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FUGURA 3 – Categorias da investigação: os modos de ser e agir do pianista colaborador

5.2 A ATUAÇÃO PROFISSIONAL: AGIR COMO PIANISTA COLABORADOR 103

5.2.1 Inserção profissional 104

 

As provas de concurso são o ponto de partida para a inserção profissional, constituem um dos requisitos para admissão no CEP-EMB e representam uma etapa importante na vida dos profissionais entrevistados. Essa fase da saída de um sistema escolar (escola, universidade) e o confronto do mundo do trabalho constitui, segundo Dubar (2005), um momento que provoca mudanças para o indivíduo e, especialmente em sua identidade.

Ao relatarem sobre a inserção profissional, os pianistas destacaram três tipos de concurso – de remoção, temporário e efetivo – que, embora tenham encaminhamentos administrativos distintos na instituição, se assemelham quanto à realização de prova prática ao piano acompanhando outros músicos e à avaliação de desempenho por uma banca examinadora. Essas provas de admissão, segundo Dinorá, representam um desafio que envolve o estudo prévio, a possibilidade de realizar um sonho e a expectativa de aprovação:

Quando saiu o concurso pra Escola de Música, eu vi como uma grande oportunidade. Eu estava no último semestre, terminando a licenciatura[...] Na época eu já tinha definido que queria ser correpetidora. Eu não queria ser pianista solista! [...] Então, foi uma opção mesmo, né?! Eu gosto de estar com pessoas e trocar experiências. Uma questão de gosto, de preferência, né! [...] Na época eu fiquei com muito medo de não passar... Mas eu falei: “Não, vou fazer porque é o que eu quero!” E comecei a estudar muito. Fiz cursinho pra passar na prova escrita... [risos coletivos] (ED, p. 103-104, grifo nosso).

Essa fala evidencia que a opção profissional de Dinorá está associada a anseios, expectativas e incertezas sobre o futuro que se inscrevem nessa dinâmica das provas de seleção para a contratação na escola.

Rafaela aponta anseios e expectativas semelhantes aos de Dinorá quando menciona os conteúdos da prova, sobre os quais não tinha “muita referência”, e o repertório surpresa que seria exigido pela banca (ER, p. 82-83). Apesar das incertezas, os pianistas colaboradores veem o concurso como uma oportunidade de efetivarem um emprego. Antonieta, Mirela, Eleonore e Rafaela percebem ainda a estabilidade na carreira pública como mais um atrativo na disputa por uma vaga no concurso. Para Leela, disputar o concurso foi uma prioridade que deixou em segundo plano o projeto de realizar pós-graduação (EL, p. 62).

Além das provas de admissão, a exigência de formação pedagógica, a licenciatura em Música, estimulou os pianistas colaboradores a buscarem formação complementar. Karina, por exemplo, conciliou o trabalho em Brasília, a responsabilidade de criar os filhos pequenos e as viagens quinzenais ao Rio de Janeiro para finalizar seu curso de licenciatura. Clara preferiu continuar os estudos imediatamente após o bacharelado em piano. Mirela, além da formação concluída em Letras/Português e em piano no nível técnico, decidiu prestar o vestibular e cursar a licenciatura em Música. Na perspectiva geral acerca desse tipo de formação pedagógica, constata-se que dez pianistas são licenciados em Educação Artística com habilitação em Música e uma pianista concluiu a licenciatura em Música.

Nos primeiros anos da profissão, segundo os pianistas, há uma forte busca pelo reconhecimento social e pela aprovação entre pares e entre os demais profissionais da instituição. Essa iniciação no trabalho provoca preocupações, anseios e dúvidas. Nesse sentido, Dinorá fala de sua preocupação, destacando diferenças entre a formação na Universidade e o novo espaço de trabalho:

Eu comecei... Eu tinha um pouco de vergonha, um pouco de medo. Porque o que eu já tinha feito [com correpetição] tinha sido na universidade - como aluna ou estagiária. Não tinha sido uma coisa profissional como agora é na Escola de Música, né?! E eu tinha medo: queria fazer tudo muito bem feito! Então eu tinha medo de não dar conta [...] (ED, p. 104).

Inicialmente, Dinorá desenvolveu seu trabalho nas turmas de canto coral porque era o espaço em que ela tinha experiência anterior. À medida que foi aprendendo e ganhando confiança, passou a atuar nas aulas de canto e a atender alunos de instrumento. Esse momento foi definido, por ela, como “fase de adaptação” (ED, p. 104).

Janaína buscou validar sua atuação tentando “perceber as reações” dos professores (EJ, p. 7): ela cita as diferenças entre a sua orientação e as dos demais professores acerca da pronúncia do alemão nas aulas de canto, da importância sobre o entendimento do texto para trabalhar a música e da correta dicção do idioma estrangeiro.

O desejo de Rafaela em dividir sua carga horária entre as matérias teóricas e o NPAC motivou uma busca por parcerias com colegas na instituição. Para desenvolver seu trabalho, a pianista procurava colegas que tivessem objetivos semelhantes aos seus – o que facilitou sua aceitação no/pelo grupo. Rafaela recorda do primeiro dia de trabalho, quando houve a apresentação de professores no CEP-EMB: na ocasião, uma professora de canto a tinha reconhecido da época em que foram colegas de graduação e convidou Rafaela, por esta ter

desenvolvido atividades com coral, a atuar em suas aulas de canto na instituição (ER, p. 83- 84).

As novidades geravam expectativas e dúvidas acerca do trabalho e sinalizavam a motivação e a abertura dos pianistas para as novas situações de aprendizagem. Antonieta destaca que não tinha “a mínima noção do que era a Escola de Música de Brasília” (EA, p. 182). De modo semelhante, Eleonore relata o desconhecimento sobre a instituição e o receio de se mudar para Brasília (EE, p. 220). Para Mirela, as situações do novo trabalho remetiam às lembranças positivas da infância, quando as brincadeiras lhe proporcionavam o prazer da descoberta. Assim, a entrevistada relaciona o repertório novo que aprendia no trabalho às memórias da infância:

Quando eu entrei na Escola de Música, havia o André, o Marlon e mais uma aluna. Eles estavam no fim [do curso] técnico e, portanto, já cantavam. E eu lembro que eles colocavam aquelas partituras de óperas e árias [...] na minha frente! E eu nem conhecia o repertório de canto. Ainda assim, eu tinha que tocar! Me veio a mesma sensação quando eu era criança: abria [a partitura] e eu tinha que tocar! E era interessante! Eu quase ria quando eles abriam... “O que vai ser?” Era uma caixinha de surpresa! [...] (EM, p. 157, grifos nossos).

Clara evidencia anseios e a preocupação de “corresponder à altura” de quem ocupava o cargo anterior de pianista colaboradora em coral da escola (EC, p. 204). Tal relato explicita a busca de reconhecimento pelo grupo e de aprovação pelo desempenho profissional.

A atuação em contrato temporário proporcionou experiência profissional e permitiu a aproximação dos pianistas colaboradores com o NPAC, com os professores de instrumento e canto e com a instituição. A maioria dos pianistas, antes de atingir a estabilidade na profissão, firmou contrato temporário com a instituição. Essa etapa representa a articulação entre as trajetórias formativas e o enfrentamento do mundo do trabalho, quando o sujeito inicia a socialização profissional. Dubar (2005, p. 182) afirma que esse fenômeno refere-se à “iniciação” do sujeito na cultura profissional do grupo de que ele deseja fazer parte e à “conversão”, ou seja, novas definições de si, o que implica transformações identitárias importantes. Especialmente nos primeiros anos de trabalho, os sujeitos deparam-se com novas situações que resultarão em novas aprendizagens. Além disso, as novas relações estabelecidas com os membros da instituição os colocarão em contato com a cultura profissional do grupo (DUBAR, 2005).

Outros autores concordam sobre a importância da socialização profissional. A forma como os indivíduos são socializados é capaz de definir suas escolhas, preferências e a adesão a determinado grupo ou determinada profissão (MELO; VALLE, 2013; FERENC, 2005;

FREITAS, 2002). Melo e Valle (2013), por exemplo, concordam com o conceito de dualidade (processo biográfico e relacional) na construção das formas identitárias defendidas por Dubar (2005). No entanto, comentam que no mundo do trabalho o sujeito é mais influenciado pelo processo relacional, ou seja, ele se define mais pela atribuição dos outros do que de si. Esse processo relacional privilegia o espaço de trabalho e as relações estabelecidas pelo indivíduo com os demais membros do grupo (MELO; VALLE, 2013).

Os anseios, expectativas e dúvidas relatados pelos pianistas colaboradores sinalizam a característica relacional da inserção profissional, atrelada à aprovação e ao reconhecimento pelos colegas que já estão mais socializados na profissão. Além disso, o contexto institucional condiciona o trabalho em experiências coletivas por meio das quais o sujeito vai formando sua identidade profissional por atos de atribuição e de reconhecimento de seu “papel” na instituição (FERENC, 2005, p. 645).

Quando é bem-sucedida, a socialização permite ao indivíduo identificar-se positivamente com a profissão, as regras de relacionamento, os procedimentos, os conhecimentos que formam um “ethos (sic) profissional” que, de acordo com Freitas (2002), pode estar explícito ou implícito nas dinâmicas interativas do trabalho. Assim, o indivíduo é capaz de:

[...] discriminar como deve se portar e atuar, qual o grau de tolerância do grupo profissional para com as diferenças e divergências, que expectativas profissionais pode alimentar, que questões podem ser explicitadas, quando, como e a quem se dirigir, o que deve ser valorizado e o que deve ser esquecido ou, pelo menos, não problematizado explicitamente (FREITAS, 2002, p. 156).

A socialização permite, portanto, o sujeito ter contato com os pares e aprender com estes as regras e as preferências do grupo. Mais do que ingressar na profissão, os pianistas inseriram-se no coletivo, fazendo-se reconhecidos. Essa dinâmica os permitiu: ampliar suas habilidades e conhecimentos e assimilar determinadas características.