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FUGURA 3 – Categorias da investigação: os modos de ser e agir do pianista colaborador

4.2 O ESTUDO DE ENTREVISTAS 56

particularidades dos sujeitos: valorizam-se a “singularidade” e a “diversidade” (STAKE, 2011, p. 25).

Outras características complementam a definição da abordagem qualitativa. Os dados obtidos também são qualitativos: não se baseiam em configurações estatísticas, porém apresentam e privilegiam as descrições e a interpretação das realidades sociais investigadas (DESLAURIERS; KÉRISIT, 2008). O contato do investigador com o campo empírico é valorizado porque estimula a elaboração de novas questões reflexões e novas formas de conceber o objeto em estudo.

Desse modo, a abordagem qualitativa pressupõe a abertura e a flexibilidade metodológica do investigador para abarcar os novos elementos (que podem surgir do campo empírico e da teoria) e redefinir o delineamento da investigação (STAKE, 2011; CRESWELL, 2009; DESLAURIERS; KÉRISIT, 2008). Essa flexibilidade é pertinente, inclusive, no campo das ciências sociais pois reflete a condição temporal e contextual da realidade que é construída socialmente (MINAYO, 2012; DESLAURIERS; KÉRESIT, 2008).

No campo da educação musical, a preferência pela abordagem qualitativa é decorrente da natureza estético-filosófica e social de seu objeto: a música e suas práticas (FREIRE, 2010; BRESLER, 2007). Essas autoras destacam que as condições de produção e transmissão da música estão implicadas nas relações humanas e, por isso, a abordagem qualitativa deve privilegiar as subjetividades nas quais investigador e investigados produzem significados em colaboração.

Assim sendo, o objetivo dessa investigação - compreender como os pianistas colaboradores percebem seus modos de ser e agir na profissão no contexto do CEP-EMB exigiu considerar as dimensões subjetivas e interpretativas de suas percepções e, portanto, optou-se pelas abordagem qualitativa.

4.2 O ESTUDO DE ENTREVISTAS  

A entrevista é um instrumento de coleta de dados que tem sido amplamente empregado nas investigações em educação musical (BASTOS, 2010; LIMA, 2010; GALIZIA; AZEVEDO; HENTSCHKE, 2008; ALMEIDA, 2007, 2005; GALIZIA, 2007; GREEN, 2002). Esses autores, ao investigarem processos de ensino e aprendizagem musical em contextos variados, utilizaram entrevistas para destacar as opiniões e o pensamento na perspectiva de ambos os sujeitos – os que ensinam e os que aprendem. A natureza do

problemas investigados sinaliza a vantagem do estudo de entrevistas, pois permite obter o maior número de opiniões sobre um mesmo assunto (STAKE, 2011).

De modo semelhante, o delineamento metodológico desta investigação consistiu em um estudo de entrevistas para dar voz aos pianistas colaboradores e obter suas opiniões sobre si e sobre a atuação. Os modos de ser e agir dos pianistas colaboradores no CEP-EMB se configuram em meio às interações do trabalho. Assim, contemplar a diversidade de opiniões (semelhantes e/ou divergentes) revelou-se importante para compreender a cultura profissional do grupo como um todo. Dessa maneira, concebeu-se um estudo de entrevistas para alcançar o maior número de opiniões que considerassem os pianistas colaboradores enquanto grupo socialmente organizado na instituição. A abrangência de pontos de vista dificilmente seria alcançada em um estudo de caso, por exemplo, que privilegia o aprofundamento da unidade de caso e geralmente combina vários instrumentos de coleta de dados: entrevistas, observação e análise documental (GIL, 2010).

Nessa metodologia de estudo de entrevistas, a própria entrevista é instrumento de coleta de dados. Esse instrumento consiste em encontros entre duas ou mais pessoas cujo objetivo é a conversação sobre temas e objetivos previamente estabelecidos pelo investigador (BERG, 2001; HOLSTEIN; GUBRIUM, 2002). Esse diálogo origina-se de um contexto social que influencia tanto o entrevistador quanto o entrevistado. As interações resultantes dessa conversação evidenciam os diferentes papéis sociais que os sujeitos desempenham para se comunicarem (BERG, 2001).

A entrevista é considerada, também, um recurso que auxilia o investigador na compreensão do mundo social do entrevistado, pois evidencia as opiniões sobre a vida, as relações sociais e o contexto vivido (GASKELL, 2008). Esse instrumento de coleta de dados, segundo o autor, valoriza a experiência do investigado, visto como um sujeito que concebe sua própria realidade e o único capaz de descrevê-la. Em suas palavras:

O emprego da entrevista qualitativa para mapear e compreender o mundo da vida dos respondentes é o ponto de entrada para o cientista social que introduz, então, esquemas interpretativos para compreender as narrativas dos atores em termos mais conceptuais e abstratos, muitas vezes em relação a outras observações. A entrevista qualitativa, pois, fornece os dados básicos para o desenvolvimento e a compreensão das relações entre os atores sociais e sua situação. O objetivo é uma compreensão mais detalhada das crenças, atitudes, valores e motivações, em relação aos comportamentos das pessoas em contextos sociais específicos (GASKELL, 2008, p. 65).

Outras discussões na literatura são semelhantes ao que Gaskell (2008) define sobre entrevistas. A noção de um encontro em que se produzem perguntas e respostas deve ser

ampliada para uma perspectiva social: ambos entrevistador e entrevistado, ao interagir, assumem papéis distintos e, colaborativamente, produzem conhecimentos sobre o que é conversado (HOLSTEIN; GUBRIUM, 2002). Essa definição da entrevista sugere a adoção de procedimentos metodológicos além de fórmulas rígidas ou prescritivas, e que o investigador, ao conduzir a entrevista, deve mergulhar numa “prática interativa” (HOLSTEIN; GUBRIUM, 2002, p. 119).

As definições sobre entrevistas evidenciam que os autores têm identificado esse instrumento de coleta de dados por diferentes nomes: entrevista individual e grupal (GASKELL, 2008); entrevista episódica (FLICK, 2008); entrevista dramatúrgica (BERG, 2001); entrevista ativa (HOLSTEIN; GUBRIUM, 2002); entrevista em profundidade (TAYLOR; BOGDAN, 1998) e entrevista qualitativa (PATTON, 1990). A diversidade terminológica revela, também, os diferentes usos e formatos das entrevistas nas investigações qualitativas. Por exemplo, Holstein e Gubrium (2002) destacam quatro formatos de entrevistas: semi-estruturada, estruturada, entrevista de survey e entrevista ativa. Elas diferem quanto à maneira de conduzir a entrevista, em que o investigador faz intervenções e perguntas mais diretivas ou mais abertas (HOLSTEIN; GUBRIUM, 2002).

Essa diversidade de terminologias e de formatos, no entanto, mantém pontos em comum em qualquer tipo de entrevista. Conforme é apontado amplamente na literatura, os procedimentos (tipos de perguntas e intervenções) devem garantir as características da abordagem qualitativa: as subjetividades, as emoções e a interação (SZYMANSKI; ALMEIDA; PRANDINI, 2011; ROSA; ARNOLDI, 2008; GASKELL, 2008; HOLSTEIN; GUBRIUM, 2002; TAYLOR; BOGDAN, 1998; PATTON, 1990).

Ao reconhecer que a diversidade metodológica faz parte das investigações qualitativas, Poupart (2008) aponta argumentos nos quais os estudiosos têm se apoiado para legitimar e justificar o uso de entrevistas. Tais argumentos são de ordem “epistemológica”, “ético-política” e “metodológica”. No primeiro caso, sob o enfoque das ciências sociais, expressa-se o interesse em compreender as realidades das condutas dos atores sociais, e que essas realidades somente poderiam ser reveladas a partir daquilo que eles percebem e relatam em suas experiências. O argumento de ordem ético-política destaca e assume a entrevista como instrumento privilegiado para revelar os dilemas, as dificuldades e as práticas discriminatórias enfrentadas por determinados grupos sociais. Por último, o argumento metodológico aponta que as entrevistas permitem compreender as vivências dos atores a partir de suas próprias percepções, avaliações e interpretações da realidade social (POUPART, 2008).

No campo da educação, assim como em outros campos, a entrevista também tem a finalidade de revelar as emoções, sentidos e subjetividades produzidas e estimuladas pela situação interativa (SZYMANSKI; ALMEIDA; PRANDINI, 2011; MONTANDON, 2008; DUARTE, 2004). O amplo emprego desse instrumento de coleta de dados têm suscitado discussões sobre os conteúdos, as formas e o tempo das entrevistas para o investigador realizar as perguntas. Essas preocupações de ordem metodológica refletem a qualidade a validade das informações obtidas. Desse modo, o preparo do investigador é emergente e pode contemplar duas estratégias: a elaboração de um roteiro de perguntas e a realização de um estudo piloto (MONTANDON, 2008; DUARTE, 2004).

4.3 A ENTREVISTA PILOTO  

A realização de uma entrevista piloto me permitiu refletir sobre os objetivos da investigação, avaliar as adequações das perguntas formuladas no roteiro e me familiarizar com os procedimentos dessa técnica antes da entrada em campo. A entrevista piloto oportunizou, também, a previsão de algumas categorias que orientaram a nova formulação de perguntas. Essa etapa representa uma instrumentalização teórica e empírica para o investigador e, segundo Flick (2012), aumenta a qualidade da entrevista, a experiência do entrevistador e a fidedignidade dos resultados. Berg (2001) confirma a importância da entrevista piloto porque, ao treinar a técnica previamente à entrada em campo, o investigador pode “avaliar como a entrevista vai efetivamente funcionar e se o tipo de informação que é procurada será realmente obtida” (BERG, 2001, p. 80, tradução nossa15).

Nessa fase piloto, a pianista colaboradora foi escolhida de acordo com os seguintes critérios: (1) trabalhar ou ter ampla experiência nessa atividade – a colaboração musical; (2) não atuar na instituição investigada para que não comprometesse a coleta de dados e (3) concordar em participar da entrevista.

Livres16, a pianista que gentilmente aceitou o convite, é licenciada em Educação Artística com habilitação em Música e concluiu a pós-graduação lato sensu em “Técnicas em Expressão”. Além disso, realizou o curso técnico completo em piano pelo conservatório em que estudou na adolescência e o bacharelado incompleto no mesmo instrumento. Sua

                                                                                                               

15

[...] to assess how effectively the interview will work and whether the type of information being sought will actually be obtained (BERG, 2001, p. 80).