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Controle controverso: direito autoral e editoração

Estúdios e produtores não entrevistados

3.4. As normas no território: o RAP sob regulação

3.4.2. Controle controverso: direito autoral e editoração

O direito autoral é um mecanismo para proteger e garantir de forma remunerada a propriedade intelectual do criador de uma obra. No Brasil, os direitos autorais são regulados pela Lei Nº 9.610 de 19 de fevereiro de 1998 (em vigor), pelo então presidente, Fernando Henrique Cardoso, para os efeitos de: publicação, transmissão, retransmissão, distribuição, comunicação ao público, reprodução e contrafação da obra.

A proteção dos direitos da obra musical é regulada pelo Ministério da Cultural sob manutenção da Fundação Biblioteca Nacional (FBN) no escritório de direito autorais, localizado no Rio de Janeiro-RJ. A fundação é responsável por gerir, organizar e credenciar a solicitação com o pedido de direito autoral sobre a propriedade intelectual do músico, considerando a criação da letra e/ou a partitura (quando versão instrumental) da música.

Para a conclusão do credenciamento é feito o preenchimento da Ficha de Registro que categoriza o gênero da obra e credita o autor e co-autores. A entrada com o pedido da documentação pode ser feita a partir do CPF ou CNPJ do representante legal do artista, cujos documentos devem ser autenticados com reconhecimento de firma em cartório.

Após o cumprimento das normas, deve ser feito o pagamento da Guia de Recolhimento da União (GRU) no valor de R$ 20,00 à FBN ou à Conta Única do Tesouro Nacional (CUTN) e recolhido pelo Ministério da Fazenda. Toda a documentação é enviada diretamente à Fundação Biblioteca Nacional. No prazo de 60 dias, o artista/autor recebe um código postal que lhe garante o direito autoral pela obra.

Outro mecanismo, é o International Standard Recording Code (ISCR), estabelecido pelo ISO3901167 e gestado pela International Federation of the Phonographic

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A International Organization for Standardization (ISO) é uma organização não governamental, fundada em 1947, com sede em Genebra, Suíça. Ao lado de 162 membros associados (universidades, empresas e governos) formula padrões para produtos em circulação no mercado global. De acordo com o site da organização somam

Industry (IFPI)168, sediada na Suíça, com escritório de execução em Londres. A ISRC foi regularizada no Brasil por meio do Decreto Nº 4.533, De 19 de dezembro De 2002, da Lei de Direitos Autorais de 1998.

Sua função é habilitar a distribuição do suporte material e imaterial. Após a finalização do processo de masterização do projeto sonoro em suporte CD ou MP3, cabe ao agente do circuito fonográfico (artista ou empresa) realizar o cadastramento do projeto no software Sistema de ISRC (SISRC) da IFPI, para a geração de um código identificador que controle a circulação da música gravada. O código ISRC complementa a regulamentação e autorização para adquirir os direitos autorais da música (Ver Imagem 24).

Imagem 24 – Lista de faixas do projeto sonoro com código ISRC.

Fonte: International ISRC database, 2018

O monitoramento do arquivo sonoro é online e o fluxo de circulação é enviado por e-mail ou pelo SISRC ao autor toda vez que a música é executada (quando padronizadas às normas do sistema). O download do SISRC é aberto na rede e para liberá-lo é necessário ter o registro de produtor fonográfico por meio do CPF ou CNPJ (como já vimos no Item 3.3.1); assim, cabe às empresas fonográficas (gravadoras e selos) a retirada do código de certificação ISRC.

mais de 22 mil produtos com certificação ISO e está presente em 162 países. Disponível em: <https://www.iso.org/home.html> Acessado em: 13/01/2018.

168 No Brasil as empresas fonográficas associadas à IFPI são as majors: Globo Comunicação A Participação S /

No Brasil, existem inúmeras empresas prestadoras de serviços especializadas em editoração códigos de direitos de proteção da música (direitos autorais) e padrão de masterização/ISRC (direitos conexos)169, que administram as licenças da circulação do projeto sonoro nos meios de comunicação, reprodução e comercialização física ou virtual do projeto sonoro/fonograma. Porém, as editoras apenas facilitam as tramitações burocrático- documentais para a fluidez do processo, mas elas também podem deter os diretos dos artistas. Cabe ao Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD), empresa de caráter privado com sede no Rio de Janeiro-RJ170, arrecadar os direitos autorais das obras musicais de artistas nacionais e estrangeiros. O ECAD é administrado por um conjunto de Associações de Músicos e Compositores171 que gestam e fiscalizam o recolhimento das receitas geradas com a circulação dos fonogramas. E atuam como mediadores da relação entre o ECAD e os artistas/empresas fonográficas quando arrecadados os direitos.

Nesse caso, artistas/empresas fonográficas devem ser filiados em uma das AMC que compõem o conjunto de empresas que administram o ECAD. A divisão da arrecadação consentida funcionada da seguinte maneira: 85% distribuído aos titulares, 10% para o ECAD e 5% direcionado às associações.

No Circuito RAP do DF, averiguamos que apenas dois selos são filiados às AMCs, sendo: Viela 17 Produções, associado à União Brasileira de Compositores (UBC) e a empresas Alto Kalibre, filiado à Associação Brasileira de Música e Artes (Abramus). Averiguamos na opinião dos interlocutores que as questões dos direitos autorais entre os agentes do Circuito RAP são controversa e litigiosa, na relação com as empresas de editoração, mas principalmente com as associações de músicos.

DJ Marola (Pro Vinil/Marola Discos) quando se dedicava exclusivamente para o seu selo, relata como lidava com a questão dos direitos autorais com os grupos de seu catálogo: Pra quem tinha uma gravadora os direitos autorais eram garantidos, alguns produtores pagavam até 8% para os artistas. No meu caso, eu não posso falar em direitos

169 De acordo com a União Brasileira de Editoras de Música (UBEM) existem aproximadamente 55 empresas de

editoração musical associadas. Disponível em: < http://www.ubem.mus.br/home> Acessado em: 14/01/2018.

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O ECAD surgiu em 1973, instituído pela Lei Federal Nº 5.988/73 e mantida pelas leis 9.610/98 e 12.853/13. Para além da sua sede no Rio de Janeiro-RJ, o escritório possui 38 unidades arrecadadoras próprias localizadas nas principais capitais e regiões do país, 42 escritórios de advocacia e 61 agências credenciadas que atuam, especialmente, no interior do país. Disponível em: <http://www.ecad.org.br/pt/o-ecad/Paginas/default.aspx> Acessado em: 14/01/2018.

171 O conjunto da AMC que compõem o ECAD são: Abramus - Associação Brasileira de Música e Artes; Amar -

Associação de Músicos, Arranjadores e Regentes; Assim - Associação de Intérpretes e Músicos; Sbacem - Sociedade Brasileira de Autores, Compositores e Escritores de Música; Sicam - Sociedade Independente de Compositores e Autores Musicais; Socinpro - Sociedade Brasileira de Administração e Proteção de Direitos Intelectuais; e UBC - União Brasileira de Compositores.

autorais, porque eu cheguei a lançar trinta e seis títulos pela Marola Discos todos sem exceção houve um contrato, era tudo parceria. Eu falava: Mano, traz a máster que eu vou fabricar. Vai chegar os boletos nóis paga, você vende CD de lá e eu daqui, tantos CDs é seu e tantos é meu. E assim, foi feito com todo mundo.

Segundo DJ Jean (KDU Fonográfica), hoje, quem tem que correr atrás disso é o próprio artista, e não o selo. Quando ele tiver que receber tem que ser direto pra ele no CPF ou CNPJ do artista e não um selo. O artista tem que se filiar diretamente a uma associação e pegar o dinheiro. Eu como produtor fonográfico nunca consegui receber o dinheiro do ECAD, que eu já processei várias vezes. Os artistas não receberam nada.

De acordo com o rapper Lio do grupo Liberdade Condicional RAP, nos [rappers] temos que correr atrás para poder ganhar os direitos. Agora, a gente tirou carteira de músico e fizemos todo o registro para se proteger, entendeu? Daí você tem um retorno e não é muito, esses dias eu liguei numa associação que to e briguei lá. Eu disse: faz mais de seis meses que vocês não me dão nada e minha música todos os dias circula. Eu já recebi dinheiro de estado que eu nunca toquei.

Diferente, o produtor Nego Bila com o selo Skandalo, ao questioná-lo sobre como lida com os direitos autorais, afirma, é nós mesmo produções. Nós que fazemos a documentação, tiramos o ISRC. Da mesma forma age o produtor Alan Serrato (Matilha Music) relata que realiza toda a documentação dos direitos autorais do seu selo. Nóis fizemos um documento, criamos um contrato que garante a parceria. Nóis não somos filiados a associações de músicos, tudo aqui é independente. Nóis não nos associamos para não se sujar com a sujeira dos outros, sacou? Nóis conhecemos os procedimentos e realizamos toda a documentação. Nóis só se associa se a parada for muito séria e isso é com todo o movimento.

O fato da cooperaçõa entre as associações e os agentes do RAP no DF terem pouca relevância, se dá pelo caráter burocrático e do retorno a longo prazo para os recolhimento das receitas. Muitos proprietários dos selos optam pela distribuição de música virtual nas plataformas de streaming. O que está em questão é: o retorno financeiro e a autonomia gerencial na economia local.