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Precedentes judiciais persuasivos

3 A APLICABILIDADE DA TEORIA DO PRECEDENTE JUDICIAL NO BRASIL

3.3 EFICÁCIA

3.3.5 Precedentes judiciais persuasivos

Nesse item, não se buscará delimitar o conceito de precedentes judiciais persuasivos, porque isso já foi feito no item 2.2.2 e tudo que foi dito naquela oportunidade permite compreender o alcance dessa espécie de precedentes judiciais no Brasil.

Objetiva-se, nesse item, indicar, exemplificativamente, as decisões, cujo núcleo goza de força persuasiva no ordenamento jurídico brasileiro.

A regra geral diz que toda decisão que não constituir precedente judicial vinculante, nos termos delimitados no item 3.3.3 deste trabalho, deve ser considerada precedente judicial persuasivo.

Nesse sentido, são persuasivos os precedentes judiciais proferidos pelos juízes

de primeiro grau e pelos tribunais estaduais ou regionais federais243, fora das hipóteses de

controle concentrado e difuso de constitucionalidade, de assunção de competência, de incidente de uniformização de jurisprudência e de edição de enunciado de súmula.

242

TARANTO, Caio Márcio Gutterres. Precedente Judicial: Autoridade e Aplicação na Jurisdição Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p.240.

243

ROSITO, Francisco. Teoria dos precedentes judiciais: Racionalidade da tutela jurisdicional. Curitiba: Juruá, 2012, p.117. Caio Márcio Gutterres Taranto entende que as decisões proferidas por magistrado de primeira instância sequer gera precedente, mas sim mera opinião, não reconhecendo qualquer força a essas decisões. (TARANTO, Caio Márcio Gutterres. Precedente Judicial: Autoridade e Aplicação na Jurisdição Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p.216-217). José Rogério Cruz e Tucci entende que os precedentes judiciais que conduzem à edição de enunciado de súmula gozam de eficácia persuasiva. (TUCCI, José Rogério Cruz e.

Da leitura de alguns dispositivos legais, é possível concluir que determinadas

decisões constituem precedentes judiciais persuasivos244.

O art. 285-A, do CPC245, por exemplo, confere ao magistrado a possibilidade

de julgar liminarmente improcedentes as causas repetitivas, nos casos em que a matéria controvertida for unicamente de direito, já tendo sido proferida, no juízo, sentença de total

improcedência em outros casos idênticos246.

Cabem alguns comentários em torno do art. 285, do CPC.

Da leitura do art. 285-A, do CPC, extraem-se dois requisitos para a sua aplicação: a) a matéria controvertida ser unicamente de direito; b) já tenha sido, naquele juízo,

proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos247.

Diz-se que há algumas imprecisões terminológicas nesse dispositivo. Primeiro, não se pode fazer referência ao termo controvérsia ou matéria controvertida, porque se não há citação, não há manifestação do réu e se não há manifestação do réu, não há impugnação da qual surge a questão (ponto controvertido). Na verdade, ao se referir à matéria controvertida, o dispositivo está se referindo a demandas de massa, cujos fatos são repetidos, não dependendo de comprovação técnica, pericial ou testemunhal, restringindo-se a discussão a

questões de direito248. Segundo, ao se referir a casos idênticos, não está se referindo a

244

DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual

Civil. 8. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Jus Podivm, 2013, v. 2., p.445.

245

O art. 285-A, do CPC, é criticado por não fazer menção a expressões como súmula ou jurisprudência dominante, dando a entender que, para a sua aplicação, basta o juiz de primeiro grau ter prolatado decisão anterior em caso idêntico. (TARANTO, Caio Márcio Gutterres. Precedente Judicial: Autoridade e Aplicação na Jurisdição Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p.245-246). Gustavo Santana Nogueira entende que “em que pese o legislador ter se referido à sentença anterior do Juízo, cremos ter havido erro, pois todo o histórico de reformas demonstra o objetivo de valorizar a jurisprudência dos Tribunais Superiores, e, não, fomentar a prática do juiz de julgar os casos repetitivos ignorando a manifestação prévia desses Tribunais”. (NOGUEIRA, Gustavo Santana. Stare Decisis et Non Quieta Movere: a vinculação aos Precedentes no Direito Comparado e Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p.218). Antonio Adonias Aguiar Bastos defende que o art. 285-A, do CPC, se aplica às demandas-tipo, decorrentes de uma relação-modelo que ensejam soluções- padrão. Para ele, o delineamento da relação-padrão com a causa de pedir e o pedido padronizados, importa para a aplicação da solução-tipo às causas afins que estejam pendentes ou que venham a ser ajuizadas. (BASTOS, Antonio Adonias Aguiar. Situações jurídicas homogêneas: um conceito necessário para o processamento das demandas de massa. Revista de Processo. Ano 35, n° 186, ago. 2010, p.97-98).

246

MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p.517; DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de

Direito Processual Civil. 8. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Jus Podivm, 2013, v. 2., p.445. Jean Carlos Dias diz

que o art. 285-A, do CPC, possibilita o uso da chamada entença-tipo. (DIAS, Jean Carlos. A introdução da sentença-tipo no sistema processual brasileiro – Lei n. 11.277. Revista Dialética de Direito Processual. N° 37, abr. 2006, p.63).

247

CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Primeiras impressões sobre o art. 285-A do CPC (julgamento imediato de processos repetitivos: uma racionalização para as demandas de massa). Revista Dialética de Direito

Processual. N° 39, jun. 2006, p.95.

248

Segundo Jean Carlos Dias, somente nos processos em que a controvérsia não depender de instrução probatória, admite-se a aplicação do art. 285-A, do CPC. (DIAS, Jean Carlos. A introdução da sentença-tipo no sistema processual brasileiro – Lei n. 11.277. Revista Dialética de Direito Processual. N° 37, abr. 2006, p.64).

demandas com tríplice identidade (pedidos, causas de pedir e partes), mas sim a demandas de massa, que se multiplicam com a mesma argumentação. Cada autor tem relação jurídica diferente com a parte contrária, que não se confunde com a posição de cada um dos autores

das outras demandas; o que é igual, nessas demandas, é a sua fundamentação jurídica249.

Com relação à expressão “no juízo”, utilizada no art. 285-A, do CPC, deve-se entender que diz respeito à menor fração de divisão dos órgãos jurisdicionais (vara, por

exemplo)250.

Em razão de algumas questões relativas ao seu regramento, foi ajuizada ADI n°

3.695251, alegando-se a inconstitucionalidade do julgamento de improcedência liminar, por

violação aos princípios do contraditório, da isonomia e da segurança jurídica.

Em linha similar, Daniel Mitidiero entende que o art. 285-A, do CPC, é inconstitucional por violar o contraditório do demandante. O contraditório, segundo o referido autor, não deve ser visto apenas como garantia de bilateralidade da instância, mas sim como garantia de que as partes possam envidar argumentos para influenciar no convencimento do magistrado. Por isso, ao se julgar a demanda improcedente, liminarmente, obsta-se a que o demandante possa, com base em seus argumentos, demonstrar que a sua demanda não se

assemelha àquela demanda já decidida252. Não se adere a esse posicionamento, porque se a

demanda deduzida pelo autor for diferente, ele poderá suscitar tal questão por meio de recurso, no qual deduzirá os argumentos aptos a influenciar o convencimento do magistrado.

Segundo Leonardo José Carneiro da Cunha, a previsão do art. 285-A, do CPC,

não viola qualquer princípio. Não há violação ao contraditório253, porque a decisão proferida é

benéfica ao réu e contrária ao autor. Para o mencionado autor, o princípio da igualdade

249

CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Primeiras impressões sobre o art. 285-A do CPC (julgamento imediato de processos repetitivos: uma racionalização para as demandas de massa). Revista Dialética de Direito

Processual. N° 39, jun. 2006, p.95-96.

250

DONOSO, Denis. Matéria controvertida unicamente de Direito, casos idênticos, dispensa de citação e seus efeitos – primeiras impressões sobre a Lei 11.277/06. Revista Dialética de Direito Processo. N° 38, maio 2006, p.45).

251

STF, ADI n° 3.695, Rel. Min. Teori Zavascki.

252

MITIDIERO, Daniel. Processo Civil e Estado Constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p.36-37.

253

Nesse sentido: KOEHLER, Frederico Augusto Leopoldino. Breve análise sobre alguns aspectos polêmicos da sentença liminar de improcedência (artigo 285-A do CPC). Revista Dialética de Direito Processo Civil. N° 41, ago. 2006, p.71; MELO, Gustavo de Medeiros. O julgamento liminar de improcedência. Uma leitura sistemática da Lei 11.277/2006. Revista de Processo. Ano 33, n° 165, nov. 2008, p.124. Paulo Sérgio Restiffe entende que o art. 285-A, do CPC, viola o contraditório, porque permite que sentença seja proferida sem citação do réu. (RESTIFFE, Paulo Sérgio. Reforma do CPC: modificação das regras recursais e julgamento liminar definitivo em processos repetitivos – Leis 11.276 e 11.277. Revista Dialética de Direito Processual. N° 37, abr. 2006, p.119).

também não é violado; pelo contrário, é garantido, já que casos iguais são julgados

igualmente254, o que efetiva a segurança jurídica255. É a esse entendimento que se adere.

Há quem entenda que a aplicação dos fundamentos da sentença paradigma de

improcedência é obrigatória256. Não se concorda com essa corrente, tendo em vista a própria

dicção do art. 285-A, do CPC, que diz que o magistrado “poderá” proferir julgamento de improcedência. Pode ser que a tese fixada na sentença de improcedência paradigma esteja em consonância com precedente judicial vinculante, que deverá ter aplicabilidade obrigatória, dando a falsa impressão de que é o precedente de primeiro grau que goza de eficácia vinculante257.

Ao se referir à sentença de improcedência em casos idênticos, o art. 285-A, do

CPC, está, na verdade, fazendo menção a um precedente judicial persuasivo258, que será

observado pelo magistrado de primeiro grau, se entender por sua correção e justiça.

Os arts. 476 a 479, do CPC, admitem a instauração de incidente de uniformização de jurisprudência nos casos em que houver divergência interna corporis entre precedentes do próprio tribunal ou entre um precedente do tribunal e uma decisão proferida

por órgão jurisdicional singular ou colegiado vinculado àquele tribunal259. Dos referidos

dispositivos, depreende-se que as decisões dos órgãos fracionários do tribunal constituem precedentes judiciais persuasivos.

254

Nesse sentido: MELO, Gustavo de Medeiros. O julgamento liminar de improcedência. Uma leitura sistemática da Lei 11.277/2006. Revista de Processo. Ano 33, n° 165, nov. 2008, p.124-125.

255

CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Primeiras impressões sobre o art. 285-A do CPC (julgamento imediato de processos repetitivos: uma racionalização para as demandas de massa). Revista Dialética de Direito

Processual. N° 39, jun. 2006, p.97.

256

Gustavo de Medeiros Melo defende que o juiz deve proceder ao julgamento de improcedência liminar da demanda, se preenchidos os requisitos do art. 285-A, do CPC. (MELO, Gustavo de Medeiros. O julgamento liminar de improcedência. Uma leitura sistemática da Lei 11.277/2006. Revista de Processo. Ano 33, n° 165, nov. 2008, p.115).

257

Caio Márcio Gutterres Taranto propõe que o art. 285-A, do CPC, deve ser interpretado conforme a Constituição. O referido autor diz que o(s) precedente(s) que admite(m) a aplicação do art. 285-A, do CPC, deve(m) estar em consonância com as orientações firmadas nos precedentes judiciais vinculantes produzidos pelo STF, pelo STJ, pelos tribunais respectivos e pela TNU. (TARANTO, Caio Márcio Gutterres. Precedente

Judicial: Autoridade e Aplicação na Jurisdição Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p.253-255).

258

DONOSO, Denis. Matéria controvertida unicamente de Direito, casos idênticos, dispensa de citação e seus efeitos – primeiras impressões sobre a Lei 11.277/06. Revista Dialética de Direito Processo. N° 38, maio 2006, p.45. Jean Carlos Dias e Fernanda Guedes Pinto dizem que o art. 285-A, do CPC, admite a aplicação da fundamentação da sentença-tipo nas causas idênticas. (DIAS, Jean Carlos. A introdução da sentença-tipo no sistema processual brasileiro – Lei n. 11.277. Revista Dialética de Direito Processual. N° 37, abr. 2006, p.68; PINTO, Fernanda Guedes. As ações repetitivas e o novel art. 285-A do CPC (racionalização para as demandas de massa). Revista de Processo. Ano 32, n° 150, ago. 2007, p.142).

259

DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual

Os arts. 530, 546 e 557, caput e §1°, do CPC e 105, III, “c”, da CF/1988260, permitem a interposição de recursos que têm por objetivo uniformizar a jurisprudência. Esses recursos (embargos infringentes, embargos de divergência no STF e no STJ, agravo contra decisão denegatória de seguimento de recurso e recurso especial fundado em divergência) podem ser fundados em precedentes judiciais persuasivos que estimularão a uniformização da

jurisprudência e a fixação de tese em precedente judicial vinculante261.

Analisada a eficácia do precedente judicial no Brasil, há que se verificar como ocorre a aplicação e a revogação de sua ratio.