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2.8 Imunidades em Espécie

2.8.2 Imunidade dos templos de qualquer culto

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 concedeu imunidade aos templos de qualquer culto72 com o intuito de garantir a consecução dos valores decorrentes do princípio da liberdade de crença e da prática religiosa, disciplinados no art. 5ª, incisos VI a VIII.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

VII - é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva;

VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;

Nenhum impedimento pode ser criado com o intuito de impossibilitar ou de dificultar a promulgação da atividade religiosa pelos cidadãos, incluindo a instituição e cobrança de tributos.

70 STF, AC-QO 1851/RO, 2ª T., Rel. Min. Ellen Gracie, julg. em 17.06.2008, publ. no DJ-e 142 em 01.08.2008.

No mesmo sentido: STF, Pleno, ADI 3089/DF, Rel. p/o ac. Min. Joaquim Barbosa, julg. em 13.02.2008, DJ-e 142 em 01.08.2008; STF, AI-AgRg 718.646/SP, 2ª T., Rel. Min. Eros Grau, julg. em 16.08.2008, publ. No DJ-e 202 em 24.10.2008; e STF, RE-AgRg 501.639/BA, 2ª T., Rel. Min. Eros Grau, julg. em 23.09.2008, publ. no DJ-e 206 em 31.10.2008.

71 STF, Pleno, ACO 959/RN, Rel. Min. Menezes Direito, julg. em 17.03.2008, publ. DJ-e em 16.05.2008. 72 Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao

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A expressão templos de qualquer culto demonstra que a imunidade referida deve alcançar todas e quaisquer formas de manifestação religiosa, em que convém lembrar que o Estado brasileiro não possui religião oficial, é laico, não obstante se ostentarem em várias repartições e órgãos públicos no país a preferência pelo catolicismo73.

Paulo de Barros Carvalho preceitua sobre a extensão do campo semântico dos termos templo e culto religioso:

Cabem no campo de sua irradiação semântica todas as formas racionalmente possíveis de manifestação organizada de religiosidade, por mais estrambóticas, extravagantes ou exóticas que sejam. E as edificações onde se realizarem esses rituais haverão de ser considerados templos. Prescindível dizer que o interesse da coletividade e todos os valores fundamentais tutelados pela ordem jurídica concorrem para estabelecer os limites de efusão da fé religiosa e a devida utilização dos templos onde se realize. E quanto ao âmbito de compreensão destes últimos (os templos), também há de prevalecer uma exegese bem larga, atentando-se, apenas, para os fins de sua utilização74.

Hugo de Brito Machado acrescenta:

Templo não significa apenas a edificação, mas tudo quanto seja ligado ao exercício da atividade religiosa. Não pode haver imposto sobre missas, batizados ou qualquer outro ato religioso. Nem sobre qualquer bem que esteja a serviço do culto. Mas pode incidir imposto sobre bens pertencentes à Igreja, desde que não sejam instrumentos desta. Prédios alugados, por exemplo, assim como os respectivos rendimentos, podem ser tributados. Não a casa paroquial, ou o convento, ou qualquer outro edifício utilizado para atividades religiosas, ou para residência dos religiosos75.

Apesar de o texto constitucional mencionar as edificações (templos) em que estão instaladas as entidades religiosas, entendemos que a imunidade tributária deve alcançar a própria Igreja e sua obra, de modo a atingir o pleno exercício das atividades religiosas e a consecução da fé, sem que haja qualquer restrição a essas manifestações.

Porém, defendemos que a imunidade concedida às entidades religiosas não poderá ser ampliada a situações que não correspondam estritamente àquelas indispensáveis à manutenção do culto religioso e de sua obra.

Relativamente às parcelas remuneratórias de líderes religiosos, como contraprestação dos seus serviços, deve prevalecer a regra geral da tributação e o princípio da vedação desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão da ocupação profissional ou função por eles exercida.

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E, por uma questão cultural e histórica, encontramos imagens de santos, crucifixos e até capelas em hospitais públicos, escolas públicas, secretarias municipais, estaduais e federais, dentre outros.

74 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 19ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 239-240. 75

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Quanto aos cemitérios, estes são espaços destinados ao sepultamento de pessoas, cuja atividade poderá ser explorada tanto por pessoas jurídicas de natureza pública, quanto de natureza privada, de forma que, quando for desempenhada por pessoas jurídicas de Direito Público, em obediência à vedação a tributação recíproca entre os entes estatais, incide a regra imunizatória.

Nesse sentido, é o entendimento da Suprema Corte brasileira:

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO – CONSTITUCIONAL – IMUNIDADE TRIBUTÁRIA – IPTU – ART. 150, VI, B, DA CB/1988 – CEMITÉRIO – EXTENSÃO DE ENTIDADE DE CUNHO RELIGIOSO – 1. Os cemitérios que consubstanciam extensões de entidades de cunho religioso estão abrangidos pela garantia contemplada no art. 150 da Constituição do Brasil. Impossibilidade da incidência de IPTU em relação a eles. 2. A imunidade aos tributos de que gozam os templos de qualquer culto é projetada a partir da interpretação da totalidade que o Texto da Constituição e, sobretudo do disposto nos arts. 5º, VI, 19, I e 150, VI, b. 3. As áreas da incidência e da imunidade tributária são antípodas. Recurso extraordinário provido76.

Além disso, caso esteja relacionado ao exercício da crença pelas entidades religiosas, sem que se configure atividade negocial ou finalidade de obtenção de lucro, o cemitério estará imune à incidência tributária, o que não acontece quando a administração deste for realizada por pessoas jurídicas de Direito Privado, sem nenhuma vinculação a entidades religiosas, visando, tão somente a exploração da atividade econômica.

A norma de imunidade tributária, deste modo, tem por objetivo garantir a plena liberdade religiosa. Qualquer entrave infraconstitucional à ampla fruição do benefício imunizante, por parte das Administrações Públicas, pode ser afastado como vício de inconstitucionalidade ou ilegalidade.

Contudo, uma interpretação demasiadamente ampla ou ausência de fiscalização das entidades religiosas podem ensejar um abuso de direito, podendo, inclusive, desvirtuar-se para a realização de intuitos escusos ou ilícitos.

O sincretismo religioso é uma característica da sociedade brasileira, entretanto, é sabido a existência de indivíduos que se aproveitam da ingenuidade e do anseio da população por uma crença ou por culto a valores transcendentais, criando instituições religiosas sem qualquer fundamento, com o escopo de enriquecimento pessoal e autopromoção.

Kiyoshi Harada realiza um relevante exame sobre a interpretação de referida imunidade:

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52 A interpretação ampla, que se costuma dar ao instituto da imunidade, não implica tolerar os abusos que vêm sendo praticados, tendo em vista a extrema facilidade com que se institui uma seita. A disputa do gordo filão dos dízimos e contribuições vem acirrando a luta entre as seitas e, não raras vezes, entre os próprios membros da mesma seita, numa inequívoca demonstração de ofensa aos princípios éticos e morais, não condizente com a livre manifestação do credo, assegurado pela Carta Magna.

Os atos de mercancia, praticados por algumas seitas, ainda que disfarçadamente, e que contribuem para erguer rios e montanhas de dinheiro com a inocência de seus fiéis, não podem continuar à margem da tributação, sob pena de ofensa ao princípio da isonomia tributária. A Constituição Federal de 1988 só coloca sob a proteção da imunidade o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais dos templos (§ 4º do art. 150). Não estende o benefício às atividades decorrentes das finalidades essenciais, como ocorre na hipótese de imunidade recíproca. Isto quer dizer que determinado prédio de propriedade de uma igreja, que não esteja sendo utilizado para fins religiosos, sujeita-se, por exemplo, à incidência do IPTU, não importando saber se o produto do aluguel desse prédio está ou não sendo aplicado na consecução de finalidade religiosa77.

Dessa forma, a regra imunizatória prevista no art. 150, VI, alínea b, da Constituição Federal tem por objetivo proteger entidades religiosas que desempenhem, essencialmente, atividades relativas ao ministério da fé e ao culto a valores transcendentais, restringindo-se o instituto apenas aos bens, às rendas e às ações vinculadas às finalidades religiosas.

2.8.3 Imunidade do patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas