• Nenhum resultado encontrado

FUGURA 3 – Categorias da investigação: os modos de ser e agir do pianista colaborador

5.1 AS TRAJETÓRIAS PESSOAIS E FORMATIVAS: SER PIANISTA COLABORADOR

5.1.1 Iniciação musical no piano 84

 

  A iniciação musical representa as primeiras experiências diretas dos pianistas entrevistados com o mundo da música e do piano, gerando sentidos e subjetividades que delimitam e impulsionam os seus modos de ser e agir. Em diferentes situações da vida, eles contam como surgiu o interesse em estudar piano, a necessidade em adquirir o instrumento, as influências da família, dos amigos e da Igreja e o incentivo de professores nessa trajetória musical.

Ao lembrarem e contarem suas lembranças da infância em contexto familiar, os pianistas entrevistados revelam diferentes formas de iniciação musical que convergem para o interesse e a identificação com a música e com o piano. Esses elementos se evidenciam quando Janaína admite que sempre foi “aficionada por música” (EJ, p. 3); Breno reconhece

que “nasceu gostando de piano” (EB, p. 38); Rafaela descobre a beleza do piano quando ouve pela primeira vez o concerto n. 1 de Tchaikovsky (ER, p. 77); e Solange aponta sua “admiração pelo instrumento” (ES, p. 117). O despertar para o mundo da música foi acompanhando pelo desejo de tocar o piano e desencadeou os processos de iniciação musical.

Em alguns casos, o desejo pessoal pela música era compartilhado por familiares que eram apreciadores da arte musical, já tocavam o piano ou algum outro instrumento. Eventualmente a iniciação musical era facilitada pela presença do piano nos lares de alguns entrevistados. Os relatos de Rafaela e Clara ilustram a riqueza e as particularidades da influência familiar que proporcionava condições favoráveis à iniciação ao piano:

Mas eu tenho um tio que fez arquitetura e trabalha na Caixa Econômica como engenheiro. Ele gostava muito e gosta, ainda, de música clássica, a erudita, né? E levava! Sempre que [ele] podia, levava alguma coisa e deixava pra gente [ouvir]. E aí eu acho que [...] uma vez eu escutei o concerto n. 1 de Tchaikovsky, e achava lindo aquilo lá! E eu falei pra minha mãe: “Eu quero aprender esse instrumento aqui! [o piano]” [...] Aí ela começou a pagar aula particular pra mim. E depois comprou um piano! (ER, p. 77, grifo nosso).

Uma prima tinha um piano, e eu ficava mais em seu piano [...] do que ela, né! E aí, as musiquinhas que tinha lá no livrinho, tinha o nome, e aí tinha... a letrinha na tecla, e o negócio lá. E aí eu ficava tocando todas as peças! Quando a gente se encontrava, [eu] ficava o tempo inteiro no piano [tocando]. E às vezes, as pessoas cantavam e eu tirava muito! Aí minha prima falou pra minha mãe: “Coloca ela pra estudar, né!?” E foi assim! (EC, p. 198).

Esses relatos confirmam a importância do apoio recebido da família. Por exemplo, a convivência de Rafaela com o tio lhe permitiu desenvolver o hábito de escuta e o gosto pela “música clássica”, que despertaram o interesse pelo piano. Clara tinha a oportunidade de tocar piano na casa da prima. Os encontros familiares, aparentemente despretensiosos, despertaram a curiosidade pelo instrumento e favoreceram aprendizagens importantes, como “tirar” as músicas por ouvido enquanto “as pessoas cantavam” (EC, p. 198).

Os profissionais pianistas entrevistados relatam que a religiosidade da família e as visitas frequentes à Igreja oportunizaram experiências musicais que também tiveram influência na iniciação e nos estudos sequenciais. Eleonore, por exemplo, destaca a importância da música na “parte litúrgica” das celebrações e revela que a admiração pelos pianistas que tocavam nos “congressos da própria Igreja” aumentou seu desejo de aprender piano (EE, p. 217).

Por vezes, a influência e o incentivo vinham do professor. Eleonore admitiu que pensou em abandonar os estudos em determinada fase de sua vida. Mesmo assim, ao mudar de cidade e procurar um conservatório, ela lembrou das palavras da nova professora que lhe

ouviu tocando: “Não! Você tem que aproveitar o dom que Deus te deu. Você tem que fazer Música! [...]” (EE, p. 219, grifo nosso). Essa professora foi uma inspiração pessoal e teve um papel fundamental na vida de Eleonore: estimulou-a a continuar os estudos.

A aquisição de piano foi aspecto bastante citado quando os pianistas falaram da iniciação musical e dos primeiros anos de estudo. Todos consideram que ter um piano no próprio domicílio facilitou as lições e a técnica a serem aprendidas. Aqueles que não tinham o instrumento buscavam pessoas conhecidas que o tivessem e que permitissem o estudo em suas residências, proporcionando boas condições de aprendizagem pianística.

As dinâmicas de iniciação musical dos pianistas apontaram diferentes condições que mobilizaram os estudos e sinalizaram algumas características que iriam delimitar seus modos de ser e agir na profissão: tocar em público, acompanhar os músicos e realizar leituras à primeira vista ao piano. Solange, por exemplo, lembra das apresentações que fazia aos finais de ano e de semestre, quando a professora levava todos os alunos a tocarem no auditório da escola, que ficava repleto de crianças e seus familiares. “Tocar no piano de cauda” e “escolher a peça mais bonita” eram oportunidades únicas de mostrar os resultados das aulas aos familiares (ES, p. 123) e, ao mesmo tempo, confirmavam essas características dos modos de ser e agir que emergiam nos pianistas desde o início de sua formação.

Nessa fase de iniciação ao piano, Breth (2010) defende que os alunos, especialmente crianças, toquem repertório de música de câmara. Segundo a autora, algumas composições musicais têm sido publicadas e, por isso, podem servir de material pedagógico para o professor ensinar a música de câmara. A importância em contemplar esse tipo de repertório em fases iniciais da formação vai ao encontro do que constata Graves (2003): ao entrevistar os alunos recém-ingressados na graduação, identifica que somente 10% deles trabalharam com repertório de música de câmara antes da universidade.

Nessa fase de iniciação musical, ao destacarem o apoio da família para estudar piano, os pianistas colaboradores revelam diferentes contextos de formação em piano.