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FUGURA 3 – Categorias da investigação: os modos de ser e agir do pianista colaborador

4.4 O PROCESSO DE COLETA DE DADOS 61

4.4.3 O planejamento e a condução das entrevistas 67

Conforme visto na subseção 4.2, as entrevistas são permeadas de possibilidades metodológicas. No entanto, garantir o foco e não invadir a privacidade dos entrevistados é um dever ético do investigador e, por isso, a literatura destaca a necessidade e importância do planejamento por meio de um guia ou roteiro de perguntas que oriente os temas e as perguntas que devam ser abordados pelos entrevistadores. As perguntas, alertam os autores, devem responder ao problema proposto (FLICK, 2012; GASKELL, 2012; ROSA; ARNOLDI, 2008; MONTANDON, 2008; TAYLOR; BOGDAN, 1998; PATTON, 1990). Desse modo, o roteiro de perguntas auxilia na clareza dos objetivos de pesquisa e contribui para o preparo do investigador (MONTANDON, 2008; DUARTE, 2004).

No entanto, Rosa e Arnoldi (2008) alertam que o roteiro não precisa trazer perguntas diretivas e fechadas e tampouco o investigador precisa seguir uma ordem rígida e prescritiva. A postura do investigador deve refletir uma abertura aos assuntos que o entrevistado aborda ao longo da entrevista. As autoras recomendam, também, que as informações objetivas sobre os participantes da investigação podem ser coletadas em um documento à parte.

Contrariamente a Rosa e Arnoldi (2008), outros autores definem que o roteiro de entrevista consiste numa “[...] lista de perguntas ou questões que poderão ser exploradas no curso da entrevista” (PATTON, 1990, p. 283, tradução nossa27). Na opinião do autor, a finalidade desse recurso é assegurar que o investigador entreviste um grande número de pessoas a partir de uma base comum. A principal vantagem é dispor de um arsenal de perguntas que permita o entrevistador avaliar quando, como e o que questionar ao sujeito (PATTON, 1990).

Taylor e Borgan (1998) têm ideias semelhantes a Patton (1990) sobre o roteiro de entrevista servir como um apoio ao investigador e lhe permite tomar decisões sobre os rumos da investigação. A coerência do roteiro com os fins e objetivos da investigação refletem, segundo Gaskell (2012), a boa preparação teórico-metodológica do investigador. Em sua opinião, o roteiro tem um papel decisivo e deve articular os conhecimentos sobre a literatura estudada com alguns dados preliminares do campo empírico e a criatividade do investigador (GASKELL, 2012).

                                                                                                               

Diversos elementos podem ser utilizados para elaborar o roteiro. Entre eles, destacam- se: as discussões teóricas sobre o objeto de estudo; a experiência empírica do investigador e a combinação de ambos (FLICK, 2012). Em minha trajetória formativa como pesquisador, as discussões teóricas em disciplinas específicas do mestrado, orientações, seminários e nos congressos da Associação Brasileira de Educação Musical (ABEM), da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música (ANPPOM) e do Simpósio Brasileiro de Pós- Graduandos em Música (SIMPOM) contribuíram para a socialização de conhecimentos sobre a pesquisa em educação musical, a epistemologia da área, suas metodologias e, mais especificamente, para o amadurecimento de meu projeto de pesquisa. Tais conhecimentos combinaram-se com pesquisas de campo pontuais nas disciplinas do mestrado, ampliando minha experiência empírica como pesquisador.

Nesta investigação, ao elaborar o roteiro de entrevistas, articulei elementos teóricos com a minha experiência na prática. O roteiro foi utilizado como uma estratégia de planejamento das perguntas e como ferramenta de apoio ao investigador durante as conversas com os pianistas colaboradores (APÊNDICE A). No entanto, nas entrevistas, as perguntas não seguiram a mesma ordem nem foram contempladas integralmente nas entrevistas. As novas temáticas e comentários apontados pelos pianistas foram valorizados e todos esses princípios evidenciaram a coerência da flexibilidade do investigador com a abordagem qualitativa.

O roteiro de entrevista permite ao investigador refletir sobre as relações e a pertinência entre as perguntas que faz e os objetivos aos quais se propõe na sua investigação. Essa preocupação é compartilhada por Montandon (2008), quando aponta a utilização crescente das entrevistas em pesquisas qualitativas. A autora defende que o preparo sobre o conteúdo e a forma das perguntas é importante para validar os dados coletados, aumentar a confiabilidade e trazer novos conhecimentos ao campo epistemológico (MONTANDON, 2008).

Além da coerência do roteiro de perguntas com os objetivos da investigação, os autores reconhecem a importância da clareza de comunicação entre os sujeitos envolvidos e, por isso, sugerem diferentes estratégias e a elaboração de perguntas de naturezas distintas. Por exemplo, as “perguntas de duas-partes” e as “questões complexas” devem ser evitadas (BERG, 2001, p. 79, tradução nossa28). Para esse autor, essas perguntas trazem confusão ao raciocínio do respondente. Em sua opinião, a capacidade do entrevistador em realizar perguntas em sequência ajudam a comunicação e auxilia o entrevistado na organização do discurso.

                                                                                                               

A diversidade de perguntas é confirmada por Patton (1990, p. 290-294), que as classifica em: perguntas de experiência e comportamento, perguntas sobre opiniões e valores, perguntas sobre sentimentos, perguntas sobre conhecimento, perguntas sensoriais, perguntas de background, perguntas de períodos de tempo delimitados e perguntas seqüenciais29. Desse modo, o entrevistador precisa saber o que e como perguntar durante a entrevista (PATTON, 1990).

Essa diversidade de questionamentos que podem ser contemplados nas entrevistas são confirmados por Rosa e Arnoldi (2008, p. 48), quando relacionam esses questionamentos a sete estratégias distintas: o silêncio; a animação e elaboração; a reafirmação e repetição; a recapitulação; o esclarecimento; a alteração de tema e a pós entrevista. As estratégias são adotadas pelo investigador conforme ele avalia suas interações com o entrevistado e a motivação desse em falar sobre os temas.

Para avaliar minhas interações com os entrevistados e suas motivações em falar, busquei observar suas ações, emoções, a entonação de voz e a ordem dos assuntos abordados por eles. Esses elementos foram registrados em notas de campo30, que me auxiliaram a tomar decisões sobre como conduzir cada entrevista.

Nesta investigação, cada entrevista aconteceu de modo particular e refletiu os mundos sociais dos pianistas, suas opiniões e suas percepções sobre a realidade. Conforme as diferentes reações dos entrevistados, eu segui determinado caminho no roteiro ou adotei mudanças que os estimulassem a ampliar explicações, comentários e ideias. Por vezes, ao identificar assuntos distantes de meus objetivos investigativos, eu fiz perguntas que estimulassem novos assuntos.

Antes das entrevistas, procurei conversar com os pianistas colaboradores sobre assuntos informais do dia-a-dia. Esse procedimento visa à obtenção de confiança entre entrevistador e entrevistado e à criação de um clima favorável à entrevista (SZYMANSKI; ALMEIDA; PRANDINI, 2011).

Em seguida, realizei os procedimentos de esclarecimento: a temática e os objetivos da investigação, a metodologia a ser empregada, a previsão de tempo necessário à entrevista (entre 45 minutos e 1 hora), e o uso de um roteiro de entrevistas (APÊNDICE A).

Solicitei, ainda, a permissão para gravar as entrevistas em áudio. Segundo Gibbs (2009), a gravação é vantajosa porque permite registrar todos os detalhes que asseguram a                                                                                                                

29 Experience and behavior questions; opinion/values questions; feeling questions; knowledge questions; sensory

questions; background questions; the time frame of questions and the sequencing of questions (PATTON, 1990, p. 290-294)

confiabilidade dos dados (GIBBS, 2009). Outros autores alertam que nem todo entrevistado aceitará ser gravado e que a presença do gravador “pode às vezes inibir respostas honestas” (BELL, 2008, p. 141). De modo semelhante à opinião de Bell (2008), alguns pianistas colaboradores sinalizaram preocupação e desconforto com o gravador, questionando o seu uso. Nessas situações, justifiquei que o instrumento seria utilizado: (1) para fins didáticos de facilitar a transcrição e (2) por facilitar a condução da entrevista sem interromper o que fosse falado pelos pianistas colaboradores. Além disso, segundo Taylor e Bogdan (1998) e Gibbs (2009), entrevistas são técnicas de investigação detalhadas e resultam em muitos dados e, por isso, o investigador não deve confiar integralmente na memória (TAYLOR; BOGDAN, 1998; GIBBS, 2009). Esses autores acrescentam, ainda, que o gravador registra todos os detalhes da interação: o conteúdo verbal e as emoções, constituindo um instrumento que aumenta a precisão dos dados e a confiabilidade da investigação.

A primeira entrevista foi concedida em 08 de novembro de 2012, e a última em 13 de março de 2013. O tempo de cada encontro variou e a opção por encerrá-lo acontecia quando: (1) se notava algum cansaço do entrevistado ou (2) as falas se tornavam repetitivas, sugerindo a saturação dos dados. Esse cuidado com o tempo é uma estratégia metodológica e ética importante sugerida por alguns autores que recomendam o bom senso no avanço ou na interrupção da entrevista, respeitando-se o bem estar do sujeito e sua disponibilidade de tempo para prosseguir (BERG, 2001; TAYLOR; BOGDAN, 1998).

Para manter a confiança dos entrevistados, Taylor e Bogdan (1998) recomendam que, durante as entrevistas, o pesquisador adote quatro princípios: (1) não julgar ou emitir opinião moral sobre o entrevistado; (2) deixá-lo falar para não interromper o raciocínio; (3) prestar atenção no que ele fala para avaliar exatamente o que e como perguntar e (4) ser sensível para saber quando seus comentários serão adequados ao entrevistado (TAYLOR; BOGDAN, 1998). Desse modo, busquei valorizar as opiniões dos pianistas colaboradores e aprofundei temas que tivesse relação com a investigação. Eventualmente, eu também tecia comentários sobre algo que me fosse solicitado ou questionado pelos pianistas colaboradores. Minha intervenção sobre as falas dos entrevistados ocorreu apenas para esclarecer dúvidas, aprofundar temas, lembrar de acontecimentos ou ajudá-los a focalizar nos objetivos da investigação.

Os dias e horários das entrevistas foram marcados conforme a disponibilidade dos pianistas colaboradores e a minha. A maioria das entrevistas foi marcada em dias úteis para não interferir nos compromissos dos pianistas colaboradores em fins de semana. Os horários

foram bastante variados: sete entrevistas (63,63%) foram concedidas em período vespertino, duas (18,18%) no matutino e uma no noturno.

A localização das entrevistas em relação aos meses do ano foram distintas. Nove entrevistas (81,8%) aconteceram nos dois últimos meses de 2012. Outras duas pianistas concederam entrevista no ano seguinte: uma em fevereiro e a outra em março de 2013. Tal fato evidencia que o recesso escolar na instituição dificultou o contato e o acesso aos pianistas colaboradores e, por isso, a coleta de dados foi retomada quando o CEP-EMB iniciou o período letivo do calendário escolar, que correspondeu ao mês de fevereiro de 2013.

Com relação à duração das entrevistas, a maioria foi de uma hora, aproximadamente. Neste aspecto, duas entrevistadas se distinguiram: a mais longa foi de 1 hora e 52 minutos e a mais curta, 25 minutos. A duração total das entrevistas foi de 12 horas e 9 minutos.

A escolha do local para as entrevistas ficou a critério dos pianistas colaboradores para que eles se sentissem mais a vontade. Recomendei, ainda, que eles considerassem ambientes pouco movimentados para evitar interrupções por pessoas e/ou eventos externos à nossa conversa. Cinco entrevistas (45,45%) ocorreram no local de trabalho dos pianistas colaboradores, o que evidenciou a comodidade de encontro entre estes e eu. Em três ocasiões (27,27%), eu fui convidado a ir à residência dos pianistas colaboradores, sendo que uma pianista preferiu o inverso – ir à minha.

A diversidade de locais, horários, duração e condições das entrevistas pode ser verificada na Tabela 1 a seguir:

Tabela 1 – Panorama geral das entrevistas

Pianista colaborador

Data Horário de

início

Duração Local

Janaína 08/11/2012 11:51 1h 09 min. Minha residência

Karina 30/11/2012 10:47 1h 01 min. Residência de Karina

Breno 01/12/2012 18:35 1h 10 min. Local público e aberto

Leela 04/12/2012 08:19 1h 10 min. CEP-EMB

Rafaela 05/12/2012 17:04 1h 17 min. CEP-EMB

Dinorá 07/12/2012 15:56 51 min. CEP-EMB

Solange 13/12/2012 15:20 1h 52 min. Residência de Solange

Mirela 19/12/2012 17:09 1h 04min. Residência de Mirela

Antonieta 27/12/2012 14:20 1h 03min. Local público semi-aberto

Clara 06/02/2013 15:50 59 min. CEP-EMB

Eleonore 08/03 e 13/03/2013 16:03 e 16:10 09 min. e 25 min. CEP-EMB Duração total: 12h e 09 min.

Nesta panorama geral é possível constatar, também, que a pianista Eleonore, ao contrário dos demais, concedeu entrevistas em dois dias distintos. O tempo disponibilizado para essa entrevista foi curto e, por isso, não me permitiu a abordagem de todos os temas previstos no roteiro. Desse modo, solicitei-lhe outro encontro para dar continuidade aos temas, sem que o fato caracterizasse a devolução ou o aprofundamento da entrevista (SZYMANKI; ALMEIDA; PRANDINI; 2011). Os demais pianistas colaboradores concederam uma única entrevista cujo tempo foi suficiente para contemplar as perguntas previstas.

4.4.3.1 As notas de campo

Durante as entrevistas, elaborei notas de campo como estratégia de apoio para o registro de impressões ou detalhes que foram percebidos em minha interação com os pianistas colaboradores. O uso dessas notas é recomendado por Gibbs (2009, p. 46), que as define como “anotações contemporâneas realizadas no campo de pesquisa”. O autor afirma que as notas podem auxiliar na interpretação dos dados e fornecer exemplos do que as pessoas fizeram, falaram ou sentiram. Esses exemplos poderão ser incorporados à redação do resultado final (GIBBS, 2009). Rosa e Arnoldi (2008) trazem detalhes sobre o que pode ser registrado nas notas de campo: “interpretações levantadas, pontos críticos, significados identificados, análise de gestos e posicionamentos corporais efetivados pelo entrevistado” (p. 58-59).

Patton (1990) confirma a importância das notas de campo, ao defender que o registro de impressões e percepções da situação de entrevista, de si ou dos entrevistados e “[...] de qualquer informação adicional que ajudaria a delimitar um contexto suficiente para interpretar e produzir sentidos fora da entrevista” (PATTON, 1990, p. 353, tradução nossa31). O registro de elementos “não-verbais” também é defendido por Berg (2001), que justifica que “[...] gestos corporais, expressões faciais, sinais e símbolos, e mesmo sons fonêmicos como articulações da língua, grunhidos, suspiros e outros indicadores da comunicação [...]” são capazes de influenciar e afetar as mensagens produzidas entre entrevistador e entrevistado (BERG, 2001, p. 90, tradução nossa32).

                                                                                                               

31 [...] and any additional information that would help establish a context for interpreting and making sense out

of the interview (PATTON, 1990, p. 353).

32

[...] body gestures, facial grimaces, signs, symbols, and even some phonemic sounds such as tongue clicks, grunts, sighs, and similar visible indicators of communication [...] (BERG, 2001, p. 90).

As notas de campo, pois, ajudaram na compreensão do objeto de investigação, na condução das entrevistas, na análise dos dados e no papel como investigador.

4.4.3.2 O papel do investigador

  O fato de eu pertencer ao grupo de pianistas colaboradores investigados e compartilhar o mesmo local de trabalho trouxe reflexões sobre os meus vários papéis: colega de trabalho, pianista e investigador.  Minha familiaridade com o local e as relações profissionais e sociais já estabelecidas com esses atores influenciaram minhas percepções e a condução das entrevistas. Tal fato evidenciou que os limites entre o contexto empírico e o locus de trabalho nem sempre eram claros e as relações profissionais entre eu e os pianistas colaboradores apontaram desafios que exigiram a minha reflexão e a consciência sobre meu envolvimento e minha subjetividade na investigação. Conforme as notas de campo, a preocupação sobre esse papel de investigador era evidente pelo questionamento sobre até que ponto a minha relação profissional e pessoal poderiam interferir nas entrevistas. A crescente tomada de consciência sobre a situação me exigiu um posicionamento metodológico específico que buscou: contemplar as subjetividades, considerar as relações já estabelecidas e, ao mesmo tempo, desenvolver um “ouvido” que fosse capaz de perceber o novo, o desconhecido e o não- familiar.

A co-existência de papéis ficou evidente nas notas de campo, ao explicitar as relações profissional e interpessoal entre eu e os pianistas colaboradores que se entrelaçavam a todo tempo durante a investigação. Por exemplo, a relação de amizade com alguns pianistas colaboradores sobre as futuras e entrevistas levantou alguns questionamentos: até que ponto os entrevistados aceitariam participar; como eles perceberiam o investigador e quais seria a influência dessas relações na investigação. Busquei, então, uma vigilância metodológica que consistiu em evitar conversas sobre assuntos de trabalho que pudessem antecipar as temáticas da investigação. Ao mesmo tempo, durante as entrevistas, assumi a minha proximidade com os pianistas já que eu conhecia um pouco de suas trajetórias profissionais na instituição, por exemplo.

Os diversos papéis (investigador, pianista colaborador, colega de trabalho, amigo) assumidos por mim no processo de pesquisa proporcionaram a construção coletiva de significados e entendimentos entre eu e os pianistas e evidenciaram condições interativas distintas: ideias, afirmações e sentimentos com os quais, muitas vezes, eu me identifiquei.

De acordo com Silverman (2009), o papel do investigador, especialmente nas ciências sociais não é neutro: suas ações são influenciadas por seus interesses e suas concepções. Esse autor confirma a diversidade de papéis e destaca que o modo como o investigador assume seu papel está relacionado ao público que deseja investigar (SILVERMAN, 2009).