• Nenhum resultado encontrado

FUGURA 3 – Categorias da investigação: os modos de ser e agir do pianista colaborador

4.4 O PROCESSO DE COLETA DE DADOS 61

4.4.4 Os procedimentos éticos adotados 74

 

Frequentemente, os debates sobre a ética têm reconhecido que as investigações e, especificamente, as ações do investigador em campo produzem repercussões consideráveis nas vidas dos sujeitos investigados (STAKE, 2011; CRESWELL, 2010; GIBBS, 2009; SILVERMAN, 2009; BELL, 2008; ROSA; ARNOLDI, 2008; FLICK, 2012). Essa preocupação com a ética têm emergido de forma notória nas investigações qualitativas devido às seguintes características: o objeto de investigação são seres humanos e o investigador permanece por mais tempo em campo, estabelecendo relações mais próximas com os sujeitos.

Na dimensão social, as investigações devem objetivar o bem estar social e privilegiar práticas benéficas aos participantes. No entanto, eles podem não se beneficiar da investigação, o que desperta reflexões éticas sobre as práticas investigativas e os limites da atuação do investigador em campo (STAKE, 2011). Em minha prática investigativa percebi que o tempo gasto pelos pianistas colaboradores em conceder as entrevistas deveriam gerar-lhes benefícios. Nesse sentido, me coloquei totalmente à disposição para esclarecer dúvidas e informar-lhes sobre todos os procedimentos realizados com os dados, como o sigilo e o armazenamento de dados e a forma de redação do texto final. Essas informações ocorreram, principalmente, via email e por telefone.

Toda investigação social põe em contato o investigador e os investigados, evidenciando alterações no ambiente natural. Nessa perspectiva, Stake (2011) alerta para os riscos de invasão de privacidade das pessoas e levanta questionamentos sobre a relevância da investigação e como os resultados podem melhorar a vida social (STAKE, 2011). Essas questões representam um quadro complexo para o investigador, que deve justificar suas ações e assegurar que os sujeitos não estão sendo prejudicados (STAKE, 2011). Esse risco de invasão da privacidade ampliou meu cuidado com os pianistas colaboradores. A elaboração do roteiro de entrevista me auxiliou a refletir sobre o que lhes perguntar. Ao mesmo tempo, assegurei-lhes que poderiam se recusar a responder qualquer pergunta, evitando a invasão de privacidade.

Ao discutir os dilemas éticos, alguns autores sugerem procedimentos que asseguram a proteção aos Direitos Humanos e que valorizem o bem estar psicológico, emocional, físico, moral e social do indivíduo: o consentimento livre, a previsão de riscos, a confidencialidade e o anonimato, e a produção de benefícios aos sujeitos investigados (CRESWELL, 2010; GIBBS, 2009; SILVERMAN, 2009; ROSA; ARNOLDI, 2008).

Na educação musical, os debates e desafios sobre a ética nas investigações também são complexos e diversificados (AZEVEDO et al., 2005). Os diversos contextos de ensino e aprendizagem da música aproximam o investigador do investigado e despertam reflexões semelhantes na literatura. Além dos princípios comuns a quaisquer investigações que envolvem seres humanos, as autoras destacam questões de natureza epistemológica e de direitos autorais, que são peculiares à educação musical (AZEVEDO et al., 2005).

Nesta investigação, foram adotados os seguintes procedimentos éticos: a autorização institucional para realizar a investigação; o consentimento livre antes das entrevistas; o uso de pseudônimos para publicar os resultados; a escolha de local adequado para garantir o sigilo sobre a conversa; o armazenamento e a proteção aos dados gerados pelas entrevistas; a garantia dos entrevistados se recusarem a responder qualquer pergunta que considerassem inadequada e o direto de desistir da investigação em qualquer etapa e por qualquer motivo.

Embora o consentimento livre seja um procedimento bastante recomendado na literatura e condição fundamental para os comitês de ética das universidades aprovarem projetos de pesquisa, há algumas controvérsias sobre sua eficácia. Até que ponto os sujeitos podem consentir, avaliar e identificar as implicações de sua participação nas investigações são questionamentos suscitados por alguns autores (CRESWELL, 2010; SILVERMAN, 2009; ROSA; ARNOLDI, 2008; BELL, 2008).

Considerando essas controvérsias, nesta investigação, as informações sobre os procedimentos a serem adotados nas entrevistas foram explicitados pessoalmente e em detalhes. Ao fim das entrevistas, eu solicitei que os pianistas colaboradores assinassem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (APÊNDICE B).

A confidencialidade e o anonimato são medidas necessárias para proteger a identidade dos sujeitos investigados na publicação dos resultados. Quando se trata da pesquisa qualitativa, no entanto, Gibbs (2009) e Bell (2008) alertam que a natureza descritiva dos dados e a valorização das situações e dos sujeitos em contextos específicos dificultam essa proteção e podem representar um desafio para o investigador, conforme ilustra Bell (2008) no exemplo a seguir:

Também pode haver dificuldades com relação à confidenciabilidade. Se, no seu relatório você fala sobre o diretor de Recursos Humanos ou o chefe do Departamento de Literatura, estará imediatamente identificando os indivíduos citados. Se inventa um pseudônimo ou um código, ainda pode ser fácil para os leitores a identificação da pessoa ou da instituição referida (BELL, 2008, p. 47-48).

Somando-se a isto, nas investigações em que a coleta de dados ocorre em local de trabalho, segundo Gibbs (2009), é difícil ocultar a identidade dos sujeitos para determinados leitores. Este é o caso desta investigação cujo contexto investigado é o local de trabalho do investigador. Em função da problemática desta investigação, foi necessário explicitar esse contexto. Na ocasião das entrevistas, tal situação foi esclarecida aos sujeitos.

Apesar dessa dificuldade em manter a confidencialidade e o anonimato, Taylor e Bogdan (1998) alertam que o uso do nome real pode causar constrangimentos ao entrevistado e tem implicações legais caso não seja observada a legislação. Além disso, nem todos os sujeitos da investigação concordaram em publicar seus nomes reais e, por isso, foram utilizados pseudônimos na publicação dos resultados.

Foi garantido, ainda, o direito dos entrevistados em acompanhar as etapas da investigação subseqüentes às entrevistas. Para isso, adotei três procedimentos: (1) a apresentação, aos pianistas colaboradores, do texto com a entrevista literalmente transcrita; (2) o envio da análise das entrevistas com as categorias previamente organizadas e (3) o envio de versão preliminar do texto com os resultados e as citações de suas falas. De acordo com a literatura, permitir que os entrevistados acompanhem tais procedimentos aumenta a confiabilidade e validade dos dados (GIBBS, 2009) e envolve os entrevistados na interpretação de significados socialmente construídos (HOLSTEIN, GUBRIUM, 2002). Além disso, o retorno dos benefícios da investigação é um princípio ético: informar os participantes sobre as formas de tratamento dos dados os permite avaliar o que é desejável destacar na publicação dos resultados, evitando constrangimentos de qualquer natureza e a invasão de privacidade (STAKE, 2011; CRESWELL, 2010).

Após o cumprimento de todas as etapas descritas acima, solicitei autorização para publicar alguns trechos das entrevistas por meio da Carta de Cessão de Direitos (APÊNDICE F).

4.5 A ANÁLISE E A INTERPRETAÇÃO DOS DADOS  

As entrevistas foram literalmente transcritas a partir das gravações em áudio. Tal procedimento visou à fiel representação do contexto das entrevistas, em suas dimensões