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3 BASE LEGAL DO MODELO DE PREVALÊNCIA DO INTERESSE

3.4 Proposições legislativas orgânicas

De início, na perspectiva do tema específico deste trabalho, registre-se que o anteprojeto de Novo Código de Processo Civil43 prevê que a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público, a Defensoria Pública ou organizações que lhe façam as vezes, bem como o Ministério Público gozarão de prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais, cuja contagem terá início a partir da vista pessoal dos autos, mediante carga ou remessa.

Pois bem. Como já mencionado na parte introdutória, apenas para ficar numa prerrogativa básica, tem-se no art. 188 do Código de Processo Civil: “– Computar-se-á em quádruplo o prazo para contestar e em dobro para recorrer quando a parte for a Fazenda Pública ou o Ministério Público.”

A regra constante do agora projeto de lei nº 166/2010 do Senado Federal, já aprovado e em tramitação na Câmara dos Deputados, estabelece nos artigos 93, 95 e 149, prazo em dobro para todas as manifestações processuais, da Defensoria Pública e de quem suas vezes fizer, da Advocacia Pública (esta na defesa e promoção dos interesses da Fazenda Pública) e

42 BRASIL. Código de Processo Civil, op. cit., pp. 34-35 informa: Em razão da própria atividade de tutelar o

interesse público, a Fazenda Pública ostenta condição diferenciada das demais pessoas físicas ou jurídicas de direito privado. Além do mais, “quando a Fazenda Pública está em juízo, ela está defendendo o erário. Na realidade, aquele conjunto de receitas públicas que pode fazer face às despesas não é de responsabilidade, na sua formação, do governante do momento. É toda a sociedade que contribui para isso. [...] Ora, no momento em que a Fazenda Pública é condenada, sofre um revés, contesta uma ação ou recorre de uma decisão, o que se estará protegendo, em última análise, é o erário. É exatamente essa massa de recurso que foi arrecadada e que evidentemente supera, aí sim, o interesse particular. Na realidade, autoridade pública é mera administradora.” Isso já seria o suficiente para demonstrar que a Fazenda Pública apresenta-se em situação bastante diferenciada dos particulares, merecendo, portanto, um tratamento diverso daquele que lhes é conferido. Exatamente por atuar no processo em virtude da existência de interesse público, consulta ao próprio interesse público viabilizar o exercício dessa atividade no processo da melhor e mais ampla maneira possível, evitando-se condenações injustificáveis ou prejuízos incalculáveis para o Erário e, de resto, para toda a coletividade que seria beneficiada com serviços públicos custeados com tais recursos. Para que a Fazenda Pública possa, contudo, atuar da melhor e mais ampla maneira possível, é preciso que se lhe confiram condições necessárias e suficientes a tanto. Dentre as condições oferecidas, avultam as prerrogativas processuais, identificadas, por alguns, como privilégios. Não se trata, a bem da verdade, de privilégios. Estes – os privilégios – consistem em vantagens sem fundamento, criando-se uma discriminação, com situações de desvantagens. As “vantagens” processuais conferidas à Fazenda

Pública revestem o matiz de prerrogativas, eis que contêm fundamento razoável, atendendo, efetivamente, ao princípio da igualdade, no sentido aristotélico de tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual.

quem suas vezes fizer, e do Ministério Público, respectivamente, cuja contagem terá início a partir da vista/intimação pessoal dos autos, mediante carga ou remessa.

Não obstante a simetria colimada quanto à atuação da Defensoria Pública, considerada a natureza e a essencialidade de sua atuação na orientação e na defesa dos necessitados (art. 134 da Constituição da República), o projeto de lei em foco termina por:

a) de um lado somente reduzir em 30 (trinta) dias o prazo para contestar da Fazenda Pública ou do Ministério Público previsto no atual art. 188 do Código de Processo Civil;

b) em contrapartida, ampliar ou mais especificamente, dobrar todos os demais prazos próprios “fazendários”.

Conforme destacado anteriormente, ampliaram-se as prerrogativas, e assim acentuam- se ainda mais as desigualdades tratadas neste trabalho, na medida em que trocou a redução do prazo em quádruplo para contestar, pelo aumento em 100% (cem por cento) de todos os demais prazos processuais em favor desses órgãos públicos e assemelhados, os quais antes contavam com o favorecimento do art. 188 do Código de Processo Civil, primeira hipótese, restrito à resposta; e pelo projeto nº 166/2010 aprovado pelo Senado Federal, doravante, a segunda hipótese do dispositivo hoje vigente do CPC, estende à totalidade das manifestações processuais.

Enquanto isso, o particular demandante ou demandado conta apenas com os prazos simples dispostos no Código de Processo Civil e contados a partir – no caso de intimações, em regra – da publicação dos atos jurisdicionais ou pelo correio etc., conforme vê-se no art. 234, 235, 236, 237, 238, 239, 240 e 241, todos também do Código de Processo Civil.

Com efeito, cuida-se de uma estratégia político-jurídica, cuja vantagem processual coloca-se nitidamente numa dimensão unilateral e agravante da desigualdade que se pretende questionar neste estudo; na medida em que, até intuitivamente, percebe-se que a soma – dobrada – dos demais prazos processuais, os quais frise-se, são verdadeiramente os mais utilizados no curso dos processos, supera, em muito, os efeitos práticos 30 (trinta) dias excessivos reduzidos dos 60 (sessenta) dias hoje assegurado especificamente para a contestação da Fazenda Pública.

A título exemplificativo, levando-se em conta apenas os principais prazos inerentes a uma ação cível pelo procedimento comum ordinário (Livro I, Título VIII do Código de Processo Civil) vê-se que sua tramitação normal, vale dizer, o processo do ponto de vista

programático – consideradas as fases ali indicadas, isto é, sem outras variações anômalas ou não – acha-se concebido para durar, tendo a Fazenda Pública no polo passivo:

a) 60 (sessenta) dias para a contestação (art. 188, do CPC) + o tempo técnico e eventual tempo de espera ou tempo morto44, em regra, de responsabilidade da Secretaria do Juízo;

b) 10 (dez) dias para manifestação (arts. 326 e 327, do CPC) do autor;

c) no mínimo10 (dez) dias (art. 323 e 328, do CPC), considerando que para as providências preliminares concede-se, em regra, 10 (cinco) dias para cada uma das partes;

d) especificação de prova, em regra, 10 (dez) dias; e

e) agravo retido interposto pelo autor, 10 (dez) dias (art. 523, § 2º, do CPC).

Na hipótese aventada, esse processo seria o mais célere e abreviado possível!. Vale dizer: sem reconvenção (art. 315, do CPC); sem nomeação à autoria (art. 64, do CPC); sem denunciação à lide (art. 71, do CPC); sem chamamento ao processo (art. 78, do CPC); sem impugnação ao valor da causa (art. 261, do CPC); sem declaratória incidental (art. 325, do CPC); sem especificação e admissão de outras provas; e, portanto, sem audiência.

No modelo do atual Código de Processo Civil, a Fazenda Pública tem assegurados os prazos de: 60 + 5 + 10 + 10 = 85 (oitenta e cinco) dias.

No projeto do Novo Código de Processo Civil (Projeto de Lei nº 8.046/2010 na Câmara dos Deputados) terá: 30 + 10 + 20 + 20 = 80 (oitenta) dias.

Portanto, na hipótese aventada teria 5 (cinco) dias a menos.

Acontece que, na prática, esses cinco dias desaparecem como num átimo, basta, p. ex., uma situação singela e muito comum, de juntada de algum documento pelo autor e aí, esses 5 (cinco) dias se transformarão em 10 (dez) dias. Destarte, desaparecerão por força do art. 398, do CPC e de sua regra equivalente no Novo CPC, porquanto corolário da garantia do devido processo legal (contraditório e ampla defesa)45.

44 Pertinência argumentativa com a página 21.

45 BRASIL. Código de Processo Civil, op. cit., Art. 398 – Sempre que uma das partes requerer a juntada de

Assim sendo, mesmo que levando-se em conta uma hipótese absolutamente livre de nuances muito comuns na marcha processual amiúde, em realidade, o Projeto de Lei original 166/2010 do Senado Federal, já na no ponto, criou uma situação pior do que se poderia chamar de “mais do mesmo”. Na medida em que ao deslocar a prerrogativa decorrente da redução pela metade do prazo para contestar, aumentou em 100% (cem por cento) ou equiparou ao prazo para recorrer, todos os demais prazos.

Ora, isso levará na realidade forense a se extrapolar em muito o prazo final utilizado pela Fazenda Pública, eis que as hipóteses aventadas precedentemente são uma espécie de sonho, mesmo que considerados o processo eletrônico e as demais mudanças em marcha no Poder Judiciário no âmbito da gestão; na medida em que, além do que já foi mencionado linhas acima, a atuação fazendária lato sensu em juízo, acha-se necessariamente imbricada com as prerrogativas funcionais da Advocacia de Estado.

Não se deve esquecer – independentemente de seu status científico de primeira grandeza – que nosso atual Código de Processo Civil (Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973) é de inspiração autoritária, e assim, de modo algum se discutiu ou muito menos ponderou adequadamente os interesses pontuais do particular em litígio com o Estado. Enquanto que as mudanças pontuais observadas ao longo de sua vigência não se preocuparam em equacionar ou pelo menos minimizar a primazia desmesurada estatal ora realçada.

Nessas condições, estar-se pontualmente, na contramão do espírito das mudanças presentes e futuras destinadas à melhoria efetiva e transformadora do processo civil em processo cidadão, consoante a diretiva maior que se observa, por exemplo, no Projeto de Novo Código de Processo Civil (PL nº 8.046/2010 da Câmara dos Deputados) o que se expressa pela nítida busca de sua adequação aos princípios constitucionais, e em particular, ao princípio da igualdade.