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O Contexto Social, Político e Econômico

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2 CONTEXTUALIZANDO O EVANGELHO

2.2 CONTEXTO DA PALESTINA NO PRIMEIRO SÉCULO

2.2.1 O Contexto Social, Político e Econômico

O primeiro aspecto a considerar quando se trata do contexto da região mediterrânea no primeiro século é a influência da dominação romana e sua Pax

Romana imposta. Ela se fazia presente em todos os âmbitos. Além das mudanças

políticas, ela trouxe alterações nas formas como os camponeses lidavam com a terra, com a intensa latifundialização, nas relações sociais, com a introdução do escravagismo e clientelismo, e econômicas, com a ênfase no comércio e grande carga tributária.

Michaud (2002, p.25-28) traz um panorama sobre a posição da academia a respeito da situação da Galileia no primeiro século. Segundo ele, são três correntes. A primeira seria a dos que, seguindo Richard Horsley, optam por uma situação de crise social, com camponeses oprimidos, endividados e que perdem suas terras. A segunda corrente é a que entende o período como de relativa paz, seguindo Sean Freyne e E. P. Sanders. Esta corrente sublinha que houve poucos episódios de conflito e que, em especial, durante a época de Jesus, tanto Judeia como Galileia estavam isentas de grandes tensões. A terceira corrente é defendida por Gerd Theissen. Havia uma situação de crise social onde o sistema social do judaísmo estaria ameaçado desde a conquista de Pompeu em 63 a.C. e isso gerava guerras entre períodos relativamente estáveis.

Crossan (2004, p. 221-223) relembra que o território estava sob domínio estrangeiro desde o séc. VI a. C. e que, durante todo o império persa e grego, cerca de quatrocentos anos, só houve uma grande revolta no final do período. Já nos duzentos primeiros anos de domínio romano foram três grandes revoltas: uma em 66-74 (sob Nero e Vespasiano), uma em 115-117 (sob Trajano) e uma em 132-135 (sob Adriano), a primeira e a última ocorridas em terra judaica. Isso mostra que, de fato, o período romano não foi pacífico e que havia um grande descontentamento.

Além disso, os longos períodos sem guerra durante o domínio romano não significam que não havia crise aguda, mas que esta podia estar sob controle, com os grupos desarticulados, pela presença de agentes externos. A presença política e militar20 romana é determinante para o mundo palestino do primeiro século e isso se

reflete na forma em que os diversos cristianismos se organizam (MÍGUEZ, 1995, p. 23-24). Ela é refletida no texto de Marcos no exorcismo da legião que passa a possuir uma manada de porcos (Mc 5, 1-17) e na presença da coorte e do centurião nas cenas do martírio e da crucificação.

Os romanos confirmaram seu domínio na região em 63 a.C., colocando fim à autonomia judaica dos asmoneus e sujeitando o governo e a dinâmica econômica e

20 Para Miguéz (1991), seriam cerca de 3000 a 4000 soldados em formações permanentes, além de

acampamentos menores espalhados pela região. Esses soldados faziam incursões frequentes e agressivas para exterminar bandidos, mas que eram, na verdade, uma forma de genocídio das populações locais. “Era a natureza da Pax Romana, que outorgava “paz e segurança” aos proprietários e comerciantes, mas condenava à fome e sujeição os humildes” (MIGUÉZ, 1991, p.18) “As práticas repressivas que estes textos transluzem, estavam combinadas com práticas persuasivas (suborno, dádivas, sinecuras) destinadas principalmente a ganhar o favor das classes dirigentes e abastadas das nações conquistadas. Nesse sentido, que devem se entender algumas menções a militares bondosos“ (MIGUÉZ, 1991, p.19).

social. Exerceram o governo tanto de forma direta, por meio de procuradores, e indireta, como no caso de Herodes e seus sucessores. O grande tutor era o imperador, que garantia força política pela presença das legiões por ele nomeadas. Nele, afirmavam-se os principais cargos políticos. O modelo adotado para administração dos territórios era o das províncias, que são de três tipos: imperiais, senatoriais e especiais, todas acompanhadas militarmente para o cumprimento de seus compromissos com o Império, além das cidades gregas cujo estatuto era particular. A unidade básica do império era a cidade (civitas), esta não era limitada ao território urbano, mas incluía a área campesina de que dependia pela extração de insumos, alimentos e água. Ali, viviam diversas etnias que constituíam o Império. Com esta organização garantia-se a implantação dos modelos administrativos romanos e a acumulação de riquezas provenientes das províncias através da cobrança de impostos (GODOY, 2004, s.p.).

A dominação romana era entendida pela população palestina como totalmente ilegítima, visto que a construção histórica campesina era de autonomia e igualdade, onde os pobres também tinham direito aos frutos da terra. Sua tradição continha instrumentos legais de perdão de dívidas, reversão de perdas de propriedades, libertação de escravos e garantias de sobrevivência aos pobres. Os camponeses consideravam a terra como sagrada e inalienável. Com a alienação da propriedade rural ocasionada pelo regime romano e a sua manutenção, essa forma de vida foi ameaçada e, em decorrência, houve uma escalada da tensão regional. A presença romana deu profundidade a um processo já iniciado com a helenização, aumentando a latifundialização ao conceder terras aos militares e às dinastias nativas. Com isso, a colonização do território alterou as formas de propriedade, de exploração da terra. Esta passou a ser cultivada por diaristas e escravos ao invés de seus pequenos proprietários. Isso acelerou o processo de urbanização, visto que os camponeses espoliados não tinham muita opção a não ser migrar para a cidade, desenvolver produção artesanal ou explorar atividades como a pesca. Além disso, os romanos colocaram no auge o modo de produção escravista. Usavam escravos oriundos das conquistas territoriais e do endividamento. A acumulação de riqueza, em sua maioria, estava baseada nessa exploração do trabalho escravo e na cobrança de impostos sobre os trabalhadores livres e pequenos proprietários. Esse tipo de economia afeta não apenas a relação entre o escravo e seu patrão, mas molda a inserção, articulação e o uso das outras formas de produção e relações

sociais. A população judaica historicamente tinha escravos, mas essa condição era sempre passageira. A invasão e dominação romanas eram, portanto, uma violência de muitas vertentes, trazia exploração econômica e a violência simbólica sobre os costumes campesinos. Esse processo tem ápice após a Guerra de 66-74 com a tomada da maioria das terras (HORSLEY e HANSON, 1995, p. 62; MÍGUEZ, 1995, p. 24-29; MÍGUEZ, 1990, s.p.; CROSSAN, 2004, p. 230-240; MALINA, 2004, p. 39- 42).

O processo de concentração de terras e a alta carga tributária geraram um processo de endividamento e, com isso, passou a existir uma oferta excessiva de trabalhadores sem terra ou a procura de uma renda extra. A produção do campo se concentrava nas mãos de proprietários que viviam nas cidades, havia então aumento da pobreza no campo e concentração de riqueza nas cidades. Isso também incentiva o processo de urbanização, mais um fator que ia contra a cultura campesina da região. Esses fatores levam a um processo de pauperização crescente e, com isso, havia o aumento do descontentamento e da violência (MÍGUEZ, 1995, p. 24-25).

A prática do clientelismo ou patronado era intensa e imposta por Roma. Ela estabelecia um intercâmbio de bens, serviços e fidelidade não comparáveis entre pessoas de relação socioeconômica desigual. O patrão está numa escala social ou política mais alta que seu cliente, e este pode ser o patrão de outro cliente de posição inferior. Essa prática ocorria ao longo da escala social através de graus honoríficos e dependências entre relações sociais e de poder, desde o nível macrossocial correspondente à relação entre as províncias e Roma, como nas relações microssociais pessoais. O prestígio social e carreiras políticas dependiam de uma grande clientela que divulgava os benefícios do patrão e acabava prestigiada em cargos públicos. Tais relações eram mais visíveis na cidade, que obrigava a convivência entre dominador e dominado, do que no campo com suas longas distâncias. O clientelismo/patronado era uma forma de sobrevivência da não- elite, sobretudo as citadinas, que ao buscar se integrar nessa rede de relações de dependência podia prestar determinados serviços à elite ou esperar, em troca das demonstrações de fidelidade rituais e públicas, algo como proteção, empregos ou assistência jurídica. O clientelismo é especialmente importante quando se fala da relação das elites judaicas com o Império Romano. Em termos de grandes instituições, o Império era o patrão enquanto as elites eram clientes constrangidos,

com isso, implantava-se uma imobilidade social que garantia a manutenção da divisão de estratos sociais locais em troca de fidelidade (MÍGUEZ, 1995, p. 26; MÍGUEZ, 1998, p. 88-90; MALINA, 2004, p. 39-43).

Quando os romanos estabeleceram o seu domínio sobre a Palestina, a elite judaica urbana de Jerusalém não reagiu de maneira contrária ao sistema clientelista que os estrangeiros traziam, antes, a aristocracia se integrou a ele em busca de estabilidade e benefícios econômicos e políticos. Eles se filiaram ao sistema administrativo romano, sustentando-se numa posição socialmente privilegiada, ao mesmo tempo em que causavam desconfiança e até ódio por parte dos judeus mais nacionalistas que os viam como traidores nacionais e parceiros dos gentios inimigos (LIMA, 2014, p. 69).

A instituição mais importante das sociedades mediterrâneas antigas era o parentesco, comportando o sistema de honra e vergonha21, que influenciava toda a

forma de viver da sociedade e também a economia. Os elementos econômicos eram inseridos em instituições não econômicas, assim, a economia era posta “em movimento pelos laços de parentesco, casamento, grupos etários, sociedades secretas [...] e cerimônias públicas” (GARNSEY-SALLER apud STEGEMANN e STEGEMANN, 2004, p. 32).

Outra característica desse contexto socioeconômico é que as economias antigas eram sociedades plurais em que os diversos sistemas de valores das comunidades com subculturas regionais eram mantidos juntos por uma elite organizadora (CARNEY apud MYERS, 1992, p. 75). Um exemplo disso é que, mesmo dentro do controle romano, coexistiam os sistemas de reciprocidade e redistribuição. O primeiro era baseado na organização social do clã. Entre os membros da família próxima a reciprocidade era plena, com serviços e mercadorias livremente dados. A reciprocidade diminuía conforme as relações se afastavam do núcleo familiar, até que fora da tribo imperava a mutualidade, onde havia uma troca de serviços e mercadorias. Esse sistema persistia nas aldeias na época de Marcos. O sistema de redistribuição se desenvolveu em comunidades mais estáveis ao redor do Templo, que funcionava como armazém central e redistribuía os produtos conforme a necessidade dos grupos comunitários, dando possibilidade e origem às grandes propriedades rurais (MYERS, 1992, p. 76 e 77, STEGEMANN e STEGEMANN, 2004, p. 49-54).

Para Malina (2004, p. 29-31), a sociedade mediterrânea, sob o Império Romano, podia ser caracterizada como pré-moderna, ou seja, sem mercado, e ruralizada. Era uma sociedade de subsistência onde o controle do excedente é feito pela força. Crossan (2004, p. 202) pensa diferente, e afirma que o Império Romano era um império agrário mercantil, onde “a terra é mercadoria empresarial a ser explorada pela aristocracia. A comercialização rural, a expropriação da terra e o esbulho dos camponeses são mais ou menos sinônimos”. Em comum a ambos, temos como principal fonte de riqueza para qualquer estrato social a posse das terras e a utilização dos seus produtos agrícolas. Cremos, contudo, que o Império Romano era mercantil, explorava a produção agrícola do território conquistado através da latifundialização, com a posse de terras concedida por interesse político- econômico, e da cobrança de impostos.

A economia palestina era subasiática. Havia comunidades aldeãs e um Estado, no caso de Israel, o Estado herodiano, associado ao Templo, que não controlava diretamente a produção, mas se apropriava dos excedentes por meio dos tributos e controlava o comércio. As fontes de produção eram principalmente o cultivo, especialmente na Galileia, que era a região mais fértil, o gado e a pesca, mas havia numerosos artesãos. Embora o comércio fosse restrito, pois era controlado pelo Império a partir de concessões e cobranças de impostos comerciais, a região da Galileia era aberta ao tráfego internacional. (CLÉVENOT, 1979, p. 60 e 61; MYERS, 1992, p. 76).

Segundo Godoy (2004, s.p.),

a economia da Galileia estava baseada na agricultura (trigo, cevada, azeitonas, legumes, frutas e vinho) [...]. Os agricultores da Galileia herdaram o sistema de cobrança de impostos dos persas e dos gregos. Se vivia em meio ao latifúndio assumido pelos romanos. O comércio nacional, as feiras livres, os mercados e pequenos supermercados e o comercio internacional ocupavam um lugar destacado. O comércio internacional era uma empresa que movia muitos recursos económicos e técnicos. Da Palestina se exportavam alimentos, frutas, azeitonas, pescado, peles, tecidos e, em menor escala artesanatos. Era comum que se desenvolvessem estas atividades de comércio com Corinto e Tiro, com Babilônia, Arábia, Egito etc. O comércio estava centrado em um pequeno grupo de grandes comerciantes com a necessária infraestrutura para garantir o êxito. A pesca se realizava no lago de Tiberíades e na costa do Mediterrâneo. O pescado era de grande importância para a alimentação diária da população. Tinha maior importância que a carne para a alimentação do povo em geral. Os pescados puros eram consumidos pelos judeus e os impuros vendidos aos pagãos. A profissão de pescador era

bastante bem considerada.

Roma cobrava impostos através dos publicanos. Alguns impostos eram corriqueiros e outros especiais, usados, por exemplo, para sustentar a guerra civil que culmina no ano 70 d.C.. Havia ainda uma política financeira de banqueiros urbanos que faziam empréstimos a juros em conjunto com o Templo, o que corroborava com o aumento do endividamento. O Templo por sua vez não diminuiu a carga de impostos quando perdeu o controle do estado. Muitas vezes, os exércitos romanos destruíam aldeias e suas populações, pelos atrasos nos impostos. Esse conjunto afetou a viabilidade econômica da região com o decorrer do tempo. Acrescente-se ainda o fato de que pelo menos duas grandes secas ocorreram, uma em 24 e 25 a.C. e outra na década de 40 d.C. o que causou fome e mais endividamento (HORSLEY e HANSON, 1995, p. 64-68). Podemos perceber em Marcos a questão dos tributos nas menções aos publicanos e na controvérsia entre Jesus e fariseus em Mc 12,13-17.

Os evangelhos citam postos de coleta de pedágios e impostos em Jericó e Cafarnaum (Lc 19,1-2; Mc 2,14). Os artesãos e pequenos comerciantes eram obrigados a passar por ali e eram taxados em suas mercadorias e atividades profissionais. Eram vários tipos de impostos: o imposto per capita, pago por mulheres a partir dos doze anos e homens a partir dos catorze era de um denário, mais uma porcentagem sobre bens não-agricultáveis de cerca de 1%, o imposto sobre produto e propriedade, que eram estipulados por censos e formulários preenchidos pelos proprietários e que traziam penalidades a quem escondesse diaristas e escravos, e os impostos sobre mercadorias, que eram cobrados nos próprios mercados. Estes eram registrados e controlados, o comércio fora desses locais era reprimido com multas e prisões (RICHTER REIMER, 2006, p. 149-150; WEGNER, 2006, p.119). Um empregado podia ficar com metade da colheita para si e sobre isso pesavam o imposto da terra ou tributo ao rei herodiano ou anona dos romanos, que podiam chegar a um terço da colheita. Retirava-se, ainda, os dízimos para as autoridades judaicas e as taxas e tarifas cobradas quando se levava os produtos aos mercados da cidade (MYERS, 1992, p. 80 e 81).

A quantidade de impostos paga era bastante alta. Wegner (2006, p.118-122) afirma que os impostos romanos chegavam a 17,25% da produção palestina. Esses

impostos eram atrelados ao cálculo de censores e não à produção real, e se mantinham independentes das condições de safra. Segundo Michaud (2002, p.30- 31), as taxas civis correspondentes aos impostos romanos e dos tetrarcas era de cerca de 32% da renda de um pequeno produtor, havia ainda as taxas tradicionais dos judeus que somavam cerca de 12%, acrescentando mais 5% para taxas que os pequenos produtores eram obrigados por administradores ou bandidos, o total era de 49% da renda. Stegemann e Stegemann (2004, p. 144) afirmam que o ônus dos tributos tem uma estimativa entre 12 a 50% do produto social. O problema é que toda a produção de um agricultor pobre palestino era necessária à sua subsistência e isso tornava a carga de impostos muito pesada.

Percebe-se então que era a população campesina que sentia mais intensamente a sobrecarga do sistema redistributivo. Eles eram empurrados à clandestinidade, ficavam endividados com a instância pública e sua dívida aumentava com a aplicação de juros, eles tinham que penhorar suas mercadorias e acabavam por perder suas propriedades e ainda podiam ser vendidos como escravos. Para complicar ainda mais a situação camponesa, o partido fariseu criou formas de burlar o vencimento sabático, dispositivo legal segundo o qual as dívidas eram perdoadas no sétimo ano. Os fariseus modificaram o seu uso para que a única dívida perdoada fosse a particular, não a com a corte ou Templo. As famílias rurais foram perdendo suas terras para o Templo e para os colonos romanos e passaram a fazer parte do proletariado rural de trabalhadores diaristas, arrendatários meeiros de sua própria terra ou ainda escravos (HORSLEY e HANSON, 1995, p. 64-68). Esse processo deu origem aos latifúndios que eram explorados com o uso dos escravos e diaristas (MÍGUEZ, 1995, p. 25).

Com isso tudo, havia uma proliferação de famintos. As pessoas que perdiam suas terras migravam para cidades e/ou sofriam sob tributação excessiva, portanto, havia um acentuado contingente de subnutridos e elevada mortalidade e muitos doentes (CHEVITARESE e VEIGA, 2013, p. 154). Além disso, aconteciam muitos casos de possessão demoníaca22, derivadas da profunda anomia e da opressão

violenta que eram entendidas como sintomas da presença do mal na forma de

22 A alienação da terra deixa a família sem espaço e o ser humano se vê invadido e governado por

outro, inclusive em sua identidade, segundo Míguez (1995), isso pode justificar a possessão demoníaca como sintoma social. Também Chevitarese e Veiga (2013) e Richter Reimer (2011) ponderam o peso da invasão romana e do seu imperialismo e exploração como fator originário para os casos de possessão.

demônios e espíritos impuros. Em Marcos, são três narrativas de exorcismos 1,23- 27; 5,1-17 e 7,24-30, esta última analisaremos no capítulo quatro.

A estrutura social da Palestina no séc. I era piramidal. Segundo a descrição de Stegemann e Stegemann (2004, p. 156-163), no topo da pirâmide estava a elite composta pela aristocracia provincial, a casa regente herodiana, uma aristocracia sacerdotal e leiga e membros isolados do sinédrio. A pertença a esse estrato superior representava participação no poder, riqueza e posse de terra. Esse estrato tinha pouquíssimo, ou nenhum, prestígio entre o povo. Em seguida, na pirâmide, encontrava-se um séquito composto pelo corpo administrativo da casa regente, militares, sacerdotes e mestres da lei, arrendatários de tributos, grandes comerciantes, além de outros membros isolados do sinédrio. Esses dois estratos eram mais localizados nas cidades.

Em seguida, vem a parte populacional composta daqueles que não tinham participação no poder e privilégios do estrato dominante e não se localizavam no séquito. Ela estava distribuída entre campo e cidade e pode ser subdividida. No meio da pirâmide, já entre a não-elite, encontravam-se os artífices bem situados, comerciantes, agricultores, arrendatários e pessoas do ramo de prestação de serviços. Esse grupo não era muito numeroso, mas possuía algum bem-estar ou o mínimo necessário à sua sobrevivência. A grande maioria da população compunha a base da pirâmide e pode ser situada entre a pobreza e a mendicância. Incluindo-se aí pequenos agricultores livres, pequenos arrendatários, pequenos comerciantes e manufatureiros, diaristas, pescadores, pastores, viúvas, órfãos, prostitutas, mendigos e bandidos.

Para Theissen (2008, p. 184-191), a elite estava dividida: “os herodianos, como príncipes vassalos dos romanos” e “a aristocracia do templo e o sumo- sacerdote, como representantes de uma remanescente autonomia judaica” (THEISSEN, 2008, p. 185). De acordo com esse autor, os escravos tinham papel insignificante no total da população. A maior parte dela se compunha de arrendatários, diaristas e pequenos camponeses livres, pescadores e artesãos. A borda superior dessa classe subalterna era composta de pequenos proprietários, soldados, magistrados, coletores de impostos e escribas. Este último grupo tinha um potencial crítico para exercer alguma forma de rebeldia, uma vez que administrava as questões religiosas. Além disso, Theissen separa o estrato mais inferior da pirâmide, classificando esse grupo como pessoas socialmente desenraizadas, que

seriam os mendigos, doentes e bandidos sociais. Nesse estrato, podemos localizar a mulher com hemorragia de Mc 5,25-34 e a viúva pobre de Mc 12,41-44, que analisaremos nos capítulos quatro e cinco.

Percebe-se, então, que a maior parte da população judaica se encontrava no campo e em pequenas aldeias. A estrutura de convivência campesina era baseada nessas pequenas aldeias de 50 a 200 pessoas, relativamente próximas umas das outras. Entre elas, usava-se o sistema de reciprocidade. O parentesco e a lealdade eram valores importantes nesse tipo de organização social. A organização local era de uma independência relativa, havia uma assembleia semanal (synagogé em grego), que dependendo da aldeia poderia ser feita num lugar aberto descampado. Ali se davam as atividades comunitárias, discutiam-se os assuntos da vizinhança e se faziam as leituras e orações de sábado, assim como se tratavam os assuntos legais (MÍGUEZ, 1995, p. 29; HORSLEY, 2001, p. 39; STAMBAUGH e BALCH, 1996, p. 73-82). Veremos, no capítulo seguinte, que o Evangelho dá predileção à região campesina, e que Jesus não aparece nas cidades da região, apenas nos

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