• Nenhum resultado encontrado

FUGURA 3 – Categorias da investigação: os modos de ser e agir do pianista colaborador

5.2 A ATUAÇÃO PROFISSIONAL: AGIR COMO PIANISTA COLABORADOR 103

5.2.2 Habilidades, conhecimentos profissionais e características psicológicas 107

 

  Por um lado, as provas de concurso público delimitam um corpo de habilidades e conhecimentos profissionais que são definidos previamente e refletem o perfil profissional e a política da escola em relação aos profissionais que nela ingressam. Por outro, evidenciam os sujeitos pianistas entrevistados, essas habilidades e conhecimentos vão além dos limites das provas, sendo necessários para atuar nos mais variados espaços e situações do trabalho. No

seu cotidiano, os pianistas colaboradores são desafiados a vencer dificuldades e a adquirir outras habilidades e conhecimentos.

As habilidades mais citadas pelos pianistas são o domínio técnico do piano e a leitura à primeira vista. Para Mirela, essas habilidades definem o pianista colaborador e diferenciam a sua atuação de outras ocupações no campo da música. Ao comentar sua opinião, Mirela descreve a situação vivenciada com uma aluna que lhe perguntou sobre a formação e atuação do pianista colaborador no CEP-EMB:

Um correpetidor tem que saber tocar piano. “Outra coisa”, eu falei pra ela... “vamos dizer assim: às vezes um professor de piano, ou uma pessoa que toca muito bem o piano, você dá uma partitura. Ele leva pra casa, estuda e daqui um tempo ele traz. Ele tem que olhar. A gente não. A gente abre uma partitura e toca na mesma hora! Tá certo que pode levar pra casa e depois, ao longo do semestre, [vai aprimorando]. Vamos dizer, um concerto: a gente vai estudando, preparando melhor. Ainda assim, é uma coisa que a gente lê [...] e toca à primeira vista. À prima vista. É assim!” (EM, p. 163-164, grifos nossos).

A entrevistada acrescenta a importância da leitura simultânea de várias vozes ou instrumentos numa grade, em que é possível “saber onde que o outro está, o que ele está fazendo” (EM, p. 163).

Clara, concordando com Mirela, reforça a necessidade de desenvolver a leitura à primeira vista e justifica-a como uma habilidade que otimiza os ensaios com o solista: “É importante! Porque o músico já vem, muitas vezes, com a peça pronta [...]” (EC, p. 213).

Quanto ao trabalho com os corais, Solange comenta que “seguir uma regência” é uma habilidade que precisa ser desenvolvida pelo pianista colaborador e implica o entendimento das técnicas gestuais do maestro e sua execução ao piano (ES, p. 132). Nessa atuação em corais, Paiva (2008, p. 12) acrescenta que as interações entre pianista, maestro e cantores constituem o “núcleo coral” e são importantes para o desenvolvimento do trabalho musical. Estratégias específicas são propostas para reduzir grades e realizar a interpretação musical de algumas obras corais (PAIVA, 2008). A habilidade de executar grades de orquestra é essencial para Rafaela, que sugere tocar “reduções” e “adaptações” para vencer a complexidade percebida nesse tipo de escrita musical (ER, p. 89-90).

O domínio da técnica do piano é uma habilidade importante e amplamente defendida por estudos já realizados (KATZ, 2009; PORTO, 2004; IMBRÓSIO, 2001). Adler (1965), por exemplo, defende que o pianista colaborador deve ser capaz de tocar os acompanhamentos coerentes com os diversos estilos musicais (romantismo, barroco, impressionismo). Em outras ocasiões, as inúmeras reduções de concertos possuem efeitos variados de timbres que devem

ser imitados pelo pianista ao acompanhar o músico, e seu resultado depende da destreza ao piano (KATZ, 2009). Sobre o domínio técnico do piano, Solange considera importante reservar momentos distintos entre o estudo do repertório em conjunto – a ser executado com os alunos – e o estudo da técnica individualizada do piano.

As habilidades, segundo os pianistas, também estão relacionadas ao tipo de repertório que é vivenciado em espaços da música popular e da música erudita. Nesse sentido, Mirela comenta que tocar um choro foi uma experiência nova, quando teve de ler as cifras. Ela observa que havia “um jeitinho de tocar” e um “encadeamento” que são importantes para o pianista colaborador que atua no contexto da música popular (EM, p. 165).

Eleonore e Dinorá comentam sobre a necessidade de conhecer o funcionamento dos outros instrumentos musicais. Esse conhecimento, segundo Dinorá, ajuda a compreender as dificuldades técnicas enfrentadas pelos alunos durante a execução de seus instrumentos musicais (ED, p. 114). Para Eleonore, o conhecimento mencionado se complementa com a habilidade do pianista colaborador em perceber as diferenças de afinação entre os instrumentos não temperados e o piano (EE, p. 222). Adler (1965) também defende esse tipo de conhecimento e destaca que os instrumentos musicais (incluindo a voz) têm um mecanismo comum de produção sonora que depende de três estruturas fundamentais: o energizador, o vibrador e o ressonador. Ao identificar essas partes, o pianista colaborador pode auxiliar o músico a aperfeiçoar sua técnica e, por consequência, a interpretação musical (ADLER, 1965).

Quando se trata de atuar com os cantores cujo repertório é essencialmente vocal, os pianistas colaboradores consideram importante ter conhecimentos sobre as línguas estrangeiras, especialmente quanto à dicção e à fonética próprias. Esses conhecimentos, segundo Dinorá, possibilitam ao pianista colaborador corrigir a pronúncia do cantor. Ela destaca, também, que saber traduzir o texto auxilia a interpretação musical. Clara acrescenta o conhecimento do aparelho fonador como importante para compreender as “possibilidades” e “limitações” na prática do canto (EC, p. 213).

Investigações anteriores também destacam esses conhecimentos no trabalho do pianista colaborador com os cantores. A natureza desses conhecimentos é essencialmente linguística e bioacústica (CORCORAN, 2011; KATZ, 2009; PORTO, 2004; RICH, 2002; ADLER, 1965).

Ao cantar, o músico transmite as ideias e os sentimentos que estão no texto. Nesse sentido, segundo Katz (2009), a dicção e a fonética garantem a clareza da comunicação e, por isso, o pianista colaborador deve trabalhá-las junto ao cantor. A maior parte do repertório

lírico vocal é escrito nas línguas de origem latina (latim, italiano, espanhol) e anglo-saxônica (alemão e inglês). No entanto, o pianista colaborador tem aprendido outras línguas – russo, tcheco, hebraico, polonês e húngaro (CORCORAN, 2011, p. 87). Esse fato sugere que outros repertórios têm sido cantados, sinalizando uma diversidade cultural, estética e musical que exige novas formas de profissionalização do pianista colaborador. Este tem aprendido as línguas em diversas situações: na escola ou em aulas particulares; no próprio trabalho de coaching com o cantor; em livros, áudios e mídias; em viagens; e pela vivência em países nativos (CORCORAN, 2011, p. 88).

Ao trabalhar a pronúncia do texto com o cantor, o pianista colaborador deve ter conhecimentos e utilizar o Alfabeto Fonético Internacional como uma referência (ADLER, 1965, p. 43-45). O referido documento, segundo o autor, apresenta a padronização de uma série de elementos linguísticos (vocais, semivogais e consoantes, por exemplo) e evita a dubiedade de sons (ADLER, 1965).

Os conhecimentos de natureza bioacústica referem-se ao entendimento acerca do aparelho fonador e da respiração que pode otimizar a emissão e a técnica do canto (RICH, 2002). Ao trabalhar com o cantor, o pianista deve ter cuidados redobrados porque a voz é parte integrante da composição biofísica do indivíduo. O professor de canto é um profissional que pode orientar questões sobre a saúde vocal e deve ser consultado sempre que necessário (RICH, 2002).

O conhecimento do repertório de conjunto é necessário para Solange, Clara e Antonieta. Segundo Solange, a familiaridade com o repertório facilita a execução musical ao piano. Sobre esse assunto, Antonieta diferencia e define dois conhecimentos: (1) de repertório, que o pianista colaborador pode escutar por meio de gravações e concertos, sem necessariamente ter tocado ao piano; e (2) do “próprio portfólio”, que são as músicas que o pianista já estudou, tocou e incorporou ao seu background de literatura musical (EA, p. 186). Para enriquecer o conhecimento sobre essa literatura musical, Moore (1984, p. 31) sugere que o pianista colaborador organize um acervo particular que possa consultar durante o trabalho.

Ao refletir sobre sua atuação profissional, Dinorá comenta que os conhecimentos e habilidades da profissão são diversificados, ou seja, ser pianista colaboradora representa mais do que dominar o piano: o profissional deve reunir a maior quantidade de informações possível sobre o que ele toca como estratégia para valorizar a aprendizagem musical do aluno. Em suas palavras, é uma “forma de apoio” à preparação do repertório com o aluno (ED, p. 112).

Além dos conhecimentos e habilidades destacados, os pianistas apontam características psicológicas que são desejáveis ao profissional: paciência, flexibilidade e sensibilidade. Clara sugere que essas características pessoais emergem das “relações interpessoais” entre o pianista colaborador, os alunos e demais profissionais da escola (EC, p. 208). Para ela, as interações no trabalho exigem uma sensibilidade do pianista colaborador para refletir sobre seus limites de atuação; ela aponta o contexto da orquestra e a relação entre o maestro e o spalla42 como metáfora:

Não. No momento que o professor está [com o pianista]... Eu acho que o pianista acompanhador tem que ser sensível [...] É a relação interpessoal: você tem que sentir até onde pode ir! É como um maestro novo numa orquestra. Ainda que você seja spalla, até onde você pode ir com esse maestro? É a mesma coisa o pianista acompanhador. (EC, p. 208).

Para Solange, a preocupação com o bem-estar psicológico, físico e emocional do aluno exige uma postura compreensiva de sua parte, o que influencia seus modos de ser e agir. Segundo a entrevistada, “não adianta insistir” se o aluno está “um pouquinho gripado”, “não dormiu direito” ou “está depressivo” (ES, p. 132-133). Ela percebe, também, que um eventual estado de ansiedade em alunos e professores e as diferenças de nível musical entre os alunos devem estimular algumas características no pianista colaborador: manter a calma e ser adaptável em cada situação.

A flexibilidade na interpretação musical, segundo Rafaela, é desejável para desempenhar a profissão. Essa característica está relacionada à receptividade de ideias e é reflexo das interações e da interpretação musical ensinada pelos professores de instrumento e pelo pianista colaborador:

Na nossa função, principalmente aqui na Escola de Música, a gente deve ter muita flexibilidade porque tocamos para os professores. Às vezes, eles tem opiniões divergentes, mesmo! O aluno acha que deve tocar de um jeito! No outro semestre, você pega o mesmo repertório, o professor acha que ele tem que tocar não daquele jeito... De um jeito totalmente diferente! Então... (ER, p. 90, grifos nossos).

As características psicológicas junto aos conhecimentos e às habilidades compõem os modos de ser e agir dos pianistas colaboradores na profissão e delimitam a cultura profissional do grupo. Tais elementos são desenvolvidos ao longo do tempo e emergem de                                                                                                                

42 Em italiano, o termo significa “ombro”. Segundo o Dicionário Houaiss, o spalla é o primeiro violino da

orquestra que é responsável pela afinação da orquestra e frequentemente executa solos. Ele pode atuar como regente substituto do grupo e, por isso, seu posto exige responsabilidade e comprometimento com o trabalho. SPALLA. In: HOUAISS, Antonio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009.

diferentes espaços e situações para os quais os pianistas colaboradores são requisitados no CEP-EMB.