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A densidade técnica e tecnológica da produção sonora: compositores, produtores e estúdios musicais

Só Balanço Produções

3.3. A densidade técnica e tecnológica da produção sonora: compositores, produtores e estúdios musicais

O princípio da produção fonográfica se estabelece com a criação sonora. Expressão que envolve a ação do corpo do artista e os meios materiais para sua concretude. Ambos formam a gravitação de psicosferas e tecnosferas sonoras, sendo a última um conjunto complexo de artifícios da densidade técnica.

A densidade técnica é composta por sistemas materiais globais que recobrem a paisagem da produção sonora com seus signos (equipamentos) e as formas de manipulação da música com o uso de tecnologias atuais constitui um meio expressivo, pois contém ação (PAIVA, 1992). Os objetos técnicos portam-se como os “materiais físicos que se servem os artistas, vistos na sua constituição natural, no seu uso comum e na sua destinação artística” (PAREYSON, 1984, p. 159). Atribuimos os equipamentos sonoros - produtos e serviços do meio técnico-científico-informacional - como elementos que reúnem o artista, o trabalho e a obra num só conjunto. Mesmo a densidade técnica sendo indiferente ao lugar, na música RAP o conjunto técnico é integrada à sua essência.

A composição musical ou criação de rimas é o momento que precede a produção musical. Na etapa da produção metaforicamente afirmamos que o MC/rapper é a matéria- prima pelo conjunto que o capacita artisticamente no momento da escrita. Conforme assinala

Paul Gilroy (2001, p. 210), a “música e seus rituais podem ser utilizados para criar um modelo pelo qual a identidade não pode ser entendida nem como uma essência fixa nem como uma construção vaga”.

O uso das palavras em forma de rimas explora o lado das experiências vivenciadas pelos rappers nos lugares em ações individuais e coletivas. Da mesma maneira, Nathanailidis (2009, p. 78), menciona que para “os rappers, a palavra traduz a imagem do cotidiano. O dia-a-dia inspira o MC, que costuma encontrar também na leitura um aprofundamento de bases de informação que sirvam como alicerce para suas canções”. Semelhantemente, Chuck D ao ser entrevistado afirma que a sua essência para escrever rimas vem do “mundo, das vizinhanças e áreas à minha volta. Existe um mundo imenso que circunda cada um de nós” (CHUCK D, 2010). É uma combinação do “sujeito real, físico e sensível” (PAREYSON, 1984, p. 157).

Podemos interpretar esse fato como uma essência do cotidiano que se manifesta com veracidade nas situações e inspirações que motivam os rappers; há um mergulho no lugar e no cotidiano (RIBEIRO, 2014). Segundo Milton Santos (1996, p. 322), o lugar (um cotidiano compartido) “é o teatro insubstituível das paixões humanas, responsáveis, por meio da ação comunicativa, pelas mais diversas manifestações da espontaneidade e da criatividade”.

No cotidiano como dimensão do espaço, aponta Agnes Heller (1972, p. 17), “os homens [parafraseando: os rappers] coloca em funcionamento todos os seus sentidos, todas as suas capacidades intelectuais, suas habilidades manipulativas, seus sentimentos, paixões, ideias e ideologias”. É por vez a essência do cotidiano uma expressão de conteúdos geográficos que por meio dos rappers ganha forma no ato da criação musical, mediada pelas técnicas sonoras nos estúdios no tempo presente. Contudo, resguarda a ação do passado e ao conceber a ideia de um projeto sonoro sinaliza para o futuro.

Pela ótica da técnica como mediadora, temos os estúdios fonográficos como formas materiais e imateriais no circuito fonográfico. Os estúdios são fixos estruturados com o aparato tecnológico para a realização da gravação, produção e edição musical. Os produtores são os príncipes eletrônicos164 e alquimistas do ritmo contemplados por uma tecnoesfera e piscosfera sonora, ao lado da capacidade de escrita do artista e juntos realizam com criatividade a concretude da música. Ambos são elementos essenciais das empresas

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O príncipe eletrônico é um novo trabalhador focado na produção intelectual, que tange os artistas, jornalistas, fotógrafos, publicitários, cineastas, programadores, redatores, acadêmicos, políticos e escritores, entre outros (IANNI, 2000).

fonográficas, pois neles é que se pode garantir a qualidade inicial do produto e fazer surgir as hodes musicais que emplacam nas mídias.

No Circuito RAP estúdios e produtores são híbridos que dinamizam os lugares conferindo a possibilidade dos rappers e empresas fonográficas iniciarem a capitalização de suas idéias. Segundo os nossos interlocutores, um produtor musical que se preze deve estar atento ao mercado da música e prosseguir para além da criação musical, atuando como um consultor artístico dos grupos/rappers.

Os estúdios são os verdadeiros locais de expressão artístico-criativa dos rappers e produtores, pois agregam artistas profissionalizados com maior expressão/notoriedade no movimento, em ascensão nas diversas cenas do segmento; e em muitos casos contribuem para dar origem há uma legião de rappers e grupos que estão no anonimato. Em comum, todos estão em busca do desejo de ouvirem a exteriorização de suas ideias e visões de mundo em forma de música para informar o seu público através de sua arte na metrópole.

Para se ter um entendimento do volume da produção sonora no Distrito Federal no banco de dados da plataforma de streaming Palco MP3, constam 4.477 música somente de artistas do segmento RAP do Distrito Federal, sem avaliar os lançamentos que circulam em outras plataformas virtuais e em suportes físicos. Indagamos qual é a espessura e o peso para a economia política na metrópole diante dessa prática cultural que tem nos estúdios o principio de sua dimensão material e imaterial?

São informações que não são catalogadas por agências e órgãos públicos ou por instituições privadas especializadas no circuito fonográfico. Para o entendimento da questão, buscamos por meio de fontes primárias (visitas técnicas e entrevistas) e secundárias (títulos lançados) reconhecer a importância dos estúdios e seus produtores para o circuito.

Elencamos a existência de dezenove estúdios e produtores musicais no Circuito RAP do DF (Ver Quadro 8). Deste conjunto, realizamos a visita técnica em apenas quatro deles, todos localizados em Ceilândia165. No entanto, a topologia desses fixos e seus agentes estão distribuídos em sua maioria em diversas localidades no Distrito Federal, com maior concentração para as cidades-satélites do quadrante oeste. Nesses espaços é realizada propriamente a produção musical, mixagem e masterização, além da cooperação e troca de informações entre os agentes do circuito.

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Atribuímos a esse fato para algumas dificuldades no trajeto da pesquisa, tais como, o tempo para a realização do trabalho de campo (com duração de um mês), os altos custos com despesas e principalmente a agenda dos nossos interlocutores. Assim, tivemos que concentrar as visitas técnicas na área mencionada.

Quadro 8 – Estúdios e produtores musicais do Circuito RAP do DF.