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Conto Um: Vida e docência pulsando na escola do campo

4. EXPERIÊNCIA, ESPAÇO E HISTÓRIA

4.2 Um e vários contos

4.2.1 Conto Um: Vida e docência pulsando na escola do campo

Produzido a partir da entrevista com a professora Acácia, concursada 20h no magistério municipal, moradora na localidade Rincão da Salete (onde fica a escola Padre Fidêncio). Acácia lecionou na escola logo após sua nomeação e retorna à instituição para encerrar sua carreira como professora. Além de professora, Acácia vende, nas escolas e na SEDUC, doces feitos por ela, como figada, marmelada, ambrosia e rapaduras, adoçando nossas tardes e mostrando um outro dote, para além do lecionar.

[Tenho] Lembranças maravilhosas [da escola Padre Fidêncio quando ela ainda era um chalé]. [Eu] estudei naquela escola, [...] da 1ª a 5ª série [...] tive ótimos professores, ótimos colegas. [...] depois eu fui alfabetizada lá, [também] lecionei lá 5 anos [em turmas] de 3ª e 4ª série, turmas maravilhosas, e hoje são uns moços [e moças] que a gente vê, tenho saudades, [às vezes encontro eles]. Viveria de novo, lembranças [de um tempo] maravilhosas. [Antes de trabalhar na escola Padre Fidêncio, trabalhei em outra escola do campo], a escola Nossa Senhora da Assunção, no Seival. Quando cheguei na escolinha era só eu, então eu dava aula para alunos de 1ª a 5ª série, [turma multisseriada, mas também] carregava água de uma cacimba* [e] fazia merenda. Eu chegava na escola, dividia o quadro

21 Como característica da oralidade, serão mantidas essas marcas nas transcrições das falas, que fogem à norma padrão por se tratar de uma entrevista informal.

* Cacimba – buraco que se cava até atingir um lençol de água subterrâneo; poço, cisterna.

(tinha um quadro grande para duas séries), escrevia as atividades e em um quadrinho pequeno eu escrevia as atividades para uma das series. [Para] os pequeninhos (1ª série) eram folhas mimeografadas, e os alunos maiores de 5 série eram os livros. Distribuía as tarefas, deixava [os alunos] trabalhando [e] ia [até a] cacimba buscar água, um balde de água. Trazia o balde de água, largava na cozinha e ia conversar com os alunos, ver quais eram as dificuldades, dava uma explicadinha [e] se achava que estavam trabalhando direitinho [avisava que estaria na cozinha, pois] a professora [ia] fazer a merenda. Iniciava a merenda, [voltava na sala de aula] olhava eles, ficava um pouquinho [e] voltava [para]

terminar a merenda. [Depois chamava as crianças,] “- é a hora da merenda”.

Servia eles, todos lanchavam [e os alunos iam] para o pátio, era recreio. [Eu, a professora], voltava para a cozinha para lavar a louça. [Terminava de limpar a cozinha,] chamava [novamente os alunos], trabalhavam até às 13 horas e os liberava para irem para casa, alguns deles pegavam o ônibus de linha que fazia Caçapava/Bagé. [Esta minha rotina docente foi no ano de 1990, estava sozinha na escola depois que os alunos se iam. Assim, eu] voltava na cacimba para pegar água, varria e limpava a escola e aguardava para voltar para a minha casa lá pelas 15 horas, pelo ônibus de linha que vinha de Bagé. [Eu trabalhava com os estudantes] das 9 às 13horas. [O horário de funcionamento das aulas era adequado à linha de ônibus, não existia transporte escolar para os alunos e] a prefeitura dava uns ‘ticketzinhos’. [O transporte escolar começou por volta dos anos] 1994/1995, mas para a escola Nossa Senhora da Assunção, no Seival, não havia. [Essa escola foi desativada algum tempo depois porque entrou no plano de nucleação, que foi informado pelos meios de comunicação da época]. [Antes do fechamento definitivo da escola e da nucleação dos estudantes com a atuação de transporte escolar, veio trabalhar comigo] a professora “N”. Melhorou [muito], a gente dividia os alunos, buscávamos água, fazíamos merenda e limpávamos a louça e a escola juntas, [também] para esperar o ônibus de volta para casa podíamos conversar e planejar o próximo dia e semana e podíamos compartilhar. Depois de 3 anos, foi [trabalhar comigo] a professora “P”, [que substituiu a “N”, transferida para outra escola]. Com a “P” continuou um trabalho de colaboração e compartilhamento. [Interessante era que nós as professoras tínhamos mais uma obrigação/responsabilidade, que era buscar a merenda] no almoxarifado.

Não era entregue na escola, nós levávamos de ônibus. Eu ia no [almoxarifado da prefeitura], um senhor que entregava merenda levava para mim na rodoviária, eu embarcava no ônibus com a merenda e trazia para a escola. [às vezes carregava sozinha, às vezes] quando chegava na escola, o cobrador me ajudava a descer a merenda. Os alunos, se tivessem por perto, ajudavam, mas muitas vezes carreguei sozinha aquelas caixas pesadas [que continham] arroz, leite, bolacha, achocolatado, alimentos perecíveis não faziam parte da merenda escola nessa época. [Na escola não tinha geladeira e no verão] não tinha nada.

[Tinha] calorão e água da cacimba. E a água não era boa. Era uma água bem tundada [e este foi um dos motivos que fecharam a escola]. Resolveram fechar a escola, por causa das condições da água, [da construção em] madeira, já com

as paredes bem estragadas, não tinha banheiro, era patente, [isso em 1994] [Na escola, quando fechou,] tinham 11 alunos. Eram péssimas as condições.

Nenhum, nenhum investimento. Era um castigo, na verdade, ir para a escola rural assim. [Mas eu estava começando na docência e] não tinha nada melhor.

[Eram tristes as condições que enfrentávamos eu, a N e depois a P], mas buscávamos nos tranquilizar, era o que a tinha para trabalhar. [Quando eu vim em 1995 para a escola rural, na época Padre Fidêncio, ainda] era no chalé.

Naquele chalé que eu havia me alfabetizado, então foi muita emoção. [Uma emoção outra foi quando me vi professora naquele espaço da escola]

ensinando aquilo que eu havia aprendido ali. [Os meus alunos eram filhos, sobrinhos, netos] dos amigos da localidade, pois eu nasci e me criei próximo desse lugar, e a casa da minha da minha mãe era próxima à escola. Meu filho, depois, também estudou na escola chalé Padre Fidêncio. Nesta época tínhamos mais ou menos uns 30 estudantes, hoje em 2021 temos 11 alunos, os mais pequenos do pré-escolar até o primeiro ano, os maiores vão saindo para outra escola e a cada nova geração vem diminuindo as crianças. [Convivendo com e na comunidade, as famílias dos anos 90] eram mais numerosas. Tinha um casal com cinco filhos estudando na escola. As famílias foram diminuindo a quantidade de membros e a quantidade de filhos é cada vez menor. Muitas famílias também se mudaram para cidade e ou para outros lugares. Eu percebo que na época que eu estudei a escola funcionava no turno da manhã e da tarde, de manhã os alunos grandes e de tarde os pequenos. Tinha duas professoras trabalhando em cada turno. Hoje há menos alunos e uma possibilidade de melhorar a estrutura da escola, com o investimento em nosso espaço físico. Quando por exemplo estamos em uma casa melhor, depois de muitos anos. [Eu também estou retornado agora para a escola Padre Fidêncio, pois por alguns anos trabalhei em uma escola na periferia da cidade. Nessa volta para a Escola do Campo Padre Fidêncio encontro a parceria que também tinha na escola urbana. Mas aqui, em relação aos alunos], senti muita diferença. Eu acho que eles se relacionam melhor, são mais amigos entre si e com as professoras; são crianças carinhosas.

[As famílias parecem ser] muito presentes, nas reuniões eles vêm sempre, os pais são muito presentes. [Nessa volta à escola, com relação aos alunos, percebi] que eles têm maiores dificuldades de aprendizagem [e me parece que]

deve ser [porque eles não têm contato com outras coisas que os da cidade tem, tecnologias e outros recursos. Mas] eu acho que até é um outro tipo de conhecimento. [Eles dizem, quando chegam na escola]: - Brinquei bastante.

Tem alunos que levantam cedo, saem direto para o campo, brincam, não têm acesso à internet, neste ano vou conhecer melhor eles. [São colaborativos], se relacionam bem independente das idades, os grandes ajudam os pequenos.

[Mesmo eu morando na localidade perto da escola preciso, como os estudantes, de transporte escolar], não teria como vir para a escola sem. Tem somente três crianças que moram pertinho. Os outros moram longe, e a funcionária mora lá na Canhada Funda, longe daqui, se não tiver transporte ela não pode vir, e a professora C mora na cidade, as estradas são péssimas e gastaria de gasolina, com transporte próprio, quase o salário dela, com o preço que está a gasolina. [As condições de hoje são melhores do que no meu

tempo de aluna na escola do campo. Na época] não tinha transporte escolar, todos íamos em grupo, à pé, comíamos a merenda na escola e nossos cadernos [carregávamos] num saquinho plástico, todos eram a mesma coisa, recordo como se fossem iguais. [A escola na localidade integra várias coisas,] como aluna e quando trabalhei na escola no passado tinha-se a preparação na escola para a primeira comunhão [uma passagem prevista para crianças e adolescentes na religião católica] e era os professores que preparavam e nos encaminhavam para a capela, para fazer a primeira comunhão. Tinha na escola o estudo da Bíblia e o padre vinha para fazer a oração, confessar os pecados. Eu fiz minha primeira comunhão com 8 anos. [No meu tempo de aluna tinham muitos eventos na escola], festas, e eram festas grandes no Padre Fidêncio, eram muitos alunos, uma comunidade grande. A comunidade toda participava, foi na festa da escola que encontrei o meu marido, namoramos e nos casamos.[A Escola do Campo, para quem a vive ela, nos atravessa, são histórias singulares e podem ser histórias de muitos, que numa comunidade do campo, podem produzir as necessidades de produção de uma escola para aquele espaço e tempo]