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Motivação e precedente judicial

3 A APLICABILIDADE DA TEORIA DO PRECEDENTE JUDICIAL NO BRASIL

4 AS REPERCUSSÕES DA ADOÇÃO DE PRECEDENTE JUDICIAL E DA APLICABILIDADE DA TEORIA DO PRECEDENTE JUDICIAL NO BRASIL

4.3 REGRA DA MOTIVAÇÃO DAS DECISÕES JURISDICIONAIS

4.3.4 Motivação e precedente judicial

apreciadas90.

Ademais, é preciso investigar se os argumentos da decisão jurisdicional referida e os argumentos utilizados por determinado sujeito processual se aplicam ao caso em julgamento. Por isso que, para essa doutrina, só se admite a motivação per relationem, nesses casos, quando, ao tornar seus os motivos de outro juiz (seja o de primeiro grau que proferiu a decisão recorrida, seja de outro julgador) ou de qualquer outro sujeito processual, o julgador

deixar claras as razões do reenvio91. A referência à decisão jurisdicional de outro órgão exige

ainda o preenchimento de dois requisitos para ser admitida, a saber: a) a decisão referida deve estar identificada, permitindo-se que os interessados promovam o confronto necessário e; b) a

decisão referida deve ter sido proferida em caso semelhante92.

Visto o conteúdo da motivação, é momento de se passar para a análise do redimensionamento dessa regra, à luz da adoção de precedentes judiciais e aplicação de sua teoria.

4.3.4 Motivação e precedente judicial

Num ordenamento em que se adotam precedentes judiciais, a decisão jurisdicional “abre espaço para que a partir dela a doutrina realize um duplo discurso: um

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PERO, Maria Thereza Gonçalves. A motivação da sentença civil. São Paulo: Saraiva, 2001, p.117-119.

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PERO, Maria Thereza Gonçalves. A motivação da sentença civil. São Paulo: Saraiva, 2001, p.118-119. Em sentido similar, Beclaute Oliveira Silva entende que quando o julgador utiliza razão externada por outro órgão jurisdicional, desde que não viole a fundamentação, não há que se falar em nulidade da decisão. No que se refere a motivação per relationem que se vale de fundamentos utilizados pelas partes, o mesmo autor entende que essa prática não deve ser admitida, porque a parte prejudicada não tem condições de saber porque foi incapaz de influenciar no julgamento. A motivação per relationem que utiliza as razões do Ministério Público deve ser admitida, conforme se extrai do entendimento do STF, no julgamento do Habeas Corpus n° 70.607/SC (STF, 1ª Turma, HC n° 70.607/SC, Rel. Min. Moreira Alves, j. em 09 nov 1993, decisão publicada em 04 mar 1994), salvo se houver exposição de fatos novos (STF, 1ª Turma, HC n° 83883/SP, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. em 30 mar 2004, decisão publicada em 14 maio 2004). O referido autor ainda menciona que a decisão em juízo de retratação pode se valer da motivação per relationem, se não houver fundamentos novos a serem apreciados e que a decisão proferida no âmbito do art. 285-A, do CPC, pode utilizar a motivação per relationem, desde que demonstre que a) a matéria de fato é incontroversa; b) a matéria controvertida é unicamente de direito; c) os casos julgados e em julgamento são idênticos. (SILVA, Beclaute Oliveira. A garantia fundamental à motivação

da decisão judicial. Salvador: Jus Podivm, 2007, p.177-181). Segundo Michele Taruffo, a motivação per relationem, em que o julgador se vale dos argumentos da decisão de primeira instância, é admitida, quando o

julgador demonstra que valorou criticamente a suficiência e a fundamentação dos argumentos que adota, oferecendo sua confirmação, mediante os motivos de impugnação deduzidos contra a decisão de primeiro grau. Para o mesmo autor, admite-se a utilização de fundamentos de qualquer decisão em duas hipóteses: a) quando esses fundamentos são utilizados apenas para reforçar a aceitabilidade de sua decisão; b) quando esses fundamentos são utilizados para fundar as premissas das quais se partem os critérios sobre os quais o julgador funda a sua decisão. (TARUFFO, Michele. La motivazione della sentenza civile. Padova: Cedam, 1975, p.424- 428).

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discurso voltado para o caso concreto e um discurso para a ordem jurídica93”. O primeiro representa a fundamentação, prevista no art. 93, IX, da CF/1988, e em dispositivos

infraconstitucionais (como visto no item 4.3.1). O segundo é o precedente judicial94.

No primeiro discurso (fundamentação), a decisão jurisdicional se volta para as partes envolvidas no processo, para o órgão jurisdicional que prolatou a decisão, para o órgão jurisdicional revisor da decisão e a para a sociedade (item 4.3.2).

No segundo discurso (precedente judicial, que está contido na fundamentação), a decisão jurisdicional deve ser entendida como um fato institucional, construída numa linguagem específica, visando à obtenção da unidade do direito, direcionando-se à sociedade

em geral e produzindo eficácia erga omnes95.

Na acepção estrita, o precedente judicial pode ser confundido com ratio

decidendi (item 2.1.2.2). A ratio não é a mesma coisa que fundamentação de uma decisão,

mas é elemento dela extraído. A ratio, enquanto tese jurídica que conduziu à norma jurídica individual, tem caráter geral, isto é, tem potencialidade de ser aplicada no julgamento de casos futuros, semelhantes ao anteriormente decidido. Assim, considerando que a ratio é extraída da fundamentação da decisão jurisdicional e que a ratio pode servir de orientação em julgamentos futuros, é que tem lugar a revisitação da regra da motivação das decisões jurisdicionais96.

Em primeiro lugar, o redimensionamento da referida regra incide nas funções (endoprocessual e exoprocessual ou extraprocessual) assumidas pela motivação.

Num ordenamento em que se adotam precedentes judiciais, a função endoprocessual da motivação se alarga para que seja garantida a idoneidade constitucional do

precedente judicial formado num processo específico97. Quando se atribui importância aos

precedentes judiciais, a motivação não serve apenas para tornar a decisão aceitável pelas partes e pelas instâncias superiores; a motivação tem que demonstrar que determinada decisão

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MITIDIERO, Daniel. Fundamentação e precedente – dois discursos a partir da decisão judicial. In MARINONI, Luiz Guilherme (org.). 2. ed. A força dos precedentes. Salvador: Jus Podivm, 2012, p.125.

94

MITIDIERO, Daniel. Fundamentação e precedente – dois discursos a partir da decisão judicial. In MARINONI, Luiz Guilherme (org.). 2. ed. A força dos precedentes. Salvador: Jus Podivm, 2012, p.125.

95

MITIDIERO, Daniel. Fundamentação e precedente – dois discursos a partir da decisão judicial. In MARINONI, Luiz Guilherme (org.). 2. ed. A força dos precedentes. Salvador: Jus Podivm, 2012, p.132.

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Geroges Abboud, Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira entendem que a motivação deve ser redimensionada, à luz de um ordenamento que adota precedentes judiciais. (ABBOUD, Georges. Precedente judicial versus jurisprudência dotada de efeito vinculante. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.). Direito

jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p.500; DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno;

OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. 8. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Jus Podivm, 2013, v. 2., p.447).

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pode servir de precedente para a solução posterior de casos da mesma espécie98, isto é, que determinada decisão pode servir de modelo de solução no julgamento de casos semelhantes no futuro. Em outros termos, ao realizar o controle de legalidade da decisão jurisdicional, as partes e o tribunal devem estar atentos à constituição completa e justa do precedente judicial. A fundamentação exerce um papel importante na teoria do precedente judicial, porque é ela

que exerce vinculação99. Por isso, a motivação deve ter uma vocação de generalidade, isto é,

deve estabelecer uma orientação universalizável, já que poderá ser aplicada no julgamento de

casos semelhantes no futuro100.

O redimensionamento da regra da motivação determina também que se valorize a função exoprocessual ou extraprocessual da fundamentação, já que ela não serve apenas à justificação, para as partes envolvidas, da solução alcançada naquele processo específico. Ao se adotar precedentes judiciais, a fundamentação passa a ser o elemento da decisão de onde se extrai a tese que pode servir como modelo de conduta para os indivíduos que não participam ou participaram do processo específico, que poderá ser invocada para

justificar e legitimar sua conduta presente101.

Nessa linha, é preciso que se redimensione a função exoprocessual ou extraprocessual da motivação, para que se salvaguarde a segurança jurídica, na acepção cognoscibilidade. Nessa acepção de segurança jurídica, impõe-se que a decisão judicial esteja devidamente fundamentada para que a sociedade conheça as razões de decidir e esteja ciente da extensão/alcance dessas razões de decidir, utilizadas pelo órgão julgador, e possa pautar sua conduta naquilo que foi decidido, com a confiança de que está amparada em determinado precedente judicial.

Em segundo lugar, o redimensionamento incide sobre o conteúdo da decisão jurisdicional.

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PERELMAN, Chaim. Lógica jurídica. Trad. por Vergínia K. Pupi. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p.223.

99

ROSITO, Francisco. Teoria dos precedentes judiciais: Racionalidade da tutela jurisdicional. Curitiba: Juruá, 2012, p.317.

100

ROSITO, Francisco. Teoria dos precedentes judiciais: Racionalidade da tutela jurisdicional. Curitiba: Juruá, 2012, p.326-327.

101

DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. 8. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Jus Podivm, 2013, v. 2., p.448. Wilson Alves de Souza reconhece que a valorização da função extraprocessual da motivação é necessária “para o fim da análise dos precedentes judiciais e consequente expedição de súmulas da jurisprudência predominante nos tribunais”. (SOUZA, Wilson Alves.

A teoria dos precedentes judiciais não permite que uma decisão possa ser

considerada fundamentada com a mera citação de ementas ou trechos de decisões102. Não

basta citar enunciados de súmulas para se considerar motivada uma decisão103.

O redimensionamento da regra da motivação impõe que a decisão judicial aponte as questões de fato consideradas essenciais ao deslinde da causa e delineie, de forma explícita, a tese jurídica adotada para a sua análise e para se chegar à conclusão exposta no dispositivo104.

É preciso também que, ao aplicar ou deixar de aplicar um precedente judicial, o órgão jurisdicional exponha, na fundamentação, a avaliação sobre a pertinência de sua aplicação, ou não, ao caso concreto, contrapondo as circunstâncias de fato envolvidas e

verifique se a tese adotada é adequada, ou não, para o caso em julgamento105. É dizer, a

fundamentação é o ambiente em que se deve realizar o distinguishing (item 2.3).

Além disso, é na fundamentação que se realiza a superação do precedente judicial (item 2.4), por meio de argumentação mais rigorosa e precisa do que aquela utilizada

na hipótese de aplicação do precedente106.

A aplicação de enunciado de súmulas, por sua vez, não dispensa a adequada fundamentação. Ao se invocá-lo para decidir o caso concreto, o juiz é obrigado a fundamentar tal aplicação107.

102

DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. 8. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Jus Podivm, 2013, v. 2., p.447-448.

103

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e súmula vinculante. 4. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p.393-394; ABBOUD, Georges. Precedente judicial versus jurisprudência dotada de efeito vinculante. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.). Direito

jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p.503.

104

MOREIRA, José Carlos Barbosa. O que deve e o que não deve figurar na sentença. Temas de direito

processual civil. São Paulo: Saraiva, 2004, 8ª série, p.122; REDONDO, Bruno Garcia. Precedentes: teoria geral

e seus reflexos no projeto de Novo Código de Processo Civil. In RODRIGUES, Walter dos Santos; SOUZA, Marcia Cristina Xavier de (coord.). O novo código de processo civil: garantias fundamentais do processo: um desafio ao novo CPC. Rio de Janeiro: Elsivier, 2012, p.329; DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. 8. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Jus Podivm, 2013, v. 2., p.447-448.

105

MOREIRA, José Carlos Barbosa. O que deve e o que não deve figurar na sentença. Temas de direito

processual civil. São Paulo: Saraiva, 2004, 8ª série, p.122; REDONDO, Bruno Garcia. Precedentes: teoria geral

e seus reflexos no projeto de Novo Código de Processo Civil. In RODRIGUES, Walter dos Santos; SOUZA, Marcia Cristina Xavier de (coord.). O novo código de processo civil: garantias fundamentais do processo: um desafio ao novo CPC. Rio de Janeiro: Elsivier, 2012, p.329; DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. 8. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Jus Podivm, 2013, v. 2., p.447-448.

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ROSITO, Francisco. Teoria dos precedentes judiciais: Racionalidade da tutela jurisdicional. Curitiba: Juruá, 2012, p.324; REDONDO, Bruno Garcia. Precedentes: teoria geral e seus reflexos no projeto de Novo Código de Processo Civil. In RODRIGUES, Walter dos Santos; SOUZA, Marcia Cristina Xavier de (coord.). O novo

código de processo civil: garantias fundamentais do processo: um desafio ao novo CPC. Rio de Janeiro: Elsivier,

2012, p.329.

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MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e súmula vinculante. 4. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p.393-394. Georges Abboud também reconhece que “a existência de