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Contraditório e precedente judicial

3 A APLICABILIDADE DA TEORIA DO PRECEDENTE JUDICIAL NO BRASIL

4 AS REPERCUSSÕES DA ADOÇÃO DE PRECEDENTE JUDICIAL E DA APLICABILIDADE DA TEORIA DO PRECEDENTE JUDICIAL NO BRASIL

4.2 PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO

4.2.4 Contraditório e precedente judicial

O princípio do contraditório, seja na acepção formal, seja na acepção substancial, sempre foi pensado para a definição da norma individualizada. O contraditório visa garantir a ciência dos atos processuais e a participação efetiva (com possibilidade de influenciar no convencimento do magistrado) daqueles sujeitos diretamente envolvidos no processo na construção da solução final (da norma jurídica individual) de uma situação concreta45.

Acontece que, num ordenamento jurídico em que se adotam precedentes judiciais, de um ato decisório que resolve um conflito específico também é possível identificar uma norma jurídica geral (ratio decidendi ou motivo determinante), que é a tese jurídica desenvolvida pelo órgão jurisdicional na fundamentação da decisão, que justifica a solução final dada ao caso concreto. Essa norma jurídica é geral, porque se desprende do caso específico para o qual foi desenvolvida e pode ser aplicada em outras situações futuras, cujas circunstâncias de fato sejam semelhantes às que delinearam a situação no âmbito da qual se

formou o precedente judicial46.

Quando se percebe que, mesmo em processos específicos, é possível construir uma norma geral, aplicável a situações futuras, conclui-se também pela necessidade de

(BRAGHITTONI, Rogério Ives. O princípio do contraditório no processo: doutrina e prática. Rio de Janeira: Forense Universitária, 2002, p.16-17).

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A inobservância do contraditório traz algumas consequências. Exemplos dessas consequências se verificam no regramento da produção de efeitos de sentença dada no bojo de processo em que participem litisconsortes. Se o litisconsórcio for necessário-unitário, por exemplo, a sentença é ineficaz para os litisconsortes necessários que não participaram do processo. Caso o litisconsórcio seja facultativo-unitário, aplica-se a ficção da representação daqueles ausentes por aqueles que estão em juízo, já que nem todos precisam figurar como réus ou autores para que possuam legitimidade de agir. Nessa hipótese, como a ausência de um litisconsorte é admissível e a sentença deve ser igual para todos os litisconsortes, há de se estender a eficácia da sentença perante os litisconsortes ausentes. Se o litisconsórcio for necessário-simples, em que a obrigatoriedade é de que todos os litisconsortes integrem o feito, a sentença é inválida e ineficaz para o litisconsorte preterido. (GUERRA FILHO, Willis Santiago. Eficácia ultra-subjetiva, litisconsórcio necessário e princípio do contraditório. Revista de Processo. Ano 21, n° 84, out-dez 1996, p.267; GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos

fundamentais. 3. ed. São Paulo: Celso Bastos, 2003, p.129-131).

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DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. 8. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Jus Podivm, 2013, v. 2., p.448.

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DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. 8. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Jus Podivm, 2013, v. 2., p.448.

redimensionamento do princípio do contraditório, já que deixaria de ser visto, apenas, como o direito de tomar ciência de atos processuais e de participar efetivamente na construção da norma jurídica individual, para ser visto também como o direito de participar efetivamente na construção da norma jurídica geral (ratio decidendi ou motivo determinante), que é a tese

jurídica estabelecida na fundamentação do julgado47.

A adoção de precedentes judiciais impõe, assim, que os potenciais afetados pela norma jurídica geral, construída no âmbito de um processo específico, possam participar

de sua construção48. Desse modo, deve-se garantir que esses sujeitos, potencialmente,

afetados pela norma jurídica geral, participem do processo, com condições de influenciar no convencimento do magistrado (e de construir a norma jurídica geral) para que, a partir de uma interação com o juiz, forneçam os elementos necessários à construção de uma tese

qualificada, completa e justa49.

Admitir que todo e qualquer sujeito potencialmente afetado pela norma jurídica geral possa participar em contraditório da formação da norma jurídica geral inviabilizaria o regular trâmite processual, imporia óbice à razoável duração do processo e comprometeria a efetividade da tutela jurisdicional. A despeito de se garantir o contraditório redimensionado na formação do precedente judicial, estar-se-ia criando outro problema.

Para compatibilizar o exercício efetivo do contraditório e a efetividade e a tempestividade na entrega da prestação jurisdicional, devem-se estabelecer critérios para a seleção do(s) sujeito(s) que poderá(ão) participar em contraditório da formação do precedente judicial, no intuito de se limitar quantitativa e qualitativamente as possibilidades de participação.

É possível listar dois critérios para a seleção desse(s) sujeito(s).

O primeiro critério diz respeito à representatividade coletiva de que dispõe(m) o(s) sujeito(s) que virá(ão) a exercer o contraditório. Se a ideia é permitir a participação da coletividade na formação de norma jurídica geral, que poderá atingi-la no futuro, a escolha de

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DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. 8. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Jus Podivm, 2013, v. 2., p.448-449.

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ROSITO, Francisco. Teoria dos precedentes judiciais: Racionalidade da tutela jurisdicional. Curitiba: Juruá, 2012, p.233. Dierle Nunes entende possível “a participação das partes e interessados, numa renovada concepção de um contraditório como garantia de influência, que induziria a comparticipação de todos os potencialmente atingidos, dentro de um processo coletivo”. (NUNES, Dierle. Precedentes, padronização decisória preventiva e coletivização. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.). Direito jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 273).

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Sandro Marcelo Kozikoski defende que o processo que envolve demandas repetitivas, cujo regramento privilegia os precedentes judiciais, deve ser pautado na colaboração efetiva. (KOZIKOSKI, Sandro Marcelo. Garantismo, contraditório fluido, recursos repetitivos e incidentes de coletivização. In RODRIGUES, Walter dos Santos; SOUZA, Marcia Cristina Xavier de (coord.). O novo código de processo civil: garantias fundamentais do processo: um desafio ao novo CPC. Rio de Janeiro: Elsivier, 2012, p.311).

sujeito(s) capaz(es) de representá-la em juízo, a exemplo de um sindicato, uma associação, um partido político (enfim, legitimados coletivos extraordinários) atende à tal finalidade. Isso porque o legitimado coletivo extraordinário pode atuar em nome próprio, na defesa de interesses de terceiros.

O segundo critério se relaciona com a contribuição que esse(s) sujeito(s) poderá(ão) agregar na construção da norma jurídica geral. Esse(s) sujeito(s) deve(m) ser apto(s) a contribuir efetivamente na formação do precedente judicial, colacionando aos autos informações necessárias e pertinentes para que a tutela jurisdicional seja prestada de forma completa.

Observando-se o primeiro critério, tem-se que um legitimado coletivo extraordinário, que demonstre interesse jurídico (na acepção ampliada defendida nesse trabalho, item 5.1.2), poderá intervir num processo como assistente simples, almejando defender direitos de uma coletividade potencialmente submetida à norma jurídica geral que vier a ser formada no processo do qual não participou ou interpor recurso (desde que configurado o interesse recursal redimensionado, item 5.2.2), visando participar da formação da norma jurídica geral.

Na linha do segundo critério, qualquer pessoa natural ou jurídica, na figura de

amicus curiae, que demonstrando interesse institucional, disponha de conhecimentos técnico-

jurídicos, poderá atuar em contraditório na formação do precedente judicial. É o que será enfrentando no item 5.3.2.