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Judaísmos

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2 CONTEXTUALIZANDO O EVANGELHO

2.2 CONTEXTO DA PALESTINA NO PRIMEIRO SÉCULO

2.2.2 O Contexto Religioso

2.2.2.1 Judaísmos

As principais instituições da religião judaica, no período do séc. I, são o Templo de Jerusalém, a sinagoga e a casa. As três apresentam importância como lugar de atuação de Jesus no Evangelho de Marcos. O Templo de Jerusalém era o centro cultual, político e nacional da região palestina e da diáspora, ponto fundamental da comunidade de fé em Yahweh. Sua importância se mostra nos diversos aspectos da sociedade, política e economia. Fazia uma vinculação com a diáspora através do recolhimento de tributos, pelo calendário de festas e de peregrinações. Junto com isso, colocava em posição especial de autoridade diante do povo um estrato sacerdotal. Era o único lugar de culto sacrificial e era entendido como o lugar da presença na terra do nome e da glória do deus único (STEGEMANN e STEGEMANN, 2004, p. 166; KOESTER, 2005, p. 230-231; VOLKMANN, 1992, p. 9, MICHAUD, 2002, p.42).

A origem da instituição da sinagoga está ligada ao pós-exílio, ali se realizavam as tarefas públicas de uma comunidade. O termo synagogé se refere à

24 Sobre o cristianismo nascente como movimento de renovação judaica ver Richter Reimer, 2012,

p. 20-22 e Schottroff, 1995, p. 26-35, que também fala sobre a relação da renovação judaica com as mulheres.

essa comunidade que se reunia em casas ou tinha uma casa específica para reunião, a depender da sua condição material. A estrutura da sinagoga contava com líderes da sinagoga (archisynagogos), um comitê de anciãos, um secretário e um assistente. Seu papel era de um lugar de oração, ensino da Torá e um centro comunitário que proporcionava às pessoas da comunidade um senso de pertença e uma rede de contatos (STAMBAUGH e BALCH, 1996, p.42 e 43). Na diáspora, o culto da sinagoga era aberto aos não-judeus, normalmente se utilizava a língua comum e, por isso, ela serviu à difusão do judaísmo como um espaço aglutinador da cultura judaica. “A sinagoga garante aos judeus o espaço para as assembleias, para guardar o sábado, a Torá e todas as prescrições que norteiam suas vidas individuais e coletivas; religiosas e culturais” (IZIDORO, 2008, p.63). Diante disso, ela foi um espaço que fez a mediação entre as culturas judaica e helenística e mais tarde se fez espaço de inserção cristã.

A sinagoga era o local onde, semanalmente, a estrutura rural campesina da sociedade expressava sua religiosidade. Ali, provavelmente, mantinha-se viva “a memória dos profetas e outros personagens legendários que alimentavam a piedade popular” (MÍGUEZ, 1995, p. 29). Personagens como os profetas Elias ou Eliseu e ainda das lendas não bíblicas de Moisés povoavam o imaginário camponês juntamente com magos, profetas locais e aspirantes a reis populares, todos cercados por expectativas apocalípticas. No entanto, com a pressão social e econômica, houve uma concentração popular nas cidades que ameaçava destruir “os modos de contenção simbólica que essas assembleias rurais realizavam” (MÍGUEZ, 1995, p. 29).

Embora, na diáspora, a sinagoga já fosse o lugar de oração, não havia um número muito grande de sinagogas na Palestina antes de 70 d.C. Sua importância cresceu a partir da destruição do Templo, em especial das suas funções cultuais (STEGEMANN e STEGEMANN, 2004, p. 168).

A motivação da existência de uma família não se limitava ao aspecto afetivo interpessoal e de sobrevivência material, já que a casa era o centro produtivo da maior parte da população antiga. Além da reprodução do parentesco, ela formava também uma pequena comunidade religiosa que sustentava toda a organização religiosa em ampla escala. Como a vida cotidiana não se separava da religião, a casa tinha um papel fundamental para a socialização religiosa. Reuniões que ali aconteciam podiam ser consideradas pequenos cultos, dirigidos pelos patriarcas

dessas casas, pois eram o local de diversas festas e refeições rituais. Ao lado da Torá, estruturava religiosamente o tempo, a partir de orações diárias, refeições e celebrações festivas. Ali também eram consideradas as prescrições de pureza e estratégias de casamento. A importância da família cresce ainda mais pela perda de autoridade do estrato superior judaico em virtude de sua associação com os poderes dominantes (STEGEMANN e STEGEMANN, 2004, p. 169 e 170, MALINA, 2004, p. 32).

Até o ano 70 d.C., existiam vários judaísmos. Dentre os muitos movimentos que existiam, Josefo identifica apenas três escolas: os fariseus, saduceus e os essênios, acrescentando outro grupo como próximo aos fariseus, que chamou de “quarta filosofia”. Porém, o pluralismo religioso não é idêntico às tendências principais. Além dos partidos que aparecem nos textos bíblicos e oficiais (saduceus, fariseus, essênios), havia um espectro bastante amplo de grupos, movimentos e correntes, outras expressões de fé (sicários, zelotas, “quarta filosofia”, resquícios de javismo samaritano, o movimento de João Batista, etc.). É preciso considerar que havia uma diversidade de javismos, portanto, seria justo falar de judaísmos ao invés de judaísmo. Mas essas diversas correntes político-religiosas mantinham algumas crenças em comum: o monoteísmo, a eleição de Israel e a aliança com Yahweh, a obediência à Lei e o Templo como lugar de culto e da presença de Deus25

(MICHAUD, 2002, p.42-43; STEGEMANN e STEGEMANN, 2004, p. 177-178).

No Evangelho de Marcos, há destaque para o movimento de João Batista, os saduceus (sacerdotes) e os fariseus. A casta sumo-sacerdotal, que pertencia ao estrato superior de Jerusalém e era de onde se originam os saduceus, era cliente do sistema romano, se beneficiava diretamente da arrecadação no Templo. Eram os intérpretes da lei, rejeitavam a tradição oral e as ideias teológicas não documentadas na lei, foram responsáveis pela manutenção da integridade tradicional do Templo nos períodos helenístico e romano. Os fariseus eram, em sua maioria, intelectuais urbanos, embora tivessem membros nos estratos mais baixos, estavam entre aqueles conectados ao séquito que acompanhava a elite ou a serviço da classe dominante em um estrato intermediário de artesãos e escribas. Eles tanto justificavam o domínio quanto continham o inconformismo, defendendo o interesse da aristocracia e da intelectualidade. Seu principal intento era o cumprimento da lei e

25 Talvez, aqui, possamos colocar alguma exceção por causa dos textos de Qunran, que não tinham

das tradições paternas, seu zelo piedoso, e a integridade de vida lhes colocavam em crédito junto à população (MÍGUEZ, 1995, p. 27-31; STEGEMANN e STEGEMANN, 2004, p. 185-189; KOESTER, 2005, p. 230-248; MICHAUD, 2002, p. 46-47, IRVIN e SUNQUIST, 2004, p. 29-32).

No entanto, a imensa maioria da população não pertencia aos partidos citados. Ela integrava peregrinações, movimentos proféticos, apocalípticos e tentava sobreviver nas áreas urbanas. Existem evidências de tradições populares não assimiladas pela literatura e desprezadas pelo judaísmo oficial, de forma que são importantes as expressões da área rural. Muitas dessas comunidades da pequena tradição rural foram atingidas pelo cristianismo nascente (MÍGUEZ, 1995, p. 27-28).

A guerra de 66-74 d.C. significou o fim de muitas seitas menores. Os zelotas derrotados militarmente desaparecem, os saduceus tiveram sua função sacerdotal extinguida com a destruição do templo e também desapareceram. E, provavelmente, os essênios também foram arrasados pela guerra. Após o ano 70 d.C., os fariseus são o único grupo organizado que restou, e puderam fazer uma reconstrução do judaísmo, a partir da interpretação da Lei, dando origem ao judaísmo rabínico (MÍGUEZ, 1995, p. 31-33; HORSLEY e HANSON, 1995, p. 53-56; STEGEMANN e STEGEMANN, 2004, p. 254-255).

Nessas condições, é fácil entender o desenvolvimento das fortes tendências apocalípticas em alguns grupos específicos, como expressão de impotência e resistência. Incluem-se aí as expectativas de formas diversas de messianismo e profetismo que andam de mãos dadas com o apocalipticismo. O clima apocalíptico presente era para fomentar esperança frente à opressão e destruição do seu meio social e religioso, através de “formas simbólicas que as tradições das teofanias libertadoras da fé hebraica resgatavam” (MÍGUEZ, 1995, p. 31).

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