• Nenhum resultado encontrado

3 ACCOUTABILITY : MAIS QUE OBRIGAÇÃO

3.1 Controle administrativo e prestação de contas técnica

Como mencionado na introdução deste trabalho, o controle administrativo ou controle da administração pública está intrinsecamente ligado ao dever de prestar contas, uma vez que ele opera os mecanismos legais que viabilizam a apresentação dos atos praticados pelos agentes públicos no exercício de cargos e funções.

Segundo Alexandrino e Paulo (2009), o controle administrativo pode ser interno, externo ou popular. O controle exercido dentro de um mesmo Poder ou entidade é tido como interno, e pode ser desenvolvido no âmbito hierárquico, caso da DFPA, ou por meio de órgãos especializados sem relação de hierarquia, condição da Auditoria Interna da UFRN.

Quando um Poder ou Órgão independente exerce o controle sobre os atos de outro Poder tem-se o controle externo. O julgamento anual das contas do executivo federal por parte

do Congresso Nacional, a anulação de atos do Poder legislativo ou executivo por decisão judicial, ou ainda as auditorias realizadas pelo TCU sobre as despesas realizadas pela administração pública federal, são exemplo de atos praticados por este controle (ALEXANDRINO; PAULO, 2009).

Em relação ao controle popular, Matias-Pereira (2010) discorre que a Declaração Universal dos Direitos Humanos e do Cidadão já havia instituído em 1798 que a sociedade tem o direito de solicitar prestação de contas a cada agente público da sua administração. Em nosso país a Constituição Federal (CF) de 1988 garante seu exercício ao determinar no inciso LXXII, do art. 5º, que “qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural” (BRASIL, 1988).

Nesse contexto, destaca-se o controle interno de gestão, que segundo o Art. 2º da Instrução Normativa Conjunta nº 01/2016 – MPOG-CGU, compreende o conjunto de regras, procedimentos, diretrizes, protocolos, rotinas de sistemas informatizados, conferências e trâmites de documentos e informações, entre outros, operacionalizados de forma integrada pela direção e pelo corpo de servidores das organizações, destinados a enfrentar os riscos e fornecer segurança razoável de que os objetivos da organização serão alcançados.

Ainda de acordo com o normativo, os controles internos da gestão também visam, dentre outras finalidades, “assegurar que as informações produzidas sejam íntegras e confiáveis à tomada de decisões, ao cumprimento de obrigações de transparência e à prestação de contas” (BRASIL, 2016a).

Considerando todas as tarefas relacionadas às etapas do processo de gestão da informação expostas no capítulo anterior, nota-se que aquele conteúdo teórico possui plena capacidade para assegurar que as informações produzidas no âmbito das fiscalizações dos projetos acadêmicos sejam íntegras, confiáveis e transparentes. Logo, o controle exercido pela DFPA sobre a execução físico-acadêmica dos projetos, deve ter por parâmetros, além dos fundamentos legais, as boas práticas informacionais dispostas no campo teórico da Gestão da Informação.

Adentrando no ato de prestar contas, percebe-se que esta ação é antes de tudo um dever constitucional. Conforme o parágrafo único do Art. 70 da CF, “Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária” (BRASIL, 1988).

Para Alexandrino e Paulo (2009), tal dever decorre diretamente do principio da indisponibilidade do interesse público, sendo tão abrangente que não se limita apenas à função do administrador público, mas também aos particulares que de algum modo receberam recursos públicos de qualquer espécie, para gestão ou aplicação.

A indisponibilidade do interesse público por sua vez deriva da forma republicana de governo, adotada pelo Estado brasileiro. Como explicam Coutinho e Rodor (2018, p. 76), republica significa “coisa pública”, coisa de todos nós. Contudo,

O povo, verdadeiro titular do poder, dono da “coisa pública”, não tem como administrá-la, razão pela qual o Ordenamento Jurídico criou toda uma estrutura organizacional para geri-la. É a chamada “Administração Pública” em sentido amplo. Essa ampla estrutura administrativa [...] é dirigida por um contingente humano que são os “agentes públicos”. Esses agentes estão administrando algo que não é deles e é por essa razão que não podem gerir os interesses públicos como o fazem na gestão de seus interesses privados (COUTINHO E RODOR, 2018, p. 76). Ainda segundo os autores, em decorrência da não disponibilidade do interesse público frente ao interesse privado existe a exigência de concurso público para provimento de cargo efetivo, de licitação para aquisição de bens e serviços públicos, bem como de prestar contas por ações praticadas na gestão da coisa pública.

No horizonte dos convênios e contratos de repasse, desenvolvidos pelas diversas Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) do país, a prestação de contas é normatizada pelo Decreto nº 6.170/2007 e Portaria Interministerial nº 424/2016, sendo operacionalizada na UFRN pela Resolução nº 061/2016-CONSAD/UFRN.

Vale salientar que os projetos acadêmicos executados na UFRN, por possuírem um contrato como lastro jurídico, representam um dos diversos tipos de contratos de repasse existentes no ordenamento jurídico brasileiro. Ademais, estes normativos foram elaborados em atendimento às exigências de leis federais e acórdãos6 do TCU.

O Decreto nº 6.170/2007 considera a prestação de contas o “procedimento de acompanhamento sistemático que conterá elementos que permitam verificar, sob os aspectos técnicos e financeiros, a execução integral do objeto dos convênios e dos contratos de repasse e o alcance dos resultados previstos” (BRASIL, 2007).

6 “Na instrução dos processos, os órgãos técnicos do TCU manifestam opiniões sobre a regularidade dos contratos, que servem como elementos de informação para a deliberação. Esta, quando tomada em colegiado pelos ministros (nas câmaras ou no plenário), adota a forma de acórdão, o qual transcreve as opiniões dos órgãos técnicos, sem que isso signifique que tenham sido acolhidas, total ou parcialmente” (SUNDFELD et al., 2017, p. 867). Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rdgv/v13n3/1808-2432-rdgv-13-03-0866.pdf. Acesso em: 10 out. 2019.

Para garantir o monitoramento de forma efetiva, ou seja, simultaneamente a exceção do contrato, o Decreto determina em seu o art. 10, § 7º, que a prestação de contas inicia-se concomitantemente com a liberação da primeira parcela dos recursos financeiros. Este procedimento traz maior tempestividade na correção de eventuais inconformidades encontradas durante a análise das informações disponibilizadas pelo gestor do contrato, que no contexto das fiscalizações é representado pelo coordenador do projeto acadêmico.

Da mesma forma que o Decreto, a Portaria Interministerial nº 424/2016, aborda as prestações de contas sob os aspectos financeiro e técnico. O aspecto financeiro é definido como “procedimento de acompanhamento sistemático da conformidade financeira, considerando o início e o fim da vigência dos instrumentos”. Já o técnico é tido como “procedimento de análise dos elementos que comprovam, sob os aspectos técnicos, a execução integral do objeto e o alcance dos resultados previstos nos instrumentos” (BRASIL, 2016b).

Por seu turno, a Resolução nº 061/2016-CONSAD/UFRN, norma que discrimina em parte as rotinas operacionais das prestações de contas dos projetos acadêmicos executados na Universidade, expõe que a prestação de contas financeira, elaborada pela FUNPEC, consiste na demonstração de arrecadação das receitas e na demonstração de execução das despesas, instruída com base no rol de documentos presentes em seu anexo VI.

A prestação de contas física (termo utilizado pela resolução), por sua vez, consiste na emissão do relatório de cumprimento do objeto, por parte do coordenador do projeto, visto que é seu dever “apresentar relatórios de prestação de contas parciais ou final para projetos do tipo A e B, conforme estabelecido no instrumento jurídico”, assim como “prestar aos órgãos competentes, quando solicitado, todas as informações necessárias à prestação de contas físico- financeira, para os projetos do tipo A e B” (UFRN, 2016).

Esta responsabilidade decorre da concepção que vislumbra a prestação de contas como ato personalíssimo, visto que o dever de prestar contas é da pessoa física responsável por bens e valores públicos e não da entidade. Nesse sentido o ônus da prova é de quem utilizou os recursos e as comprovações deverão ser disponibilizadas de acordo com as normas da Administração, conforme determina o art. 93 do Decreto-Lei nº 200/1967.

Percebe-se, diante dos normativos, que a prestação de contas concernentes aos projetos acadêmicos deve abarcar e considerar às informações relativas à sua execução financeira, do mesmo modo que sua execução técnica (físico-acadêmica), pois representam duas partes de uma mesma ação, e caso uma dessas parcelas seja realizada de forma negligente o processo como um todo será fortemente afetado.

À parte da esfera normativa, Aguiar et al. (2010, p. 21), discorrem que “prestar contas significa demonstrar a correta e regular aplicação dos recursos sob sua responsabilidade”. Aparentemente o conceito abrange apenas os aspectos financeiros deste procedimento, ligado diretamente à eficiência que, segundo Silva et al. (2018, p. 803), possui uma conotação estritamente econômica, pois busca maximizar os resultados e minimizar os custos, sendo medida pela relação direta entre inputs e outputs.

Entretanto, ao elucidar o conceito os autores pontuam que não basta o gestor apenas afirmar ou explicar que não desviou o valor recebido e que os recursos foram aplicados em benefício da comunidade; “há que se ter provas irrefutáveis, por meios idôneos da boa e regular aplicação dos recursos públicos, na forma indicada pela legislação que rege a matéria” (AGUIAR et al., 2010, p. 21). Na apresentação de tais provas evidencia-se a dimensão técnica da prestação de contas, aspecto que por suas características conecta-se aos conceitos da eficácia e da efetividade.

A eficácia, para Silva et al. (2018, p. 803), refere-se ao modo correto de escolher o que fazer, selecionando os objetivos adequados e os melhores meios de alcançá-los, sendo mensurada pelo alcance desses objetivos. Já a efetividade, segundo os autores, verifica em que medida os resultados de uma ação trazem benefícios à sociedade, mostrando se o alcance das metas e objetivos traçados trouxeram melhorias à população visada.

Nota-se dessa forma, a relevância da dimensão técnica das prestações de contas, à medida que o ângulo observado visa integralizar as informações financeiras, indo além da mera observação dos valores executados (eficiência). Parte-se assim, para o sentido técnico da análise, onde serão verificados os produtos e serviços efetivamente entregues a sociedade (eficácia) e se eles proporcionaram melhorias à população alvo (efetividade).

Por ser parte de um processo administrativo, essa dimensão também está ancorada no princípio da verdade material, instrumento que segundo Brina (2012, p. 230), busca uma proteção efetiva do interesse público e da justiça social, na medida em que reflete o comprometimento da administração na busca da verdade irrefutável, pois amplia sua capacidade investigatória e impede que ela tenha uma atitude de expectadora. Assim, ao invés de apenas observar o que se encontra nos autos, a própria administração pode determinar a produção de informações e provas necessárias para esclarecer o que realmente ocorreu no âmbito de um determinado processo administrativo.

Portanto, depreende-se que a informação é o elemento base no qual a dimensão técnica das prestações de contas está fundamentada. Logo, sua gestão precisa ser realizada de forma adequada, uma vez que na esfera pública uma simples ineficiência pode acarretar,

segundo Miranda e Streit (2007), responsabilizações legais, ou até mesmo um escândalo, capaz de danificar a imagem institucional da organização.

Ante o exposto, considerando que segundo Aguiar (2012, p. 392) “não é possível falar em quaisquer tipos de controle se a transparência não se efetivar”, e que a prestação de contas técnica não pode ser vista como um fim em si mesma, mas como um meio para o exercício dos controles interno, externo e, sobretudo popular, faz-se necessário abordar os aspectos relacionados ao princípio constitucional da publicidade, uma vez que no estado democrático de direito a transparência dos atos administrativos apresenta-se como garantia indispensável para o pleno exercício do controle social.