• Nenhum resultado encontrado

Correntes doutrinárias contrárias à imunidade tributária do livro digital

4 A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DOS LIVROS DIGITAIS À LUZ DA

4.2 As Correntes Doutrinárias acerca da Imunidade Tributária dos Livros Digitais

4.2.1 Correntes doutrinárias contrárias à imunidade tributária do livro digital

Alude Oswaldo Othon de Pontes Saraiva Filho que a extensão da imunidade aos livros digitais importa em uma analogia integrativa não compatível com a Constituição Federal, uma vez que não se confunde o livro impresso em papel com o hipertexto em meio virtual180.

O doutrinador não deixa de reconhecer que a imunidade dos livros, jornais e periódicos, por se associar com a liberdade do homem, admite uma interpretação extensiva, com o intuito de garantir a efetividade do texto constitucional, mas desde que não suplante o teor expresso na norma imunizante.

Aduz que, apesar de a Constituição Federal garantir a livre manifestação do pensamento e de expressão da atividade intelectual, artística, científica e o acesso à informação, isso não justifica necessariamente o alcance da imunidade tributária aos livros em suporte digital. Defende a eventual concessão de isenções, incentivos e benefícios fiscais, pela

180

SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes. A não-extensão da imunidade aos chamados livros, jornais e periódicos eletrônicos., São Paulo: Revista Dialética de Direito Tributário, n. 33, 1998, p. 137.

112

legislação infraconstitucional, mas em conformidade com os princípios da capacidade contributiva (CF, art. 145, § 1°) e da vedação de tratamento fiscal discriminatório arbitrário (CF,art. 150, II)181.

Segundo o autor, a previsão, como expressa no texto constitucional, se restringe à mídia escrita em papel, não alcançando outros suportes físicos ou outros meios de transmissão de informação, sendo necessária para extensão da imunidade aos livros digitais, a edição de emenda constitucional com o respectivo teor. Além disso, menciona que os veículos modernos não atendem com a mesma eficiência os objetivos constitucionais pelo fato de serem, em regra, consumidos por pequena parcela da população com melhor poder aquisitivo, podendo comprometer a fiscalidade referido alcance extensivo; e inexiste referente previsão de imunidade no Direito comparado182.

Entendemos que apesar de existir previsão de que o insumo protegido refere-se ao papel destinado à impressão dos livros, jornais e periódicos, não há delimitação expressa que impeça o alcance a outros suportes físicos. Devendo ser aplicada uma interpretação que garanta a maior efetividade ao dispositivo constitucional.

O livro digital já é um produto consolidado e disseminado no mercado, não prosperando a alegação de que se destina a classes sociais privilegiadas, sendo a imunidade, em verdade, um instrumento para garantir a popularização do objeto. Também não há razão para se temer o impacto sobre a fiscalidade, pois além dos fatos de interesse fiscal poderem ser melhor controlados em âmbito virtual, a realidade aludida não representa significativas receitas do Estado, principalmente a contrapor-se a direitos fundamentais como a liberdade de pensamento, a educação e a cultura.

A arguição de inexistência de normas constitucionais de imunidade em outras nações, também, não se demostra pertinente, pois o fato de outros países não regulamentarem uma matéria específica não obsta que o Brasil o faça em conformidade com sua realidade social, política e econômica.

Ponderamos ainda que a aplicação da imunidade ao livro digital independe de alteração por emenda constitucional, devendo a interpretação da Carta Magna estar em consonância com o seu tempo, de modo a resguardar a sua finalística, os princípios que a orientam e os direitos e garantias fundamentais.

181 SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes. A não-extensão da imunidade aos chamados livros, jornais

e periódicos eletrônicos., São Paulo: Revista Dialética de Direito Tributário, n. 33, 1998, p. 134.

182

113

Ricardo Lobo Torres, por sua vez, distingue a cultura tipográfica da cultura digital e avalia que a equiparação dessas diferentes espécies afasta a tributação de uma vasta gama de produtos e serviços de informática, que são utilizados pelos livros digitais, sugerindo cautela em relação à postura em face desse progresso tecnológico183.

Lobo Torres, corroborando a acepção de Saraiva Filho, considera que, diversamente do livro em papel que se organiza de modo estático, o hipertexto permite ao usuário uma maior interação com o programa de computador, compondo-se de forma diferenciada, o que enseja um tratamento tributário distinto184.

Para o autor, os discos compactos que acompanham as enciclopédias e os livros são imunes somente se existir uma preponderância econômica e intelectual do impresso sobre os CD-ROMs, configurando-se estes como item acessório, não alcançando a imunidade quando comercializados isoladamente ou constituírem o produto principal, o que também seria aplicável ao hipertexto para navegação nas redes de computadores e aos livros digitais.

Apregoa também que quando da promulgação da Constituição Federal de 1988, a tecnologia já estava satisfatoriamente desenvolvida para que o legislador constituinte, se pretendesse, definisse a não aplicação sobre a mídia. Se assim não procedeu, foi porque optou restringir a imunidade às obras impressas em papel185.

Não aquiescemos com as colocações contrárias de Lobo Torres à extensão da imunidade aos livros digitais. A distinção entre o hipertexto e o livro impresso em papel, de modo a justificar a inaplicabilidade da regra de imunidade, não se mostra pertinente, pois como bem assevera Motta Pacheco o suporte físico no qual se mantém o livro pode identifica- lo ou completa-lo, mas não o conceitua. A definição adequada do livro se alberga no seu conteúdo e na sua finalidade186.

Os livros digitais mercantilizados na atualidade, em geral, consistem em uma reprodução digitalizada da obra científica, artística ou cultural produzida pelo autor. O mero fato de existir a alternativa técnica de um manuseio mais sofisticado não o desnatura. Pelo contrário, essa tecnologia permite mais dinâmica e produtividade, facilitando a utilização pelos usuários, constituindo-se como elemento inerente à evolução da escrita.

183

TORRES, Ricardo Lobo. Imunidade tributária nos produtos de informática. In: MACHADO, Hugo de Brito (Coord.). Imunidade tributária do livro eletrônico. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 225.

184

Ibidem, p. 235.

185 Ricardo Lobo. Imunidade tributária nos produtos de informática. In: MACHADO, Hugo de Brito (Coord.).

Imunidade tributária do livro eletrônico. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 238.

186 PACHECO, Ângela Maria da Motta. Imunidades tributárias. São Paulo: Revista dos Tribunais, Pesquisas

114

Convém ressaltar que o livro digital, como logicamente se pode concluir, adstringe-se a acepção de livro, no que se refere ao seu teor e finalística, não devendo haver qualquer pretensão de alcançar a totalidade dos equipamentos de informática de possível uso no ato da leitura, sendo completamente viável a fiscalização pelo Estado nesse sentido.

Além disso, não se pode comparar a realidade atual como aquela à época da promulgação da Constituição atual. O arquivo digital contendo a obra autoral, comercializado e adquirido diretamente pela internet e que pode ser armazenado em distintos suportes, já superou há muito o texto armazenado em disquetes ou em discos compactos, bem como é incomparável a sua difusão, ainda ascendente, com a existente naquele período. A revolução tecnológica está hoje assentada em uma escala que dificilmente poderia supor o legislador constituinte, e, principalmente, relacionada de forma intrínseca com a manifestação de pensamento, o acesso à educação e a difusão da cultura.

Para Sacha Calmon Navarro Coêlho, a mencionada imunidade é do tipo objetiva e inclui todo livro, jornal e periódico, independente do teor ou de qualquer juízo de moralidade. Segundo o autor, o futuro do mundo é cibernético. Os livros digitais e as bibliotecas virtuais estarão disponíveis a todos, na maior parte dos lugares, restando o debate se o livro no formato digital, pelo conteúdo, está sob o resguardado pela imunidade187.

Ligue-se o computador a uma impressora e livros guttenbergianos existirão a mancheia, como queria CASTRO ALVES, para o povo ler e pensar. E isso sem necessidade de o usuário, ele próprio, comprar o CD, mesmo a preços baixíssimos. Quando, em meados do primeiro século do terceiro milênio, esta vegetação humana, que hoje floresce e fenece sobre a face da terra, for mudada, a imunidade do livro, dos jornais, dos periódicos e do papel destinado a imprimi-los será de apoucada valia. Navio a vela na era das navegações espaciais188.

Alude que os suportes fáticos de interesse para a tributação, como atualmente são estabelecidos, formalmente especificados, são insuficientes para tributar o livro digital, tratando-se de fenômeno novo, não submetido à análise do legislador189.

Segundo o autor, os livros digitais comporão completamente a realidade vindoura, e quando totalmente instaurada, será desnecessária a norma de imunidade tributária

187

COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria geral do tributo, da interpretação e da exoneração tributária. São Paulo: Dialética, 2003, p. 278-280.

188 Ibidem, p. 280.

189 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria geral do tributo, da interpretação e da exoneração tributária.

115

dos livros e de seus afins, pelos baixos preços de custo e por serem intributáveis, não exigindo a desoneração tributária190.

Apesar do barateamento na produção dos livros digitais em detrimento aos livros em papel, essa mera circunstância, segunda nossa acepção, é insuficiente para afastar a regra imunizante. De fato, o papel encare o produto final, mas não se pode olvidar que o procedimento de criação, a coleta de informações, a edição e a divulgação demandam gastos que tornam a publicação de valor relativamente alto, sobretudo em uma sociedade predominantemente pobre e de grande déficit educacional.

Não vislumbramos os livros digitais como intributáveis, pois o fato de se inserirem em um meio diverso em relação ao livro tradicional, isso não os distingue de modo a torná-lo um novo objeto, ainda não submetido à atividade legislativa. O livro é o mesmo desde os prelúdios da humanidade, sendo uma obra decorrente da criatividade humana destinada a divulgar ideias, pensamentos, conhecimentos, informações, cultura, ciência, o mesmo cabendo, de forma equiparada, aos jornais e periódicos.

Consoante Regina Celi Pedrotti Vespero, não foi ponderada em sua gênese a finalidade da imunidade tributária dos livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão, tendo sido prevista a norma imunizante para fins de ordem política e econômica. O papel usado na produção desses bens sempre foi em parte importado, em maior ou menor quantia, aumentando o seu custo, decorrendo disso o imperativo de obstar a tributação incidente191.

Para a autora, o legislador constituinte limitou a imunidade aos veículos de mídia escrita em papel ou congêneres, de modo a restar impossibilitada a extensão a plataformas diversas, inclusive no formato digital. Além disso, aduz que, com base no método histórico de interpretação, é possível depreender que ao repelir a proposta de ampliação do dispositivo constitucional, no intuito de alcançar outros veículos de comunicação e outros insumos, a Assembleia Constituinte preferiu não reconhecer a imunidade tributária dos livros digitais192.

190

COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria geral do tributo, da interpretação e da exoneração tributária. São Paulo: Dialética, 2003, p. 283.

191

VESPERO, Regina Celi Pedrotti. A imunidade tributária do artigo 150, VI, “d” da Constituição Federal e o denominado livro eletrônico. São Paulo: Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, n. 53, p. 210.

192

116

Avalia ainda Vespero que, não obstante o mesmo conteúdo, o livro em seu formato em papel é suporte imediato para transmissão de informações, enquanto o formato digital requer um aparelho decodificador para ser usado193.

Na nossa percepção, não merecem prosperar as fundamentações da autora. Inicialmente, por reduzir o livro a uma mercadoria ou produto, com base apenas em seu suporte físico e em uma análise econômica deste, não atentado para a sua essencial finalística, inclusive resguardada constitucionalmente. Ademais condiciona o livro a forma de acessá-lo, ignorando-o como um instrumento de transmissão de pensamento e informação.

Não desconsideramos a necessidade de além do elemento fundamental, o intuito de difusão de ideias, exigir-se que o seja por intermédio da escrita, contudo, agregando-se essas duas condições, não importa que o livro esteja em suporte físico (papel, plástico, papiro, pergaminho, argila) ou virtual, para fins de imunidade.