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A Trama

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3 APROXIMAÇÃO À NARRATIVA DO EVANGELHO DE MARCOS

3.4 CRÍTICA NARRATIVA

3.4.4 A Trama

A trama ou o enredo de uma narrativa é a sistematização por um processo de causalidade e temporalidade dos fatos que constituem uma história (MARGUERAT e BOUQUIM, 2009, p. 56). Isso significa que antecipações e

flashbacks podem fazer parte da forma como a narrativa é contada, essas

mudanças de sequencialidade são parte do discurso do autor. O enredo é, ainda, o lugar onde o todo concordante-discordante da narrativa faz lugar, onde se encontram as peripécias, efeitos surpresa e os reconhecimentos se dão.

Boa parte do desenvolvimento da trama do Evangelho de Marcos pode ser discernida na revisão bibliográfica anterior sobre a estrutura da narrativa. Ainda assim, cabe aqui uma discussão sobre o objetivo geral e o desenrolar dos conflitos ou das subtramas do Evangelho. Além de perceber esses dois itens, é importante, no discernir a trama, observar a variação das possibilidades de desenvolvimento e o cumprimento ou não das expectativas.

Segundo Malbon (2008, p. 38-39) a narrativa do Evangelho de Marcos tem como chave central o conflito entre grupos de personagens e Jesus. Estes grupos e conflitos são avaliados diferentemente pelos autores e têm respostas diferentes de Jesus. No entanto, todos são a respeito de poder e autoridade. Seriam os conflitos básicos da trama: o Reino de Deus contra todas as outras pretensões de poder e autoridade; Jesus em conflito com demônios e espíritos imundos; também com as autoridades, em relação à interpretação de Lei; com os discípulos, em relação ao seguimento.

Seguindo essa mesma ideia, Rhoads, Dewey e Michie (1999) desenvolvem um pouco mais a análise. A história se unificaria no esforço de Jesus para estabelecer o Reino de Deus. Como este transforma a ordem natural50 e social, a

história se desdobra em três conflitos que evoluem entremeados. Inicialmente parece haver muitas possibilidades para o desenrolar da história, depois, com a intensificação dos conflitos, as possibilidades diminuem, e se resolvem no fim, quando tudo se faz inevitável e necessário.

O primeiro conflito se dá numa esfera política, seria com os sacerdotes de Jerusalém e seus representantes por causa do seu movimento de renovação nas

50 O poder de Jesus sobre a ordem natural aparece nos milagres do mar e da figueira. Isso implica

vilas da Galileia e arredores. Desde o início da história (Mc 3,6), fica claro que as autoridades estão contra Jesus. O conflito começa na Galileia e vai se intensificando até Jerusalém. Essa intensificação é notada na inclusão paulatina de adversários políticos – escribas locais, depois os fariseus, depois os herodianos, até o sumo- sacerdote e o Sinédrio – e no aprofundamento de seus esforços – inicialmente pensam contra Jesus, depois questionam os discípulos, tentam acusá-lo de violar as leis e finalmente tramam a sua morte (RHOADS, DEWEY e MICHIE, 1999, p. 85-89). O segundo conflito envolve uma esfera transcendente. Seria o conflito de Jesus com forças não humanas, como doenças, demônios e a natureza. Ele se apresenta de forma invertida, pois já está solucionado a partir da tentação de Jesus no deserto. Sua vitória é suportada pelas curas, exorcismos, milagres sobre a natureza, na multiplicação dos pães, ao longo da narrativa como demonstração de autoridade. Há uma maior concentração dessa atividade na Galileia e cercanias, que diminui no caminho para Jerusalém, pois a demonstração da autoridade de Jesus é o foco da primeira parte e a paixão é o foco da segunda parte (RHOADS, DEWEY e MICHIE, 1999, p. 82-84).

Por último, teríamos o conflito com os discípulos, que recebem os ensinamentos, mas não os compreendem, alternando o sucesso e a falha em ter fé em Jesus. Eles vão, cada vez mais, demonstrando sua incompreensão e continuam a buscar glória e poder. O conflito se encerra com a fuga ou a negação de Jesus por parte dos discípulos (RHOADS, DEWEY e MICHIE, 1999, p. 90-97).

Richard Horsley (2001, p. 99-119) discorda dessa divisão de conflitos. Para ele, o conflito político não se inicia com advento do Reino de Deus, pois a situação de conflito entre governantes e governados pré-existe. O foco da história seria o conflito entre Jesus, com seu programa de Novo Êxodo, e as autoridades em Jerusalém, subordinadas ao governo romano, enquanto os demais conflitos são secundários.

A implantação do Reino, como “símbolo mestre que controla toda a narrativa” (FREYNE, 1996, p. 51), demarca a linha evolutiva de todas as tramas do Evangelho. Sua utilização cria uma tensão narrativa, pois, ao mesmo tempo que o Reino está presente, ainda virá e é coberto com uma aura misteriosa. A implantação do Reino envolve tanto o conflito com as autoridades judaicas e romanas, como o discipulado de homens e mulheres, o alcance das pessoas marginalizadas dentro e fora do ambiente judeu através das ações de cura e exorcismos de forma a livrá-las

do mal, o questionamento de estruturas religiosas e econômicas opressoras. Essas tramas se desenvolvem juntas e acabam tocando em diversos temas: a autoridade de Jesus em oposição às autoridades político-religiosas, a tributação, a dominação, a exploração religiosa, a inclusão social igualitária de grupos marginalizados como gentios, mulheres e crianças, serviço, amor e entrega de vida. Todos esses temas colocados nas tramas formam o conjunto narrativo interconectado em causas e consequências costurado através de episódios curtos e sequenciados que costumam ter uma ou mais problematizações e uma resolução que contribui para a expansão do Reino ou desenvolvimento das diversas tramas.

Concordamos com Horsley que o conflito Jesus versus autoridades é que determina o desenrolar da narrativa, fazendo-se a peripécia que leva ao confronto em Jerusalém e à morte do herói da história, mas no fim ele se torna um conflito político. As mudanças de cenário e tempo marcam a evolução desse conflito. Os conflitos com outros personagens – discípulos, mulheres, personagens menores, demônios – podem então ser colocados como subtramas. Cada uma das tramas e subtramas se dá por impedimentos à implantação do Reino de Deus. No entanto, a situação pré-existente de conflito dos camponeses com o Império Romano faz parte do cenário onde se localiza a narrativa de Marcos.

A oposição de grupos religiosos judaicos a Jesus é crescente até o final quando é transferida para a autoridade romana que faz a crucificação. São acrescentados paulatinamente grupos de oposição: escribas, fariseus, herodianos, anciãos e sacerdotes-chefes. Essa linha produz narrativamente o impedimento maior da implantação do Reino de Deus, pois ameaça diretamente o herói da narrativa.

Cada subtrama apresenta sua própria contribuição ao todo concordante- discordante da narrativa e suas próprias peripécias. As curas e exorcismos de personagens menores fazem parte da luta de Jesus na esfera transcendente e são sinais da expansão do Reino sob a situação catastrófica da população sob o domínio romano. Elas têm sua dificuldade ou impedimento específico à ação de cura realizada por Jesus, ao mesmo tempo elas se misturam com controvérsias, com autoridades e discípulos, e dão espaço a ensinamentos e inclusões no projeto do Reino de gentios e mulheres. São as repercussões dessas ações subversivas que chamam a atenção das autoridades para Jesus, portanto as tramas são conectadas.

A subtrama do discipulado transpassa toda a história, compondo um dos seus temas principais. O não entendimento gradualmente revelado dos discípulos mais próximos é um problema presente para Jesus e futuro para a continuidade da expansão do Reino. Esse conflito começa com o chamado de quatro, e depois mais oito, dos discípulos mais próximos e com a aceitação desse chamado e tem ápice na fuga do grupo e na negação de Pedro, mas deixa a possibilidade aberta no final, quando, apesar de tudo, os discípulos devem ser chamados para reencontrar Jesus na Galileia. Não é essa trama que leva Jesus ao confronto em Jerusalém. Assim, como não o faz o conflito com demônios e espíritos imundos, nem a inclusão dos gentios no projeto do Reino. Porém, a subtrama dos discípulos dá sua contribuição ao embate principal com a traição cometida por Judas.

Outra subtrama a ser considerada é a das mulheres. Embora a maioria dos personagens femininos apareça sem recorrência, com exceção das mulheres nas cenas da crucificação, sepultamento e ressurreição, todas as mulheres que se encontram com Jesus são colocadas como exemplos de seguimento pela fé, perseverança, lealdade e serviço e são reconhecidas pelo narrador como discípulas na cena da crucificação51. Essa trama ficará mais clara ao longo do trabalho, mas é

importante destacar aqui que ela contribui para a noção de discipulado pelos conceitos de fidelidade ao Reino de Deus, seguimento e de serviço.

A construção do conceito de discipulado atravessa, portanto, todo o Evangelho e engloba diversos grupos de personagens como exemplos positivos e negativos. Também merece destaque que o discipulado não pode abrir mão da aceitação completa das consequências dessa escolha, como a perseguição (cruz), abandono de famílias e bens. Certamente, é um tema que toca a vivência comunitária da audiência que passava por momentos tensos de perseguição e lutas, incentivando a permanência e delineando a prática cristã.

Theissen (2007) tem uma visão bem diferente da organização evolutiva da narrativa. Como o texto teria sido escrito para cristãos não-judeus, seu ponto culminante seria o reconhecimento de Jesus como Filho de Deus pelo centurião romano (Mc 15,39), e a expansão do Reino entre os outros povos seria a grande tarefa antes do fim do mundo (Mc 13,10). Se o reconhecimento de Jesus é o ápice da narrativa, o segredo messiânico52 se coloca como dificuldade para isso. Theissen

51 Sobre isso ver o artigo Richter Reimer e Souza, 2012.

o explica assim: como a comunidade cristã era mista, continha judeus e outros povos, não era possível para Jesus se autodeclarar divino dentro da história, pois, embora os não-judeus não tivessem problemas com uma deidade em forma humana, os judeus não podiam concebê-la. A adoração a Jesus se fundava na cruz e na Páscoa, como ação de Deus em direção a Jesus, para vencer a morte. Assim, o Evangelho de Marcos trata a vida de Jesus com uma aura divina, mas a cobre de mistério gerando uma tensão que projeta, na vida de Jesus, a adoração a ele pela ressurreição (THEISSEN, 2007, p.74-79). Além dessa função descrita por Theissen, o segredo messiânico também se faz estratégia literária para a contenção da narrativa, sua função é evitar que a fama de Jesus se expanda muito mais rapidamente e dar tempo ao desenrolar da trama até o confronto final em Jerusalém.

Discordamos do autor, pois a expansão do Reino entre os gentios se encaixa melhor como uma das subtramas do Evangelho, componente clara do ponto central da narrativa que é a própria expansão, do que como seu fio condutor. Se entendermos a missão aos gentios assim, ela tem início com o exorcismo do gadareno e com recusa de Jesus por parte dos moradores da região, tem um ponto de inversão na cura da filha da mulher sirofenícia, é confirmada na segunda multiplicação dos pães e tem sua finalização no reconhecimento da messianidade de Jesus pelo centurião.

O que Theissen classifica como ponto alto da narrativa, a fala do centurião aos pés da cruz, pode ser entendido como o reconhecimento de Jesus por um dos grupos com os quais ele tem conflito, no caso, com o Império Romano. Jesus passa pelo reconhecimento dos diversos grupos com quem há conflito. O narrador o reconhece no primeiro versículo revelando aos receptores logo instantaneamente quem é Jesus e do que se trata a narrativa. Os demônios e espíritos imundos o reconhecem nos exorcismos; os gentios na fala da mulher siro-fenícia em 7,28; os discípulos na fala de Pedro em 8,29; as mulheres na cena da unção em 14,3-11 e finalmente pelos romanos em 15,39.

O conjunto das subtramas, das relações de Jesus, o seu reconhecimento e a maneira como vence cada peripécia contribuem para que a história seja verossímil,

evangelho de Marcos, que os curados por ele não tornem conhecido o que acabam de experimentar” (VAAGE, 1998, p.20). Para Kümmel (1982, p. 97-108), é um tema que molda o Evangelho de Marcos e evidencia que ele foi concebido de acordo com o querigma pós-pascal. A temática do segredo corre paralela à quebra desse mesmo segredo pelo narrador, pelos demônios, por Jesus mesmo e por pessoas curadas, o que torna a ocultação da identidade de Jesus provisória. Sobre a evolução do tema nos estudos bíblicos ver também Marcus, 1999a, p. 525-527 e Gnilka, 1986, p. 195-198.

pois acessam as várias formas de tradição conhecidas sobre Jesus. A esse conjunto de tradições conhecidas, também soma-se a correspondência entre diversas temáticas do mundo da narrativa com situações do mundo vivencial do receptor. A quantidade de doentes e famintos, o medo das autoridades, opressões sociais e econômicas são realidades que impulsionam o efeito catarse53. Ao se identificar com

a situação vivida pelos personagens, o receptor tem a possibilidade de encarnar o desenvolvimento comunitário, o envolvimento pessoal e a fé como o autor desejava. Ao terminar sua história com a ressurreição, mas sem que apareça a figura de Jesus, o texto impulsiona o receptor a assumir a tarefa de continuação do ministério de Jesus.

A trama da relação com os discípulos apresenta um jogo de inversão, aqueles que estavam inicialmente ao lado de Jesus, demonstram distância de entendimento e o abandonam nos momentos de maior tensão. Na sequência ao abandono dos discípulos, o narrador faz o reconhecimento do grupo de mulheres como discípulas no momento da crucificação, e as apresenta como seguidoras fiéis, completando o jogo de inversão, pois elas não tinham sido ainda mostradas claramente como seguidoras, apesar de serem exemplos de fé e entendimento ao longo da trama.

O efeito surpresa não parece ser muito utilizado por Marcos, justamente porque a história narrada já é conhecida em várias formas por seus receptores cristãos. O autor trabalha com a antecipação de temas e também dos acontecimentos em forma de previsão. Jesus prediz seu martírio, que é antecipado pela viúva pobre que entrega a vida, e também prevê sua ressurreição, antecipada na ressurreição da filha de Jairo. Da mesma forma como Jesus prevê o abandono dos seus discípulos e de Pedro especificamente. O narrador também antecipa a traição apontando o discípulo traidor em outro momento narrativo.

Por tudo isso, nota-se que, além de agrupar e sequenciar diferentes memórias sobre os acontecimentos da vida de Jesus e da vida comunitária no ato configuracional de uma narrativa, a mimese geradora do Evangelho de Marcos delineia objetivos de orientação comunitária, para seu presente e futuro, com o resgate da práxis de Jesus e dos exemplos de fé de outros personagens positivos,

53 Sobre o efeito catarse, jogos de inversão e reconhecimento, veja as definições colocadas por

como as mulheres e os personagens menores, como modelo de comportamento. O papel dos personagens é o foco do item a seguir.

3.4.5 Personagens

Os personagens são os atores das tramas e conflitos, responsáveis pelas ações e ditos de uma narrativa. São eles que suscitam o enredo. Nessa seção, o objetivo é analisar os personagens do Evangelho de Marcos, não a partir de uma reconstrução histórica, mas pela caracterização que o texto traz.

Eles são classificados como maiores, menores, planos ou redondos. Os personagens maiores são aqueles que aparecem nos conflitos principais e ao longo de toda a narrativa. Os personagens menores, em geral, aparecem sem recorrência. Personagens planos são aqueles que possuem traços de personalidade simples e consistentes, geralmente fixos e previsíveis. O fato de um personagem ser plano, não significa que apareça pouco na narrativa ou que seja um personagem menor. Os personagens redondos são complexos e dinâmicos, suas características se revelam ou mudam ao longo da narrativa. A caracterização de um personagem ou grupo de personagens é feita notando-se o que eles dizem e fazem, o que os outros personagens fazem ou dizem em relação a ele, o que o narrador diz sobre ele ou como o narrador o relaciona com outros personagens, por comparação ou contraste, ou ainda pelo desenrolar da trama (MALBON, 2008, p. 34-35; RHOADS, DEWEY e MICHIE, 1999, p. 102; MARGUERAT e BOURQUIN, 2009, p.78-80). Para Marguerat e Bourquin (2009, p. 77), os personagens apresentam uma hierarquia de acordo com o grau de presença na narrativa, os primeiros papéis ele chama de protagonistas, os segundos papéis de personagens cordão e os menos presentes, que compõe apenas o pano de fundo, são os figurantes.

Os personagens do Evangelho de Marcos são típicos, unidimensionais e psicologicamente simples. Ao longo da narrativa sofrem pouco desenvolvimento. O colorido que a caracterização marcana coloca na narrativa está na diversidade de personagens-tipo ou grupos estereotipados e na relação, comparação e contrastes que o narrador coloca entre estes grupos e também entre eles e os personagens menores no seu ato configuracional da narrativa. Um exemplo disso é que para cada

grupo de personagens-tipo há exceções aos padrões54. Outro exemplo é o contraste

entre o discipulado dos doze discípulos e das personagens femininas. Por isso, as relações internas e externas aos grupos são essenciais para a compreensão do papel dos personagens e da sua contribuição para o desenvolvimento da intriga (MALBON,2000. p. x e 84; RHOADS, DEWEY e MICHIE, 1999, p. 100-103, 149).

Uma característica dos personagens dos Evangelhos é que eles não têm autonomia. Sejam planos ou redondos, maiores ou menores, antagonistas ou aliados eles existem na história em função da relação com Jesus. Além disso, todos os personagens são avaliados pelo narrador, seja na sua apresentação, seja no seu agir, de forma que o receptor desenvolva pelo personagem simpatia, empatia ou antipatia (MARGUERAT e BOURQUIN, 2009, p. 82-87). Sob o controle do narrador, os personagens refletem um dualismo moral: são retratados com simpatia quando vivem de acordo com a ideia que o autor tem do Reino de Deus e ao contrário se vivem em termos humanos. Eles oferecem ao leitor uma gama de possibilidades de posicionamento e engajamento no projeto que o Evangelho de Marcos quer transmitir, mas, por mais diversos que os grupos de personagens sejam em sua localização social, eles não reproduzem por completo a voz do grupo social que representam na história. Eles trazem aquela parcela dos discursos dessas vozes sociais que interessa à composição do discurso do narrador. Por esse motivo, embora tente mostrar certa heteroglossia social55 no mundo narrativo, e isso traga

verossimilhança à narrativa, a caracterização marcana não é polifônica, mas monológica, visa conduzir o receptor a uma determinada leitura da realidade. No entanto, quando olhada em sua relação com o exterior da narrativa, ela é dialógica, pois responde aos discursos de cada um dos grupos sociais representados como uma espécie de resposta aos conflitos comunitários.

Ao longo da narrativa, os grupos e características dos personagens são introduzidos gradualmente, revelando suas motivações, seu lugar social e seu ponto de vista com relação ao Reino. Trabalharemos adiante seis grupos: Jesus – o protagonista, as autoridades – os antagonistas, os discípulos, o povo, as mulheres e os personagens menores. Deixaremos o item sobre Jesus por último na análise, por ser o personagem mais complexo.

54 Exemplos de exceções: Jairo é o bom líder de sinagoga, José é o bom membro do sinédrio,

temos também o bom escriba, Herodias como a mulher má da história e o centurião na crucificação é o romano que reconhece Jesus.

3.4.5.1 As autoridades

As autoridades judaicas e romanas são um grupo de personagens tipificados, maiores e planos. Não há muito aprofundamento psicológico dos seus componentes. Seus traços são consistentes e previsíveis. Por seu posicionamento contra o programa do Reino de Deus, são caracterizadas negativamente como pessoas sem real autoridade religiosa, egoístas e não confiáveis.

São aquelas que detêm o poder político, econômico e religioso. Como grupo, seu objetivo é manter a reprodução de poder e a maneira de fazê-lo é gerir o controle e a opressão sobre o povo. Esse procedimento tem suporte na interpretação das escrituras que é feita com centralidade na lei. Por esse posicionamento, é o principal grupo de antagonistas de Jesus. O que incomoda mais esse grupo de antagonistas é que Jesus desafia a tradição, lhes retira a autoridade de interpretar a escritura e atrai muitos seguidores. Além disso, existe a possibilidade da perda de poder para eles com o crescimento do movimento de Jesus.

O grupo de antagonistas é diversificado e espalhado na escala social e local. Fariseus e escribas agiam em questões legais-religiosas, desafiavam Jesus em termos religiosos de interpretação das escrituras. Os sacerdotes-chefe, anciãos e escribas de Jerusalém guardavam o Templo e, junto com as autoridades romanas, cuidavam da ordem social de Israel, por isso, adicionam um aspecto político de disputa pela influência e autoridade sobre as pessoas. As maiores autoridades são Herodes, Pilatos, como autoridades governamentais, o sumo-sacerdote e o sinédrio, como autoridades religiosas. Um grupo mencionado apenas em conexão com os fariseus é o dos herodianos, eles estão juntos para agir contra Jesus (RHOADS, DEWEY e MICHIE, 1999, p. 116-122, FREYNE, 1996, p.44-51; MALBON, 2000, p. 140-150; HORSLEY, 2001, p.151).

Escribas e fariseus aparecem já na Galileia, como autoridades locais.

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