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FUGURA 3 – Categorias da investigação: os modos de ser e agir do pianista colaborador

5.1 AS TRAJETÓRIAS PESSOAIS E FORMATIVAS: SER PIANISTA COLABORADOR

5.1.2 Contextos de formação em piano 86

 

  Os conservatórios, as escolas técnicas e a universidade foram os contextos de formação mais citados e que proporcionaram aos entrevistados oportunidades de desenvolver habilidades ao piano e ampliar os conhecimentos musicais. Outros espaços extraescolares também constituíram contextos importantes na trajetória de formação, como a Igreja e as aulas particulares.

As aulas particulares, especialmente no início da formação, são bastante procuradas. Os profissionais entrevistados contam sobre a aprendizagem da leitura musical, as primeiras noções de partitura, a familiaridade com o instrumento e o uso de métodos pedagógicos. A busca de um profissional para ensinar piano é apoiada pelos parentes e está bastante associada às ideias de prestígio e reconhecimento sociais, pelos quais o professor particular torna-se consagrado e renomado na cidade em que atua. Eleonore destaca a preocupação de seus pais em lhe oferecer uma boa formação: eles procuravam o “melhor professor” para ensinar o piano a ela nas diferentes cidades em que residiam (EE, p. 219).

A procura por um professor de piano e por seu trabalho pedagógico específico também ocorre nas instituições de ensino: escolas técnicas, conservatórios e universidade. Na época, os pianistas buscavam o perfil de um docente que mais se adequasse às suas necessidades e expectativas. As aulas aconteciam individualmente e a exigência da profissionalidade no trabalho dos professores resta explícita especialmente quando os pianistas entrevistados contam que os mestres eram “grandes formadores de concertistas”. Para Antonieta, a formação na universidade marcou sua vida profissional. Ter aulas de piano com a professora lhe permitiu ampliar sua vivência musical, buscar estratégias para aperfeiçoar a técnica do instrumento e conhecer as tradições de interpretação do repertório pianístico. Para ela, o ensino de piano na graduação refletiu a qualidade do trabalho docente e, por isso, a professora de Antonieta representou sua “grande base pianística” (EA, p. 179).

Nessas instituições de ensino, evidencia-se que a organização de currículos e programas formaliza um corpo de conhecimentos e habilidades considerados importantes para o pianista colaborador. A atuação dos professores de piano nesses contextos bem como os conhecimentos e saberes ensinados são reconhecidos e valorizados pelos pais e familiares dos pianistas. Ao ingressar no conservatório, Janaína adaptou-se à proposta pedagógica do professor, assimilando as técnicas que este lhe passava. Sua mãe apoiou o estudo de piano no conservatório, pois a organização do ensino e a profissionalidade do professor se destacaram nesse contexto, evitando que Janaína desenvolvesse algum “vício de estudo” (EJ, p. 3).

Devido ao caráter profissionalizante do ensino de música nos conservatórios e escolas técnicas, é desejável que os alunos desenvolvam habilidades e conhecimentos para ingressar no mercado de trabalho. Além disso, essa etapa de formação representa uma preparação para o nível superior. Nesse sentido, Breno percebe a continuidade dos estudos entre os diferentes níveis de formação (entre técnico e superior), reconhece a profissionalidade da professora e

aponta a relativa facilidade que teve na realização de provas específicas34 para ingressar na universidade; destaca a forte relação desses contextos, e por isso, utiliza a metáfora da ponte:

E a universidade foi um pulo porque o conservatório... essa ligação com o conservatório [onde estudei] é muito maior do que [a Escola de Música com] a UnB, né? Essa ligação, essa relação conservatório e universidade... Porque, lógico, é a ponte, né? O conservatório é a ponte, e um está em função do outro! E... minha professora do conservatório já encadeou isso, né?! Tinha uma professora lá, que era muito conhecida, era muito respeitada, e me passou pra ela! Eu toquei, e aí fiz vestibular, entrei! (EB, p. 38-39, grifo nosso).

Segundo os pianistas colaboradores, a formação nas instituições de ensino musical é valorizada pela competência dos profissionais cujo trabalho pedagógico reflete-se na aprendizagem musical e na destreza dos alunos ao piano. Além disso, em suas falas é possível perceber que há uma valorização desse ensino profissionalizante, reforçada pela possibilidade de obter um diploma. Tal certificado encerra uma etapa de formação, legitima os conhecimentos e habilidades até então adquiridos e confere determinado status e prestígio social a quem o obtém. Na escola técnica, no conservatório ou na universidade, os pianistas se submeteram a provas de admissão, provas de banca e recitais de formatura que foram desafiantes e os levaram a disciplinar os estudos.

A entrada na universidade é um marco importante na trajetória pessoal dos pianistas colaboradores. O ingresso no nível superior está associado à realização de provas de vestibular e à expectativa de aprovação. Além disso, a universidade é vista, segundo os profissionais entrevistados, como oportunidade de profissionalização no campo da música. Os pianistas colaboradores revelam as horas acumuladas de estudo e o investimento pessoal para serem aprovados em provas de habilidades específicas do curso, que envolvem conhecimentos teóricos e práticos sobre música.

Essa formação no contexto universitário é marcada pela procura dos cursos de bacharelado e de licenciatura em Música. As diferentes histórias de vida, desafios, motivações e interesses refletiram nas escolhas dos pianistas entrevistados por um desses cursos ou por ambos. A necessidade de trabalhar, a mudança de cidade, a realização do casamento e a constituição de núcleo familiar são algumas situações descritas por eles como marcantes na passagem para a vida adulta, e que exigiram estratégias para conciliar os projetos pessoais com a formação em graduação.

                                                                                                               

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No Brasil, as universidades que oferecem cursos de Música (bacharelado e licenciatura) costumam adotar essa modalidade de provas em seus vestibulares. Os conteúdos referem-se a conhecimentos próprios da linguagem musical e a habilidades demonstradas a partir da execução de repertório em instrumento/voz específico.

Ao prosseguirem os relatos sobre a formação musical, os profissionais pianistas frequentemente se reportam à Igreja – um espaço que foi decisivo e importante para a aprendizagem do piano e o desenvolvimento dos modos de ser e agir. A presença da música nos cultos ou nas partes litúrgicas das missas oportunizaram experiências musicais nas quais os pianistas colaboradores se engajaram desde cedo, quando aprendiam o instrumento, tocavam com certa regularidade, faziam leituras à primeira vista ou tiravam as músicas de ouvido. A contribuição da Igreja no aprendizado musical é lembrada especialmente quando Leela descreve o contexto como o seu “laboratório musical paralelo”, Dinorá relata que começou a tocar teclado por causa da “bandinha” que fazia o louvor, Mirela refere as oportunidades de tocar o harmônio, e Clara cita o contato que teve com a música popular para realizar as cantatas da Igreja.

Mas eu tinha um outro laboratório musical paralelo à escola, desde criança, que era a Igreja Memorial Batista! [...] A gente sempre foi de lá. A família toda, desde pequenos. Então quando eu comecei a estudar piano, e tal, com oito [anos], por volta de dez, onze, doze anos, quando eu tocava umas melodias simples, as professoras da escola bíblica já me falavam: “Ah, você toca piano, né?! Sua mãe falou isso. Tem essa musiquinha aqui...” Eu lembro até hoje: as partituras, com umas bolinhas gordas, que só tinha... a melodia, e uma notinha de baixo pra cada compasso! [As professores falavam:] “Tenta tocar o que você conseguir!” (EL, p. 58).

[...] antes de entrar aqui na Escola [de Música], eu tocava na Igreja, também! Então... com treze anos, eu comecei a tocar teclado na Igreja. Então eu tocava com a bandinha – tocava com a bateria, guitarra, com o pessoal que fazia o louvor da Igreja. (ED, p. 101).

E teve outra... E ah!! E eu tocava bastante! É, com onze anos eu tocava na Igreja. É, você... vou contar só como uma [história], né? Nessa Igreja que eu tocava tinha harmônio, não era órgão. E eu lembro que eu tinha onze anos quando eu fui tocar. E o órgão ficava... num, num degrau mais em cima. Mas como eu era pequena, eu tocava e o banco ia pra trás. E eu ficava de olho porque eu tava quase caindo! [risos coletivos] Às vezes eu parava a música, e puxava [o banco] né, e ia tocando e empurrando. Então essas eram experiências [...] (EM, p. 158, grifo nosso).

[...] Juntamente com isso, eu sempre toquei muito na Igreja. Desde criança, com dez anos, tocando pra coral infantil. E adolescente, tocando pro coral jovem. Então assim, eu fiquei crescendo e tocando pra coral, e tocando... pra cantores, na Igreja! Instrumentistas e tudo... (EG, p. 179).

Aí continuei! Aí toquei muito na Igreja, né?! Aí na Igreja, no caso, tinha [música] popular. Então a minha experiência com [o gênero] popular foi paralela ao erudito aqui na Escola [de Música]. E também tinha algumas Cantatas... algumas coisas que eu tinha que fazer leitura, né? Assim, não tinha outro jeito de fazer. Era muito mais no ouvido. Então eu trabalhei com isso aí também! Aí na Igreja foi uma prática muito forte porque era todo domingo o dia de se apresentar! (EC, p. 198, grifos nossos).

Portanto, a formação musical na Igreja tinha características próprias que favoreciam o desenvolvimento de habilidades e conhecimentos do pianista colaborador: apresentar-se em

público, tocar em conjunto e fazer leituras à primeira vista. Além de tocar em eventos cuja finalidade era religiosa, os pianistas envolviam-se em práticas musicais que favoreciam o desenvolvimento dos modos de ser e agir característicos à profissão de pianista colaborador.

Ao investigar as práticas musicais em grupo específico de uma comunidade evangélica em cidade do RS, Reck (2011) confirma a importância dos espaços religiosos para a aprendizagem musical de seus membros. O cotidiano religioso é permeado de práticas musicais que refletem a diversidade social e cultural, formando uma identidade musical evangélica que é plural. A Igreja e as comunidades religiosas representam um espaço de socialização em que co-existem a religiosidade e a musicalidade dos sujeitos (RECK, 2011).

Além dos contextos escolares, da Igreja e das aulas particulares, os profissionais relatam que buscavam outras formas de obter conhecimento, e a aprendizagem autodidata foi uma estratégia que complementou a formação. Karina lembra, por exemplo, que tocava violão por conta própria na adolescência e tirava as músicas de ouvido (EK, p. 19), e Antonieta relata que, haja vista participar de um grupo vocal desde os dezessete anos, as aprendizagens adquiridas ao longo do tempo permitiram a ela tornar-se diretora musical (EA, p. 180). Entre as atividades desenvolvidas nesse grupo, Antonieta escreveu arranjos, ensaiou e regeu as vozes, o que contribuiu para sua formação musical e para a consolidação do trabalho do grupo, que se apresentou em diversas localidades dentro e fora de Brasília e permaneceu ativo até o momento em que Antonieta começou o mestrado (EA, p. 180).

Além das aprendizagens reveladas nesses diferentes contextos de formação, os pianistas colaboradores contam sobre o que aprenderam na prática do trabalho.