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3 A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DOS LIVROS, JORNAIS, PERÍODICOS E O PAPEL

3.3 Conteúdo e Finalidade da Norma Jurídica

A imunidade tributária prevista no artigo 150, inciso VI, alínea “d”, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, denominada de imunidade cultural, resguarda o direito de informação, de liberdade na manifestação do pensamento, de acesso à educação e do pleno exercício dos direitos culturais, reconhecendo o legislador constituinte a necessidade de não onerar instrumentos que viabilizam a efetividade desses direitos - os livros, os jornais e os periódicos, bem como um insumo indispensável que é o papel destinado a sua impressão.

A educação desempenha função essencial no desenvolvimento da personalidade humana e para o exercício da cidadania. É meio pelo qual o indivíduo compreende o alcance de suas liberdades, a consecução de seus direitos e a importância dos seus deveres, permitindo a integração em uma democracia efetivamente participativa e assegurando a formação de sujeitos críticos e atuantes.

A educação encontra-se assegurada, como direito social, no artigo 6° do Texto Constitucional. Os artigos 205 e seguintes enquadram a educação com um direito de todos e dever do Estado e da família e elencam os princípios que orientam o ensino ministrado, garantindo a todo cidadão brasileiro, ainda que de forma subjetiva, exigir do Estado o cumprimento da prestação educacional, independentemente de vaga, sem seleção, consoante disposto constitucionalmente.

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;

III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;

IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;

V - valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas;

VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei; VII - garantia de padrão de qualidade.

VIII - piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal.

73 Parágrafo único. A lei disporá sobre as categorias de trabalhadores considerados profissionais da educação básica e sobre a fixação de prazo para a elaboração ou adequação de seus planos de carreira, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

O direito à educação está intrinsecamente relacionado ao acesso aos livros, pois a leitura é um dos elementos inerentes ao processo do conhecimento, bem como aos jornais e periódicos, que permitem a compreensão da realidade na qual estamos inseridos. Portanto, a intributabilidade dos objetos justifica-se na consolidação de medidas públicas que exprimem os valores da sociedade brasileira.

Para formação do cidadão, consciente de seus deveres e não apenas dos direitos a serem cumpridos, é inescusável o acesso às informações, para que possa desenvolver toda a sua potencialidade e assumir as determinações que a comunidade espera de cada integrante. Nesse sentido, segundo Gilmar Mendes, é imprescindível a disponibilidade de meios para conhecer a realidade e as suas interpretações, e isso como pressuposto mesmo para que se possa participar de debates e para que se tomem decisões relevantes100.

Os direitos culturais estão previstos constitucionalmente nos artigos 215 e 216, em que pese destacar a defesa do patrimônio cultural brasileiro, a valorização das múltiplas formas de expressão e da diversidade étnica e regional e a democratização do acesso aos bens culturais.

Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.

§ 1º - O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro- brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional. § 2º - A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta significação para os diferentes segmentos étnicos nacionais.

§ 3º - A lei estabelecerá o Plano Nacional de Cultura, de duração plurianual, visando ao desenvolvimento cultural do País e à integração das ações do poder público que conduzem à:

I - defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro; II - produção, promoção e difusão de bens culturais;

III - formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas múltiplas dimensões;

IV - democratização do acesso aos bens de cultura; V - valorização da diversidade étnica e regional.

Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:

100 MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 3. ed. rev e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p.

74 I - as formas de expressão;

II - os modos de criar, fazer e viver;

III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;

IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;

V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

§ 1º - O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação. § 2º - Cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem.

§ 3º - A lei estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento de bens e valores culturais.

§ 4º - Os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos, na forma da lei. § 5º - Ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos.

§ 6º - É facultado aos Estados e ao Distrito Federal vincular a fundo estadual de fomento à cultura até cinco décimos por cento de sua receita tributária líquida, para o financiamento de programas e projetos culturais, vedada a aplicação desses recursos no pagamento de:

I - despesas com pessoal e encargos sociais; II - serviço da dívida;

III - qualquer outra despesa corrente não vinculada diretamente aos investimentos ou ações apoiados.

A difusão da cultura está fortemente atrelada à educação, constituindo elemento fundamental na formação e garantia da identidade da sociedade brasileira, sobre a qual temos uma parcela de responsabilidade inerente, o que é viabilizado em grande parte pelo maior acesso aos instrumentos, quais sejam livros, jornais e periódicos, proporcionando o desenvolvimento social.

A promoção da ciência e da tecnologia também se relaciona com a imunidade tributária, pois pressupõem uma ampla atividade intelectual e de pesquisa. Caso não existissem meios de garantir a reprodução dos instrumentos protegidos pela norma imunizatória, a propagação do conhecimento restaria comprometida, dificultando o progresso científico e o surgimento de novos campos de pesquisa e polos tecnológicos, no que convém destacar as disposições constitucionais:

Art. 218. O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológicas.

§ 1º - A pesquisa científica básica receberá tratamento prioritário do Estado, tendo em vista o bem público e o progresso das ciências.

§ 2º - A pesquisa tecnológica voltar-se-á preponderantemente para a solução dos problemas brasileiros e para o desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional.

§ 3º - O Estado apoiará a formação de recursos humanos nas áreas de ciência, pesquisa e tecnologia, e concederá aos que delas se ocupem meios e condições especiais de trabalho.

75 § 4º - A lei apoiará e estimulará as empresas que invistam em pesquisa, criação de tecnologia adequada ao País, formação e aperfeiçoamento de seus recursos humanos e que pratiquem sistemas de remuneração que assegurem ao empregado, desvinculada do salário, participação nos ganhos econômicos resultantes da produtividade de seu trabalho.

§ 5º - É facultado aos Estados e ao Distrito Federal vincular parcela de sua receita orçamentária a entidades públicas de fomento ao ensino e à pesquisa científica e tecnológica.

Art. 219. O mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e sócio-econômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País, nos termos de lei federal.

É consensual na doutrina e na jurisprudência a identificação dos objetivos retroexplanados como intuito do legislador constituinte quando da instituição da imunidade dos livros, jornais, periódicos e do papel destinado a sua impressão,

Aliomar Baleeiro avalia que o preceito imunizante visa à redução de custos e à democratização no acesso aos livros e publicações, como recursos da educação e da cultura, bem como à garantia do direito à crítica dos governos e a homens públicos, inalienável à pureza do regime democrático101.

Outra finalidade destacada pelo autor é a garantia da liberdade de imprensa, tendo em vista que os tributos podem ser usados com finalidades extrafiscais, com o intuito de restringir as manifestações do pensamento que sejam contrárias à política adotada pelo governo. É considerado destinatário da norma o consumidor que suporta indiretamente o ônus financeiro da tributação dos veículos de informação escrita.

Aliomar Baleeiro elenca outros direitos e garantias fundamentais que são pretensamente assegurados pela imunidade tributária cultural, sobre os quais destacamos os excertos constitucionais a que se referem:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; [...]

IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença. [grifo nosso]

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: [...]

II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; [grifo nosso]

101

76 Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

§ 1º - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.

§ 2º - É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.

[...]

§ 6º - A publicação de veículo impresso de comunicação independe de licença de autoridade.

Tercio Sampaio Ferraz Filho considera que a norma de imunidade debatida tem como função primária o bloqueio da instituição de tributo sobre os objetos identificados, a partir do qual decorrem dois outros efeitos. O primeiro é resguardar as liberdades individuais de pensamento, de expressão e de informação; e o segundo, de teor programático, é garantir o interesse social na facilitação da difusão do conhecimento, da educação, da ciência e da cultura, embaratecendo os veículos102.

Colacionamos ainda ampla jurisprudência que assevera o exposto, abaixo seguindo:

IMUNIDADE. LIVROS. QUICKITIONARY. CF/88, ART. 150, INC. VI, ALÍNEA D. Hoje, o livro ainda é conhecido por ser impresso e ter como suporte material o papel. Rapidamente, porém, o suporte material vem sendo substituído por componentes eletrônicos, cada vez mais sofisticados, de modo que, em breve, o papel será tão primitivo, quanto são hoje a pele de animal, a madeira e a pedra. A imunidade, assim, não se limita ao livro como objeto, mas transcende a sua materialidade, atingindo o próprio valor imanente ao seu conceito. A Constituição não tornou imune a impostos o livro-objeto, mas o livro-valor. E o valor do livro está justamente em ser um instrumento do saber, do ensino, da cultura, da pesquisa, da divulgação de ideias e difusão de ideais, e meio de manifestação do pensamento e da própria personalidade do ser humano. É por tudo isso que representa, que o livro está imune a impostos, e não porque apresenta o formato de algumas centenas de folhas impressas e encadernadas. Diante disso, qualquer suporte físico, não importa a aparência que tenha, desde que revele os valores que são imanentes ao livro, é livro, e como livro, estará imune a impostos, por força do art. 150, VI, d, da Constituição. O denominado quickitionary, embora não se apresente no formato tradicional do livro, tem conteúdo de livro e desempenha exclusivamente a função de um livro. Não há razão alguma para que seja excluído da imunidade que a Constituição reserva para o livro, pois tudo que desempenha a função de livro, afastados os preconceitos, só pode ser livro. (TRF-4 - AMS: 2338 PR 2000.70.00.002338-5, Relator: VILSON DARÓS, Data de Julgamento: 28/08/2001, SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJ 03/10/2001, página: 727). [grifou-se].

CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE. LIVROS ELETRÔNICOS E ACESSÓRIOS. INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA E EVOLUTIVA. POSSIBILIDADE. 1. Na hipótese dos autos, a imunidade assume a roupagem do tipo objetiva, pois atribui à benesse a determinados bens, considerados

102 FERNANDES, Edison Carlos. Imunidade tributária. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva Martins (coord.).

77 relevantes pelo legislador constituinte. 2. O preceito prestigia diversos valores, tais como a liberdade de comunicação e de manifestação do pensamento; a expressão da atividade intelectual, artística e científica e o acesso e difusão da cultura e da educação. 3. Conquanto a imunidade tributária constitua exceção à regra jurídica de tributação, não nos parece razoável atribuir-lhe interpretação exclusivamente léxica, em detrimento das demais regras de hermenêutica e do "espírito da lei" exprimido no comando constitucional. 4. Hodiernamente, o vocábulo "livro" não se restringe à convencional coleção de folhas de papel, cortadas, dobradas e unidas em cadernos. 5. Interpretar restritivamente o art. 150, VI, d da Constituição, atendo-se à mera literalidade do texto e olvidando-se da evolução do contexto social em que ela se insere, implicaria inequívoca negativa de vigência ao comando constitucional. 6. A melhor opção é a interpretação teleológica, buscando aferir a real finalidade da norma, de molde a conferir-lhe a máxima efetividade, privilegiando, assim, aqueles valores implicitamente contemplados pelo constituinte. 7. Dentre as modernas técnicas de hermenêutica, também aplicáveis às normas constitucionais, destaca-se a interpretação evolutiva, segundo a qual o intérprete deve adequar a concepção da norma à realidade vivenciada. 8. Os livros são veículos de difusão de informação, cultura e educação, independentemente do suporte que ostentem ou da matéria prima utilizada na sua confecção e, como tal, fazem jus à imunidade postulada. Precedente desta E. Corte: Turma Suplementar da Segunda Seção, ED na AC n.º 2001.61.00.020336-6, j. 11.10.2007, DJU 05.11.2007, p. 648. 9. A alegação de que a percepção do D. Juízo a quo ingressa no campo político não merece acolhida, haja vista que interpretar um dispositivo legal é exercício de atividade tipicamente jurisdicional. 10. Não há que se falar, de outro lado, em aplicação de analogia para ampliar as hipóteses de imunidade, mas tão-somente da adoção de regras universalmente aceitas de hermenêutica, a fim de alcançar o verdadeiro sentido da norma constitucional. 11. Apelação e remessa oficial improvidas. (TRF-3 - AMS: 5281 SP 2000.61.04.005281-4, Relator: DESEMBARGADORA FEDERAL CONSUELO YOSHIDA, Data de Julgamento: 01/09/2004, SEXTA TURMA). [grifou-se]

3.4 Interpretação Constitucional-Tributária da Imunidade dos livros, jornais, periódicos