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OPERATIVIDADE DOS PRECEDENTES JUDICIAIS NO BRASIL

3 A APLICABILIDADE DA TEORIA DO PRECEDENTE JUDICIAL NO BRASIL

3.4 OPERATIVIDADE DOS PRECEDENTES JUDICIAIS NO BRASIL

Esse item é dedicado à análise da operatividade dos precedentes judiciais no Brasil, isto é, à análise do manejo das técnicas de confronto, interpretação e aplicação e superação pelos órgãos jurisdicionais brasileiros.

3.4.1 Aplicação

O ordenamento jurídico brasileiro não desconhece o distinguishing262. Na

verdade, na aplicação de todo e qualquer precedente, impõe-se o manejo da técnica de confronto, interpretação e aplicação, na forma delimitada no item 2.3 desse trabalho. Por

260

Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira entendem que do art. 105, III, “c”, da CF/1988, pode ser extraído exemplo de precedente judicial autorizante, já que no recurso especial previsto nesse dispositivo, deve-se demonstrar a interpretação divergente conferida por outro tribunal e, para tanto, basta invocar um único precedente. (DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito

Processual Civil. 9. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Jus Podivm, 2014, v. 2., p.397).

261

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e súmula vinculante. 4. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p.285-286; DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil. 8. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Jus Podivm, 2013, v. 2., p.445.

262

Nesse sentido: TARANTO, Caio Márcio Gutterres. Precedente Judicial: Autoridade e Aplicação na Jurisdição Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p.252; MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência

jurisprudencial e súmula vinculante. 4. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p.383-

407; SILVA, Celso de Albuquerque. Súmula Vinculante: Teoria e Prática da Decisão Judicial com base em Precedentes. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p.127-138; MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes

Obrigatórios. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p.314 e 501-514; ATAÍDE JÚNIOR,

Jaldemiro Rodrigues. Precedentes vinculantes e irretroatividade do direito no sistema processual brasileiro: Os Precedentes dos Tribunais Superiores e sua Eficácia Temporal. Curitiba: Juruá, 2012, p.135; MONERRAT, Fábio Victor da Fonte. A jurisprudência uniformizada como estratégia de aceleração do procedimento. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.). Direito jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p.423; CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. A força dos precedentes no moderno processo civil brasileiro. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.). Direito jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p.611; APPIO, Eduardo. Controle Direto de Constitucionalidade. Curitiba: Juruá, 2008, p.43-44; DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil. 8. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Jus Podivm, 2013, v. 2., p.459-461.

outro lado, não se desconhece, nesse trabalho, que todos os sujeitos processuais podem e devem apontar as razões para o distinguishing, fornecendo ao órgão jurisdicional os elementos necessários à promoção da distinção, da interpretação e da correta aplicação dos precedentes judiciais.

Esse item limitar-se-á a demonstrar previsão legal e julgados exemplificativos em que se verifica a utilização dessa técnica de confronto, interpretação e aplicação dos precedentes judiciais, ressaltando-se que, em algumas situações, o argumento para o afastamento do precedente é suscitado por sujeito processual, não coincidente com o órgão julgador.

O grande exemplo de distinguishing, que se pode extrair do ordenamento jurídico, é a exigência do confronto analítico para o cabimento de recurso especial fundado no art. 105, III, “c”, da CF/1988. Para que se comprove a divergência jurisprudencial, não basta a transcrição de ementas; é necessário que o recorrente transcreva os trechos do relatório do acórdão paradigma e os trechos do relatório do acórdão recorrido, comparando-os, a fim de que seja demonstrado que os casos são parecidos. Após, deve o recorrente prosseguir no cotejo analítico, transcrevendo trechos do voto do acórdão paradigma e trechos do voto do acórdão recorrido, para confrontando-os, demonstrar que as teses jurídicas utilizadas por cada um deles são opostas. O confronto analítico é a própria aplicação da técnica do distinguishing,

já que nele, compara-se o precedente invocado e a decisão recorrida263.

A técnica da distinção também deve orientar a aplicação de enunciados de súmulas. Essa conclusão é extraída de algumas decisões da Corte Suprema e da Corte Superior.

O enunciado 691 da súmula do STF, por exemplo, diz que não compete “ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do relator que, em habeas corpus requerido a Tribunal Superior, indefere a liminar”. No julgamento do

Habeas Corpus n° 85.185264, houve limitação do alcance do referido enunciado, aplicando-se o restrictive distinguishing, para admitir habeas corpus quando há flagrante ilegalidade no ajuizamento de ação penal (no caso em tela, a ação penal foi iniciada, quando ainda estava pendente julgamento de recurso administrativo interposto contra o lançamento tributário que discutia a existência do débito – pressuposto lógico da configuração do ilícito contra a ordem

263

DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil. 11. ed. Salvador: Jus Podivm, 2013, v. 3., p.333.

264

STF, Tribunal Pleno, HC n° 85.185, Rel. Min. Cezar Peluso, j. em 10 ago 2005, decisão publicada em 01 set 2006.

tributária), em nome do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva265. Em outros termos, por conta da existência de peculiaridades do caso em julgamento, restringiu-se a norma jurídica geral extraída dos precedentes judiciais que conduziram à edição do enunciado 691 da súmula do STF, para afastar a sua incidência no caso concreto.

O enunciado 634 da súmula do STF, de seu lado, prevê que “não compete ao Supremo Tribunal Federal conceder medida cautelar para dar efeito suspensivo a recurso extraordinário que ainda não foi objeto de juízo de admissibilidade na origem”, enquanto que o enunciado 635 da súmula do STF dispõe que “cabe ao Presidente do Tribunal de origem decidir o pedido de medida cautelar em recurso extraordinário ainda pendente do seu juízo de admissibilidade”. Nada obstante a previsão dos referidos enunciados, o STF admitiu a Ação

Cautelar n° 1.549266, para suspender os efeitos da decisão recorrida, porque configurada

situação excepcional. É dizer, mesmo que não admitido o recurso extraordinário e interposto agravo, no caso em tela, demonstrada a plausibilidade jurídica do pedido – decorrente do fato de a decisão recorrida contrariar jurisprudência prevalecente do STF –, e o perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, caracterizado pela possibilidade de execução do acórdão

recorrido, admitiu-se a concessão do provimento jurisdicional cautelar267. Também nesse

caso, por conta da existência de peculiaridades do caso em julgamento, restringiu-se a norma jurídica geral extraída dos precedentes judiciais que conduziram à edição dos enunciados 634 e 635 das súmulas do STF, para afastar a sua incidência no caso concreto.

No julgamento do Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n° 31.362268,

o STJ afastou a aplicação do enunciado de súmula 267 do STF (“não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou correição”). No caso em julgamento, o Ministério Público requeria administrativamente a quebra de sigilo bancário no âmbito do procedimento investigatório ministerial. Como se tratava de situação em que o ato jurisdicional praticado não era passível de recurso ou correição, o STJ afastou a incidência do enunciado e admitiu o mandado de segurança.

A distinção tem lugar na aplicação de norma jurídica geral extraída de precedente judicial dado em controle difuso de constitucionalidade.

265

MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p.485.

266

STF, 2ª Turma, AC n° 1.549, Rel. Min. Celso de Mello, j. em 13 fev 2007, decisão publicada em 27 abr 2007.

267

TARANTO, Caio Márcio Gutterres. Precedente Judicial: Autoridade e Aplicação na Jurisdição Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p.235; MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p.487-488.

268

STJ, 2ª Turma, RMS n° 31362, Rel. Min. Herman Benjamin, j. em 17 ago 2010, decisão publicada em 16 set 2010.

No Recurso Extraordinário n° 204.187269, a recorrente se insurgiu contra a constitucionalidade de norma municipal que havia determinado distanciamento mínimo entre postos de gasolina, invocando precedente do pleno do STF que já havia fixado tese no sentido de que a limitação geográfica à instalação de farmácias cerceia a livre concorrência. No julgamento do mencionado recurso extraordinário, o STF fez a distinção entre os casos, dizendo que no caso das farmácias, não havia fundamento razoável para a limitação geográfica, enquanto que no caso dos postos de gasolina, a limitação geográfica era justificada por razões de segurança, tendo em vista que esses estabelecimentos albergam materiais inflamáveis. Assim, negou provimento ao apelo extraordinário, declarando a constitucionalidade da lei municipal questionada pela recorrente.

3.4.2 Superação

A superação de precedentes judiciais também é admitida no direito

brasileiro270, desde que fundamentada, conforme explicado no item 2.4. Admite-se, nesse

trabalho, que, embora o órgão jurisdicional seja responsável pela superação do precedente judicial, todos os sujeitos processuais podem e devem apontar as razões para a modificação de entendimento jurisprudencial, fornecendo ao órgão jurisdicional os elementos necessários à

superação da norma jurídica geral extraída do precedente judicial271.

269

STF, 2ª Turma, REx n° 204.187, Rel. Min. Ellen Gracie, j. em 16 dez 2003, decisão publicada em 02 abr 2004.

270

Nesse sentido: MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e súmula vinculante. 4. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p.383; ROSITO, Francisco. Teoria dos precedentes

judiciais: Racionalidade da tutela jurisdicional. Curitiba: Juruá, 2012, p.355-370; MONERRAT, Fábio Victor da

Fonte. A jurisprudência uniformizada como estratégia de aceleração do procedimento. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.). Direito jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p.423; CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. A força dos precedentes no moderno processo civil brasileiro. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.). Direito jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p.611; OLIVEIRA, Pedro Miranda. O binômio repercussão geral e súmula vinculante: necessidade de aplicação conjunta dos dois institutos. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.). Direito jurisprudencial. São Paulo: RT, 2012, p.719.

271

Na forma do art. 518, §1°, do CPC, se o recurso de apelação não for conhecido e houver fundamentos para o

distinguishing ou overruling, deve-se interpor recurso de agravo para demonstrá-los. No julgamento monocrático

previsto no art. 557, do CPC, o relator poderá inadmitir, negar provimento ou dar provimento ao recurso. Contra essa decisão, cabe agravo para o colegiado do tribunal respectivo. Se o recurso foi inadmitido por afronta a um precedente, o agravante deverá demonstrar que seu caso não se amolda a ele, por conter peculiaridade não considerada no precedente judicial ou por ter considerado fato não presente no caso em julgamento. Se ao recurso foi negado ou dado provimento, o agravante deverá demonstrar que o precedente não pode regular o caso ou deve ser revogado. No julgamento do agravo, o tribunal poderá acolher o distinguishing, revogar o precedente judicial oupromover o anticipatory overruling Se o recurso de agravo for manifestamente inadmissível ou infundado, pode-se aplicar a multa prevista no art. 557, §2°, do CPC, arbitrada entre 1% e 10% sobre o valor atualizado da causa. (MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p.261 e 516-519). Jaldemiro Rodrigues de Ataíde Júnior defende a possibilidade de aplicar o anticipatory overruling no Brasil, podendo os tribunais estaduais e regionais federais deixarem de aplicar precedente do STF e STJ, caso estejam na iminência de modificar o entendimento. (ATAÍDE JÚNIOR,

Nesse item, buscar-se-á analisar as hipóteses legais de superação de precedentes judiciais, bem como alguns julgados exemplificativos em que houve a utilização das técnicas de superação.

As previsões legais, adiante analisadas, servem apenas para ratificar que o ordenamento jurídico brasileiro reconhece a aplicabilidade dos institutos típicos da teoria do precedente judicial.

A Lei n° 11.417/2006 traz a previsão de revisão ou cancelamento (overruling)

de súmula vinculante272.

Segundo o art. 5°, da Lei n° 11.417/2006, “revogada ou modificada a lei em que se fundou a edição de enunciado de súmula vinculante, o Supremo Tribunal Federal, de ofício ou por provocação, procederá à sua revisão ou cancelamento, conforme o caso”. O entendimento sedimentado no enunciado de súmula vinculante pode ser revisado ou superado, a pedido dos mesmos legitimados para propor a sua edição (arts. 103-A, §2° e 3°, da Lei n° 11.417/2006). A revisão ou superação de enunciado de súmula deve ser expressa (express

overruling), já que o legislador previu um procedimento adequado à superação/revisão da

súmula vinculante, no qual deve ser observado o devido processo legal273.

Pela previsão dos arts. 103-A, caput, da CF/1988 e 2°, §3°, Lei n° 11.417/2006, a decisão que cancela ou revisa súmula vinculante exige o mesmo quórum (2/3 dos membros do STF) da decisão que edita o enunciado com força obrigatória, sendo, portanto, vinculante para o próprio STF, como também para os demais órgãos do Poder Judiciário e para a Administração Pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e

municipal, que deverão observá-lo imediatamente após a sua publicação274. Segundo o art. 4°,

Jaldemiro Rodrigues. Precedentes vinculantes e irretroatividade do direito no sistema processual brasileiro: Os Precedentes dos Tribunais Superiores e sua Eficácia Temporal. Curitiba: Juruá, 2012, p.98); MARINONI, Luiz Guilherme. Eficácia vinculante: a ênfase à ratio decidendi e à força obrigatória dos precedentes. Revista de

processo. Ano 35, n° 184, jun. 2010, p.16-26.

272

TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente Judicial como Fonte do Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p.283; DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito

Processual Civil. 8. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Jus Podivm, 2013, v. 2., p. 461. Lenio Luiz Streck e

Georges Abboud falam na possibilidade de se realizar controle difuso de constitucionalidade da súmula vinculante. (STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. O que é isto – O precedente judicial e as súmulas vinculantes? Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013, p.108). Rodolfo de Camargo Mancuso entende que a súmula vinculante pode sofrer controle de constitucionalidade. (MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência

jurisprudencial e súmula vinculante. 4. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p.417).

273

TARANTO, Caio Márcio Gutterres. Precedente Judicial: Autoridade e Aplicação na Jurisdição Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p.181; ROSITO, Francisco. Teoria dos precedentes judiciais: Racionalidade da tutela jurisdicional. Curitiba: Juruá, 2012, p.400; DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil. 8. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Jus Podivm, 2013, v. 2., p.461.

274

TARANTO, Caio Márcio Gutterres. Precedente Judicial: Autoridade e Aplicação na Jurisdição Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p.282; DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA,

da Lei n° 11.417/2006, no prazo de dez dias após a sessão em que rever ou cancelar enunciado de súmula com efeito vinculante, o STF fará publicar, em seção especial do Diário da Justiça e do Diário Oficial da União, o novo enunciado.

A decisão de cancelamento ou de revisão de súmula vinculante pode ter seus efeitos modulados mediante decisão de 2/3 dos membros do STF, tendo em vista as razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse público (art. 4°, da Lei n° 11.417/2006),

postergando-os para o futuro275. É o chamado overruling prospectivo.

Com a revisão de enunciado de súmula vinculante, considera-se superada a

ratio dos precedentes judiciais que conduziram à sua edição.

Além da previsão específica de revisão ou cancelamento de enunciado de súmula vinculante, que tem o condão de estabelecer a superação da norma jurídica geral dos precedentes que conduziram à sua edição, os regimentos internos dos tribunais tem previsão nesse mesmo sentido. O RISTF, por exemplo, prevê o overruling, no art. 103, ao dizer que “qualquer dos Ministros pode propor a revisão da jurisprudência assentada em matéria constitucional e da compendiada na Súmula, procedendo-se ao sobrestamento do feito, se necessário”. O RISTJ, de seu turno, também prevê hipótese de overruling, no art. 125, caput, e parágrafos.

Trata-se do chamado overruling concentrado, diferente do overruling difuso. Nesse, a modificação do entendimento do tribunal pode ocorrer em qualquer processo, que chegando ao tribunal, permita a superação do precedente anterior (é o overruling típico do

common law). Naquele, o procedimento instaurado é autônomo e tem como objetivo a revisão

de um entendimento já consolidado no tribunal276.

Ratifica-se com os dispositivos mencionados que qualquer norma jurídica geral extraída de um precedente judicial pode ser superada pelo próprio tribunal no âmbito do qual determinado precedente se formou.

Assim, os enunciados de súmulas podem ser revisados ou superados.

O enunciado de súmula 394 do STF prevê que “cometido o crime durante o exercício funcional, prevalece a competência especial por prerrogativa de função, ainda que o

Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil. 8. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Jus Podivm, 2013, v. 2., p.462.

275

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e súmula vinculante. 4. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p.459; DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil. 8. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Jus Podivm, 2013, v. 2., p.462.

276

DIDIER JR., Fredie. Editorial n° 166. Disponível em <www.frediedidier.com.br/editorial/editorial-166/> Acesos em 02 ago 2014.

inquérito ou a ação penal sejam iniciadas após cessação daquele exercício”. No julgamento do

Inquérito n° 687277, o Ministro Relator forneceu os argumentos para a superação do referido

enunciado. O primeiro argumento de revisão ou superação diz respeito à interpretação literal da Constituição, na medida em que não existia, na CF/1946, sob cuja égide o enunciado de súmula foi editado, previsão de competência originária do STF para processar e julgar ex exercentes de cargos ou mandatos, pela prática de crimes ocorridos durante o respectivo exercício. O segundo argumento de superação está relacionado à ideia de que o instituto de prerrogativa de foro visa a garantir o exercício do cargo ou mandato e não a proteger quem o exerce. O terceiro argumento de superação se liga as considerações de política judiciária. Nesse particular, o Ministro defendeu que, dando interpretação restritiva às suas competências já tem sido difícil exercê-las, tempestivamente, imagine se o STF conferir interpretação ampliativa às suas competências.

Com base nesses argumentos, propôs a revisão do enunciado de súmula 394 do STF que passaria a vigorar, nos seguintes termos: “cometido o crime no exercício do cargo ou a pretexto de exercê-lo, prevalece a competência por prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciadas após a cessão daquele exercício funcional”. O enunciado foi proposto nesses termos, porque, verificou-se, nos debates, que a maior parte dos casos que abarrotava o tribunal, sob a invocação do enunciado da súmula, não tinha relação

com ilícitos praticados em razão da função pública278. O enunciado 394 foi cancelado e

editado o enunciado 451 que prevê que “a competência especial por prerrogativa de função não se estende ao crime cometido após a cessação definitiva do exercício funcional”.

A norma jurídica geral das decisões proferidas pelo STF em controle concentrado de constitucionalidade também pode ser superada, caso a Corte Suprema altere a

277

STF, Tribunal Pleno, Inq n° 687, Rel. Min. Sydney Sanches, j. em 25 ago 1999, decisão publicada em 09 nov 2001.

278

Contrariamente ao voto vencedor que conduziu ao cancelamento do enunciado 694 da súmula, a Lei n° 10.628/2002 alterou o art. 84, do CPP, estabelecendo regime de prerrogativa para aqueles que devem responder por crimes comuns e de responsabilidade, independentemente de terem cometido o crime no exercício de cargo ou a pretexto de exercê-lo. Em sentido similar, a Lei n° 11.036/2004 acrescentou o parágrafo único ao art. 2°, da Medida Provisória n° 207/2004, para conferir foro especial por prerrogativa de função aos ex ocupantes do cargo de Presidente do Banco Central do Brasil, para os casos de prática de atos administrativos. Os dispositivos do CPP e da Medida Provisória n° 207/2004 foram objeto das ADI n° 2.797 (STF, Tribunal Pleno, ADI n° 2.797, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. em 15 set 2005, decisão publicada em 19 dez 2006) e 2.860 (STF, Rel. Min. Menezes Direito, ADI n° 2.860, j. em 15 set 2005, decisão publicada em 19 dez 2006) e das ADI n° 3.289 (STF, Tribunal Pleno, ADI n° 3.289, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. em 05 maio 2005, decisão publicada em 03 fev 2006) e 3.290 (STF, Tribunal Pleno, ADI n° 3.290, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. em 05 maio 2005, decisão publicada em 03 fev 2006). As segundas foram julgadas improcedentes, enquanto que as primeiras, que questionavam dispositivo de semelhante conteúdo, foram julgadas procedentes.

compreensão sobre a compatibilidade de lei ou ato normativo de conteúdo idêntico com a

Constituição279.

Durante muito tempo, vigorou o precedente judicial vinculante do STF cuja norma jurídica geral era: associações de associações, ou seja, associações que congregam pessoas jurídicas, não formam classe alguma, e por isso, não preenchem o requisito necessário

a figurar no polo ativo de uma ação direta de inconstitucionalidade280.

A superação da referida norma jurídica geral ocorreu no julgamento do Agravo

Regimental na Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 3.153281. O recurso visou reformar a

decisão do Relator que extinguiu a ação direta sem exame de mérito, por falta de legitimidade ativa da Federação Nacional das Associações de Produtores de Cachaça de Alambique – FENACA. O Ministro Relator posicionou-se pelo não provimento do recurso, tendo em vista que, para ele, a FENACA seria uma associação de associação e que, por isso, não detinha