No documento O CAMINHO INTERGERACIONAL DOS SENTIMENTOS: (páginas 70-75)