• Nenhum resultado encontrado

CONTEMPORÂNEAS SOBRE O RISCO NAS RELAÇÕES

INTERNACIONAIS

Luiza Rodrigues Mateo* É cada vez mais notória a descrição da conjuntura internacional em termos de riscos e grandes incertezas. Seja no discurso midiático, na narrativa política de grandes potências ou em relatórios de organismos internacionais, transparece uma ansiedade quanto aos cenários futuros nos variados campos da economia (crises financeiras), do meio ambiente (desastres irreparáveis), da saúde (pandemias) ou da segurança (ataques terroristas). A noção de risco, que desde meados do século XX tem sido utilizada por empresas de consultoria e seguradoras para gerir investimentos privados, passa a ser debatida nas ciências humanas de modo contundente na década de 1990. Nas ciências sociais, autores como Ulrich Beck, Anthony Giddens, Niklas Lhumann e Mary Douglas problematizaram transformações decorrentes da prevalência do risco como forma de racionalidade a alterar os padrões da modernidade. Na discussão sobre o risco como técnica de governo e controle, destacam-se as influências de Michel Foucault, François Ewald e Robert Castel. Na área da criminologia, cabe mencionar os trabalhos de Pat O’Malley e Richard Ericson.

* Luiza Rodrigues Mateo é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp, PUC-SP), pesquisadora do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais (IEEI-Unesp) e pesquisadora visitante na Georgetown University.

As reflexões do sociólogo alemão Ulrich Beck – que aparecem sobretudo em Risk Society: Towards a New Modernity (1992) e

World Risk Society (1998)  – tiveram particular impacto no deba-

te acadêmico e logo foram incorporadas na área das Relações Internacionais (RI). Levantamentos feitos por Karen Petersen (2011) revelam o aumento exponencial de artigos debatendo a noção do risco em revistas acadêmicas de RI na primeira década do século XXI1. Em setembro de 2011, o prestigiado periódico

International Relations lançou uma edição temática com o título Risk, Risk Management and International Relations, reunindo dife-

rentes abordagens teóricas para entender como a linguagem do ris- co e as técnicas de administração do risco transformam a dinâmica global contemporânea.

Eventos inesperados, como os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, aceleram o questionamento sobre as implica- ções do risco para a tomada de decisão, sobretudo no campo da segurança. Os analistas das RI passam a refletir, portanto, sobre o papel do risco na agenda política internacional, assim como nos mecanismos de governança para administrar os riscos a partir de instrumentos de vigilância e prevenção que incidem cotidianamen- te sobre indivíduos, comunidades e Estados em escala local e inter- nacional. Para apresentar o debate, o capítulo retoma conceitos centrais na obra de Ulrich Beck, especialmente sociedade de risco e modernidade reflexiva, já que o sociólogo alemão tem sido o prin- cipal interlocutor quando se trata de reflexões sobre o risco nas RI. Na sequência, analisa-se a construção da agenda contemporâ- nea a partir de riscos globais, explorando as principais diferenças entre a agenda de segurança do século XX (marcada por elementos clássicos como o equilíbrio de poder, conflito interestatal e deter- rência) e a agenda de “novos desafios” à segurança no século XXI. O cenário de riscos implica a necessidade de tomar decisões com base naquilo que não se sabe e que não se pode mensurar, inspiran-

1 Os artigos que fazem referências a obras sobre o risco cresceram de zero em 2004

para 539 em 2010. No mesmo período, os artigos na área de RI que trazem o risco como tópico cresceram de um para 145 (Petersen, 2011, p.694-695).

do uma lógica de antecipação ativa, sobretudo na área da segurança e nas atividades de combate ao terrorismo internacional, levantan- do importantes questionamentos que serão abordados nas demais seções deste capítulo.

O primeiro deles explora os elementos de reflexividade na segu- rança internacional, a partir do estudo de caso da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Com destaque para a contri- buição de Rasmussen, Coker e Griner, analisa-se a administração de riscos como principal objetivo dessa organização e os limites da administração do risco diante das incertezas, da presença do futuro e do efeito bumerangue. A dilatação dos riscos no tempo e espaço gera um sentido de ansiedade e a relativa perda de controle dos atores (sejam Estados ou organizações como a Otan) que não con- seguem extinguir ameaças, apenas administrar os riscos mais graves e tentar evitar catástrofes.

O segundo questionamento se refere à guerra como adminis- tração de riscos, as implicações estratégicas a partir da lógica pre- ventiva e a própria redefinição do campo da segurança. Autores como Heng, Rasmussen e Clapton demarcam as principais dife- renças entre o paradigma clássico de ameaças tradicionais (com base em intenções e capacidades) e o paradigma de riscos. A defi- nição da agenda de segurança para além dos conflitos interesta- tais – com destaque ao spillover de problemas domésticos e ame- aças de caráter transnacional – exige um engajamento constante dos atores que buscam administrar os riscos globais, seja a partir de intervenções militares como as do Afeganistão e Iraque, ou pela tentativa de moldar o ambiente internacional por meio da promoção de padrões liberais (sobretudo democracia, boa gover- nança e livre mercado).

O terceiro questionamento é relativo ao que Heng e McDonagh denominam a “outra guerra ao terror”  – iniciativas não-militares de administração do risco que ocuparam papel rele- vante ao limitar o espaço de atuação transnacional de grupos ter- roristas. Os autores atentam para formas de cooperação interes- tatal e supranacional, e entre os setores público e privado, para garantir a administração de riscos nos setores financeiro, da proli-

feração de armas de destruição em massa e na aviação civil. Aqui, destaca-se um otimismo inspirado em Beck, que defendeu o cará- ter cosmopolita da sociedade de riscos, ao exigir dos atores maior nível de diálogo e concertação para lidar com problemas comuns tais como o meio ambiente e terrorismo.

O capítulo se encerra com um debate que, influenciado por Foucault, entende o risco como um dispositivo de governo asso- ciado a uma racionalidade política de administração das incer- tezas. Autores como Aradau e van Munster divergem de Beck e de autores construtivistas nas RI que subscrevem sua abordagem, ao não aceitarem a natureza material do risco, que seria apenas uma construção artificial que conjuga técnicas de controle a uma racionalidade do risco. Os autores dão destaque às implicações do sistema precautório, que a partir da lógica alarmista de danos irreversíveis acaba legitimando um poderoso sistema de vigilância e a suspensão de princípios do direito (como, por exemplo, a pre- sunção da inocência).

Com essas discussões, pretende-se lançar luz sobre um debate recente nas Relações Internacionais e pouco presente em publica- ções no Brasil. Conjuntamente com a sistematização das principais contribuições de autores que trabalham o risco nas RI, o capítulo busca delinear o papel do risco na agenda e na análise de conjun- tura internacional a partir de documentos e discursos oficiais de atores de destaque.