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3 BASE LEGAL DO MODELO DE PREVALÊNCIA DO INTERESSE

5.2 Dimensão sociológica

De início tem-se em conta que todo o objeto deste estudo tem sua teleologia na melhoria do Direito Processual Civil, um dos importantes instrumentos de transformação social, na medida em que é o conduto para o acesso que se quer melhorado à justiça.

Parte-se então da compreensão de que processo é método, e como tal, há de ter compromisso com a facilitação da vida do jurisdicionado. Por sua vez, o fenômeno jurídico somente acontece a partir de certas condições históricas e sociais.106

Eis a importância e a necessidade de uma abordagem à luz da Sociologia, inegavelmente área do conhecimento que tem no Direito e no Poder Judiciário um importante espaço de investigação científica, particularmente em razão do papel relevante da Justiça em contextos decisórios: social, político e econômico, como exemplo, tem-se, dentre outras, a obra do Professor José Eduardo Faria107.

Esses aspectos acham-se imbricados com a fenomenologia decorrente, p. ex.: da internacionalização do Direito, da globalização, da formação de blocos regionais econômicos, estratégicos e políticos; com o desenvolvimento científico e tecnológico hoje aplicáveis a todos os ramos do conhecimento, além da transnacionalização e seus efeitos, e claro, com as conaturais conquistas de direitos e garantias individuais e coletivas frente aos Estados nacionais.

Assim, na linha proposta neste trabalho busca-se também, ainda que ligeiramente, fazer uma incursão nesse âmbito, de modo a – não obstante a grande produção contemporânea no plano da Sociologia – submeter a matéria a reflexões, na perspectiva contrastar o tema e investigar e demonstrar análise também à luz desse importante e pertinente ramo do conhecimento, de início considerando:

a) que sob o ângulo do estudo do sociologismo constitucional – apreendido a partir de proposições de Miguel Reale e Luis Roberto Barroso – o direito deve se ajustar à experiência real, dinâmica e multifatorial operada no meio social; e

b) que o contexto social não se harmoniza com o tratamento ossificado dado pela Fazenda Pública à matéria em foco, vez que assentado em premissas e contexto social

106 REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 15 ed. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 434.

107 FARIA, José Eduardo. O Direito na Economia Globalizada. 1ª ed., 4ª tiragem, São Paulo : Malheiros, 2004,

que indicam a necessidade de correção de rumos e de alterações no modelo político- jurídico vigente.

Assim, o objeto é o Poder Judiciário, estudado a partir da análise de como opera e gera consequências quando se trata de o particular, pessoa jurídica ou física litigando com a Fazenda Pública. Portanto, consideradas posições conservadoras que orientam a legislação existente e vindoura sobre o tema, afigura-se importante uma incursão – embora rápida – nas questões sociológicas que interessam e dizem de perto com o estudo e com o objeto deste trabalho.

Nessa perspectiva, sabe-se que o fenômeno jurídico somente se desenvolve segundo certa condicionalidade histórico-político-social e, nesse rumo, merece menção aspectos tratados em primorosas lições do mestre Miguel Reale108, particularmente sob a ótica da

sociologia jurídica, onde o Direito é estudado precipuamente como fato social (expressão

equivalente a realismo jurídico e a empirismo jurídico), visto como parte componível da contextura social e na qual encontra conexões com as diversas causas determinantes dos fatos que governam a convivência em sociedade.

Adverte o autor, desde logo, que o sociologismo jurídico constitui exacerbação ou exagero da Sociologia Jurídica, porquanto esta, quando se mantém em seus limites, não se propõe a explicar toda a fenomenologia segundo seus métodos e leis, chegando até mesmo a não reconhecer autonomia à Jurisprudência, porquanto apresenta esta como a arte de decidir baseando-se no que os estudiosos encontram na realidade coletiva.

Segundo Reale109 a explicação monista ou unilinear do mundo jurídico não é aceitável. Nessa linha considera que há doutrinas que exageram ao atribuir a certos fatores sociais a exclusividade ou a primazia do fenômeno político e jurídico. Isso, para o autor, reduz ou mutila a natureza da sociedade e do Estado. Frise-se, na linha do tema proposto, pretende-se aqui sublinhar que a leitura e a interpretação do direito pelos criadores e defensores do modelo pró-fazendário em estudo, na medida em que desprezam a ponderação dos interesses (público vs. privado) em jogo, contrasta com o pensamento do autor em destaque, o qual assume clara tendência conciliatória expressa, por exemplo, na posição consistente em que a

108 REALE, Miguel, op. cit, pp. 434-454. 109 Idem, Ibidem, p. 435.

liberdade de interpretar deve ser pautada não diante da lei e dos fatos, mas dentro da lei; em razão dos fatos e dos fins a serem alcançados por dada espécie normativa.110

Mutatis mutandis, a compreensão fazendária, consoante o quadro fático, jurídico,

constitucional, político e econômico evidenciado ao longo do texto, não indica ser a melhor sobre a garantia constitucional da igualdade e seus corolários, na seara processual civil quando em juízo ante o particular.

A análise de Miguel Reale sobre a obra de Léon Duguit mostra que o autor gaulês viu no Direito uma força social e nesse passo, concebeu que o princípio da sociabilidade do Direito há de ser levado em conta tanto pelo legislador, quanto pelo intérprete da lei de modo a gerar consequências no campo dogmático e a superar o perfil individualista então reinante. Para Léon Dugui, o fundamento das normas jurídicas é o sentimento de solidariedade social. Sob essa ótica a coação da norma jurídica não decorre do poder do Estado, mas da própria sociedade, do fenômeno coletivo. Na medida em que reconhece na coação apenas um consectário do Direito e no Estado o instrumento dos ideais jurídicos.

Considera que a juridicidade da norma emerge antes da autuação do legislador, em virtude da força ínsita às coisas, a qual brota da compreensão de ser necessária à solidariedade social e assim, sua adoção e chancela pelo legislador afigura-se justa, à conta de sua afirmação histórica e social. Nessa linha, leciona que o Direito não nasce no Estado, mas da idéia e da eficácia social, cujo componente fundamental é a expressão natural do povo (sociabilidade do Direito).

Nessa ordem de idéias vê-se, no magistério de Miguel Reale que a obrigatoriedade do Direito defendida por Léon Duguit em certa medida corresponde à teoria do reconhecimento de Bierling, para quem as regras jurídicas contam com a aceitação expressa ou tácita dos governados, como se derivassem do próprio povo.Com estas lições ora realçadas, quer-se demonstrar que além dos aspectos realçados de per se, relacionados com a compreensão e o tratamento legislativo dispensados à questão central deste estudo, também do pondo de vista sociológico não se identifica enquadramento.

Eis que não há indicativo algum de que as aspirações e as necessidades reais da sociedade no âmbito da “justiciabilidade”111 e da “decidibilidade”112 acham-se acatadas pelo modelo pontual em destaque.

110 Idem Ibidem, p. 439. Nesse sentido: DUGUIT, Léon, (1859-1928), cuja obra filia-se à corrente do naturalismo

De início, é de se indagar: mas onde está a conexão lógico-teórica desta abordagem sociológica com o objeto do estudo proposto?

Resposta: reside na necessidade de se oferecer um substrato também nesse âmbito, a partir da demonstração da adequação do estudo à realidade cambiante, segundo o crivo – ainda que exposta de forma superficial – do método sociológico.

Isso porque, à medida que refletir-se sobre as posições adotadas a partir do papel do fato social, leva-se a perceber que o Direito em seu contexto social. Tal concepção dialoga com as lições de Luis Roberto Barroso, cuja obra “A Juridicialização do Fato Político”113, leva em conta os fundamentos do sociologismo constitucional lançados por Ferdinand Lassale em 1863 e a partir daí à consolidação da concepção sociológica da própria Constituição, contraposta à idéia estritamente jurídica da Constituição, levada ao grau mais agudo mercê do normativismo metodológico de Hans Kelsen.

Extraímos dessas valiosas lições a presença de interface entre componentes social e jurídico imbricados para a conformação da Constituição política. Mas cabe aqui realçar a advertência do autor em destaque:

Seria enganoso supor, todavia, que esta conclusão conduza a um porto seguro, ou, ao menos, que a partir daí se naveguem em águas tranqüilas. Justamente ao contrário, desse ponto em diante percorre-se rota incerta, doutrinariamente nebulosa e ideologicamente conflagrada.114

Portanto, na linha proposta neste trabalho, constata-se: a) que também sob o ângulo do estudo do sociologismo constitucional, a posição doutrinária defendida por Miguel Reale e

111 QUEIROZ, Cristina; SILVA, Virgílio Afonso da (Org.). Direitos Fundamentais Sociais: Questões

Interpretativas e Limites de Justiciabilidade. Interpretação Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 194. Informam que: Por “justiciabilidade” entende-se a possibilidade de reclamar perante um juiz ou tribunal o cumprimento das obrigações que derivam do direito. Sobre o conceito de “justiciabilidade”, ligado que se encontra à noção clássica de “direito subjetivo”, por todos, diz Hans Kelsen que: “[...] o direito em sentido subjetivo só existe em caso de falta de cumprimento da obrigação. A sanção que o órgão de aplicação jurídica – especialmente um tribunal – terá de ditar decorre de um mandato do sujeito cujos interesses resultam violados pela falta de cumprimento da obrigação. A disposição da norma individual pela qual se ordena a sanção dependente da ação – reclamação ou queixa – do sujeito a quem assiste o poder de reclamar o cumprimento da ação omissa. Neste sentido, ser titular de um direito subjetivo significa deter um poder jurídico reconhecido pelo direito objetivo, isto é, deter o poder de participar na criação de uma norma jurídica individual por intermédio de uma ação específica – reclamação ou queixa”.

112 Aqui numa acepção processual de: pronunciamento judicial eficiente, eficaz, oportuno, efetivo e socialmente

justificado.

113 BARROSO, Luis Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas. 2ed. Rio de Janeiro:

Renovar, 1993, pp. 59-67.

resumida acima, ajusta-se, mutatis mutandis, também ao pensamento do professor Luis Roberto Barroso, basicamente, ante a experiência real, dinâmica e multifatorial operada no meio social; e b) que a fenômeno social – considerado o quadro descritivo ensejador deste estudo – também pelo ângulo sociológico, não se harmoniza com o tratamento dado pela Fazenda Pública à matéria, vez que assentado em premissas e contexto social que indicam a necessidade de correção de rumos e de alterações no modelo político-jurídico vigente.