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Múltiplas Arenas nas Relações Internacionais

Para o modelo de análise de conjuntura aqui apresentado, pro- põe-se um desdobramento do conceito dos dois tipos de jogos de Tsebelis (1998). Instituições certamente fazem parte da conjuntu- ra internacional, considerando que nas Relações Internacionais são estudadas, principalmente, as interações de Estados, o que pressu- põe governos com um grau mínimo de institucionalização, com capacidade de manter a ordem social1.

Ainda assim, dada a quantidade de variáveis, atores e ambientes que compõem a conjuntura internacional, é preciso considerar que podem existir arenas que se configurem fora de arenas com regras formais, mesmo que de forma parcial. Ao mesmo tempo, também há de se levar em conta que não são todos os atores que possuem caráter político. Como consequência, para utilizar a teoria das Múltiplas Arenas em um mapeamento de conjuntura, é proposto que ambientes não institucionalizados e atores não políticos sejam incluídos na análise. Na seção sobre a aplicação do modelo propos- to, esse desdobramento da teoria das múltiplas arenas será posto em prática, a fim de averiguar se arenas não institucionalizadas afe- tam arenas com regras formais e vice-versa.

1 Para a proposta metodológica aqui exposta, partimos da definição weberiana de

Estado, no qual um Estado é encabeçado por um governo que detém o uso legítimo da força sobre a sociedade que o compõe. Nesse sentido, a definição trabalhada de Estado, primariamente assume a existência de alguma forma de institucionalização no âmbito governamental de uma nação. Ver Weber, Max. Ensaios de Sociologia, Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1982.

Como complemento para a utilização da teoria das Múltiplas Arenas, é pertinente incluir a noção de Putnam (2010) de jogos de dois níveis, a fim de mapear um contexto que possui arenas e atores que terminam por afetar e serem afetados tanto pelo nível domésti- co, como pela esfera internacional. Nesse sentido, quando Putnam (2010) considera que fenômenos do âmbito internacional influen- ciam em fenômenos domésticos e vice-versa, é possível pensar em arenas que se distribuem em ambos os níveis e que, por possuírem atores que também detêm interesses nos dois níveis (governos de países, por exemplo), terminam por organizar sua hierarquia de interesses considerando prioridades que se manifestam tanto na esfera doméstica, como na esfera internacional.

Ao expandir a possibilidade de existirem arenas que estão inter- conectadas, transpondo o nível internacional e doméstico, obser- va-se que a complexidade da rede de jogos aumenta e mais atores e interesses passam a ser contemplados. A vantagem disso para o mapeamento da conjuntura internacional é a possibilidade de visu- alizar a maior quantidade possível de variáveis. Uma vez que o pes- quisador possui essa visão macroscópica do contexto de seu fenô- meno, a tarefa de recortar o objeto passa a ser mais simples porque é mais fácil ponderar quais partes do mapeamento feito são, de fato, importantes para o objeto que se pretende estudar.

Contudo, é fundamental que haja um cuidado em levar em conta as particularidades das arenas mapeadas, procurando com- preender quais os limites e relações delas com outras arenas e como suas dinâmicas diferentes afetam os interesses dos atores interes- sados. Uma vez que se assume que não todas as arenas possuem regras do mesmo tipo (formais ou não), o entendimento e capa- cidade dos atores para barganhar utilizando essas diferenças estru- turais de uma arena para a outra pode afetar como eles se com- portarão no processo de barganha e priorização de interesses. As diferenças no grau de institucionalização e na eficácia de cada arena em reforçar as regras podem ser vistas na comparação entre o veto a uma declaração de guerra feita por um Congresso de um país democrático, por exemplo, frente à capacidade da Organização das Nações Unidas (ONU) de fazer o mesmo. O governo Executivo

participa tanto de arenas no âmbito internacional da ONU, como em arenas do âmbito doméstico do Congresso, mas nesse caso, as regras formais do parlamento têm um peso estrutural de constran- gimento mais forte do que as Nações Unidas.

No exemplo acima, é possível não só observar as diferenças que as regras de cada tipo de arena exercem nas escolhas e possibilida- des dos atores, mas também como arenas em níveis diferentes se afetam. Assim, outro aspecto importante para o mapeamento da conjuntura internacional, a partir das múltiplas arenas, é o da rela- ção entre os níveis de análise. Defende-se, pois, que a análise da conjuntura internacional não necessariamente tem que ser aplicada exclusivamente àquilo que pode ser entendido como nível inter- nacional, descrito por Putnam (2010) na dinâmica dos jogos de dois níveis. Na verdade, como já foi visto, a lógica das Múltiplas Arenas e dos próprios jogos de dois níveis é a de que existe sempre uma relação de influência mútua entre o nível doméstico e interna- cional. Dessa forma, o modelo proposto serve para mapear a con- juntura em um ou mais níveis, que não necessariamente têm de ser o internacional. Entretanto, a premissa de que a conjuntura é composta por um todo altamente complexo, com diversas arenas e interesses que perpassam os níveis doméstico e internacional, indi- ca que ao analisar um fenômeno que tenha implicações interna- cionais, independentemente do nível de análise observado, pode-se esperar resultados que reverberem em outros níveis.

Passa a ser importante, então, compreender que o mapeamen- to das múltiplas arenas também deve ser feito observando o nível de análise em que as conexões entre as arenas se dão. Assim, para estudar conjuntura internacional é preciso entender se o nível de análise da relação entre as arenas pode acontecer em nível inter- nacional, regional ou doméstico. O internacional é o nível mais macroscópico e, como já foi visto, é mutuamente influenciado pelo nível doméstico. O nível regional é um recorte do nível internacio- nal e serve para observar fenômenos “internacionais” que ocorrem de forma concentrada em regiões específicas; assim o nível regional serve para entender melhor clusters mais específicos de arenas que perpassam o internacional e o doméstico. E o nível doméstico, por

sua vez, é o que compõe os demais, em que existem arenas teorica- mente “distantes” do nível internacional e regional, mas que afetam e são afetadas por ele.

Em suma, o nível de análise é particularmente importante para definir o recorte do objeto que se quer estudar. Como consequ- ência, ao mapear a conjuntura, a visualização de como as arenas importantes para o fenômeno observado se organizam nas esferas domésticas e internacionais, facilitam a percepção dos níveis de análise que devem ser levados em consideração para recortar e ana- lisar o objeto de interesse.