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3 BASE LEGAL DO MODELO DE PREVALÊNCIA DO INTERESSE

4.3 Contexto internacional e novos caminhos

A observação da matéria no plano internacional, segundo lições do consagrado autor Leonardo José Carneiro da Cunha, em sua importante e já citada obra A Fazenda Pública em Juízo60, apresenta-se no sentido de que diversos ordenamentos europeus tidos como de “primeiro mundo”, com tradição secular de observância aos princípios republicanos, do devido processo legal e da isonomia, chegam até mesmo a subtrair da esfera jurisdicional típica matérias que, em regra, têm a Fazenda Pública como parte, entregando-as a estruturas de caráter estritamente administrativo.

Como exemplo destaca:

(i) a França, onde existe o “contencioso administrativo” ligado à Administração Pública, cujo órgão de cúpula é o Conseil d’État, e não a Cour de Cassation;

(ii) a Itália cujo ordenamento contempla a separação da Justiça ordinária e a chamada “Justiça administrativa”;

(iii)a Espanha, onde existe estrutura especial para cuidar da jurisdição, quando a Fazenda Pública figura como parte;

(iv) Portugal, tem jurisdição constitucional administrativa, cuja base é o modelo posto na Constituição portuguesa, criado inicialmente para apreciar meios de reação dos particulares contra atos supostamente ilegais da Administração Pública.61 Posteriormente, mais precisamente no início de 2002 passou à condição de verdadeira justiça administrativa, à qual foram “concedidos novos poderes que lhe permitem não só apreciar a legalidade dos actos como de condenar a Administração à prática de actos, estabelecer prazos para o efeito e até substituir à Administração, adotando providências de execução das suas decisões’; e

(v) já a Alemanha conta com três sistemas jurisdicionais diferentes do comum, para conhecimento e julgamento de causas com a presença da Fazenda Pública a) a

Verwaltungsgerichtsbarkeit (jurisdição administrativa), b) a Finanzgerichsbarkeit

60 BRASIL. Código de Processo Civil, op. cit. pp. 34-36. 61 Idem, Ibidem, p. 36.

(jurisdição financeira) e c) a Sozialgerichtsbarkeit (jurisdição social), regidas por legislação própria.62

Embora com diferenças estruturais praticamente incomparáveis, considerando o caráter indutivo do sistema Common Law e o traço fundamental dedutivo do sistema romano- germânico ou Civil Law, oportuno referir, ainda que ligeiramente, o tratamento pontual dado pelo sistema jurídico americano à Fazenda Pública, a partir, v.g., das considerações apresentadas no artigo Justiça e Direito Americanos e o Brasil por Luiz Guilherme Marques, Juiz de Direito da 2ª Vara Cível de Juiz de Fora-MG63, o qual considera que:

No começo, o poder central era relativamente fraco diante das unidades federadas. Todavia, com a necessidade do fortalecimento do país para enfrentar as adversidades do relacionamento internacional (atualmente, a ampliação da União Européia, o crescimento econômico da China e a ameaça representada por alguns países árabes etc.) foi ocorrendo o alargamento cada vez maior do poder central em detrimento da autonomia das unidades federadas.

Atualmente existe uma supremacia federal cada vez maior, sendo um dos exemplos a força do Direito federal e da Justiça Federal (versando sobre os casos e assuntos de interesse supra-regionais).

O Direito Administrativo representa a criação de um imenso organismo desenhado e construído com requintes de planejamento, visando a funcionalidade. Comparemos com uma máquina complexa em que cada detalhe tem de ser pensado para não falhar em hipótese.

O que mais chama a atenção nesse ponto é a existência dos Tribunais Administrativos (misto de Executivo e Judiciário) e a força que as agências vão adquirindo, sendo consideradas o 4º Poder [...]

Assim colocado, vê-se que malgrado as diferenças ontológicas precedentemente pontuadas, infere-se que em relação às questões relacionadas com a Fazenda Pública, o

62 De acordo com o BRASIL. Código de Processo Civil, op. cit, p.37: Como se vê, não se pode negar que, no

mundo todo, a Fazenda Pública é bem diferente dos particulares, razão por que recebe tratamento diferente. Por isso mesmo, a doutrina já nega a existência de igualdade entre a Fazenda Pública e os particulares. Ora, sabe-se que o princípio da isonomia traduz a ideia aristotélica (ou, antes, “pitagórica” como prefere Giorgio Del Vecchio) de “igualdade proporcional”, própria da “justiça distributiva”, segundo a qual se deve tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual. Sendo a Fazenda Pública desigual frente ao particular, somente estará atendido o princípio da igualdade se lhe for conferido tratamento desigual. Considerando que o princípio da isonomia decorre dessa ideia de tratar igualmente os iguais, tratando-se os desiguais de maneira desigual, existem várias regras, no Código de Processo Civil, que contemplam tratamento desigual, e nem por isso se está a afrontar o princípio da isonomia. Muito pelo contrário. Nesses casos, atende-se ao princípio da isonomia. Tudo isso, aliado ao fato de a Fazenda Pública ser promotora do interesse público, justifica a manutenção de prerrogativas processuais, e não privilégios, instituídos em favor das pessoas jurídicas de direito público (Idem, ibidem, p.37) Justiça e Direito Americanos

63 MARQUES, Luiz Guilherme. e o Brasil. Portal Jurídico Investidura, Florianópolis/SC, 23 Set. 2009.

Disponível em: <http:/www.investidura.com.br/biblioteca-juridica/artigos/direito-internacional/6665.> Acesso em: 20 out. 2010

modelo judicial americano ao contemplar Tribunais Administrativos (misto de Executivo e Judiciário) como o afirmado no trecho do artigo antes transcrito, guarda semelhança, mudando-se o que tem de ser mudado, com as estruturas dos países europeus antecedentemente destacados – salvo no tocante à jurisdição única do Direito Inglês – e, somente neste ponto, apresenta-se semelhante ao nosso ordenamento jurídico-constitucional; na medida em que se convive no Brasil – por escolha político-constitucional – também com o princípio da unicidade de jurisdição (art. 5º, inciso XXXV, da Constituição da República).

Por seu turno, repise-se, o Direito europeu questiona o perfil objetivo do chamado contencioso administrativo, o que vem se expressando na jurisprudência das Cortes comunitárias, as quais vêm atribuindo primazia às pretensões dos particulares e reforçando a incisividade da tutela judicial sobre o tema, quando o ato administrativo nacional conflita com o Direito da União Européia.64

Assim sendo, também a partir desse panorama, vê-se uma tendência relacionada com a antiga visão da prevalência, sempre, da vontade e dos interesses da Administração Público, independentemente da ponderação dos interesses privados em disputa. Portanto, não se infere base fática, jurídica ou quadro comparativo dos quais se possa justificar a adoção do tratamento processual fazendário na dimensão praticada e defendida no Brasil pelo setor da advocacia publica.