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FEDERAL: PROCESSO PRODUTIVO E MERCADO LOCAL

3.2. Cidadãos-empresas: os selos que movimentam o Circuito RAP

A agudeza das políticas neoliberais nos países periféricos exerce uma pressão dos processos sociais que estão cada vez mais racionalizados em decorrência da aceleração contemporânea. É uma tendência no mundo do trabalho a insurgência do sujeito auto- empreendedor, cujo imperativo é, conforme Gorz (2005, p25), “a abolição do regime salarial, auto-empreendimento generalizado, subsunção de toda pessoa, de toda vida pelo capítal, com o qual cada um se identificará inteiramente”, assim, “a pessoa deve para si mesma, tornar-se uma empresa” (idem, p. 23).

No Circuito RAP do DF a ideia de movimento é cada vez mais incorporada pelos agentes à noção de cidadão empresa (GORZ, 2005), pelo hiperativismo e multifuncionalidade dos agentes ao atuar como sujeitos corporificados com o “espírito” empreendedor. Essa inserção é caracterizada especificamnte em cada rapper e/ou produtor na relação do trabalho independente que se personifica nos selos fonográficos.

No Circuito RAP cabe aos selos lançar comercialmente nas ruas os projetos sonoros (títulos fonográficos) dos rappers. Os selos são responsáveis por gerenciar todas as etapas do processo produtivo, da pré-produção as estratégias que implica no consumo. Por participar ativamente das etapas que movimentam o circuito, estão em contato direto com as densidades técnicas, normativas e informacionais imperativas das verticalidades do circuito fonográfico hegemônico, bem como, com as densidades comunicacional e social resultante do meio ambiente construído domínio das horizontalidades no espaço banal.

Considerando os sistemas de eventos, inventariamos vinte selos no Circuito RAP que se encontram em atividade no Distrito Federal. Dessa unidade de empresas fonográficas em operação, realizamos visitas técnicas em treze delas160, sendo que em duas obtivemos os dados a partir de fontes secundárias, em suas respectivas contas no Facebook.

Num recorte temporal, apenas um selo surgiu na década de 1990, o Só Balanço do rapper GOG. Entre os anos 2000 a 2010 encontram-se a existência de três empresas, tais como, a Marolas Discos, Guind‟Art Produções e KDU. As outras empresas surgiram a partir das principais transformações culturais no circuito fonográfico do RAP, introduzidas com a

160 As outras empresas fonográficas inventariadas e suas respectivas localizações foram: Salmus, Total

Entretenimento de Taguatinga; 22 Strykers/Nóisqfaz Music, de Ceilândia; Atitude Produções da Asa Norte/São Sebastião; Trindade Produções de Samambaia; e Nós de Cá do Recanto das Emas. Entretanto, temos conhecimento que essa espessura é maior e realizamos uma tentativa de espacializar as ações dessas empresas no Circuito RAP do DF.

queda da venda de CDs, a popularização da pirataria e a capilarização técnica-tecnológica dos equipamentos para produção.

No entanto, os novos selos surgiram principalmente com a flexibilização normativa para a abertura de empresas cadastradas na Receita Federal/Ministério da Fazenda. Esse conjunto é composto pelas empresas: Skandalo, Alto Kalibre, MUB, Viela 17, Indústria Kamika-Z, DJ Jamaika, Na Brisa, Aborígine e Matilha Music. Atribui-se essa eclosão à busca por maior autonomia para colocar um projeto sonoro nas ruas.

O quadro de pessoas envolvidas no gerenciamento nos selos do Circuito RAP do DF - compõem em média três trabalhadores na execução de atividades administrativas, financeiras e burocrático-documentais. Por meio dessas atividades os trabalhadores conhecem todas as etapas do circuito na realização de serviços que normalmente são atribuídos a terceiros, tais como, acessoria de imprensa, suporte jurídico, produção de videoclipes, edição gráfica e fotografia, marketing, editoração, confecção de vestimentas, entre outros.

Em todos os casos, as empresas fonográficas são auto-geridas pelos artistas ou há participação de pessoas ligadas diretamente ao RAP que não necessariamente fazem música, como é o caso da produtora executiva Daniela Mara, do selo Viela 17 e do produtor sociocultural Lucas MUB, do selo Movimento Underground Brasília.

Daniela Mara proprietária da Viela 17 produções e companheira do rapper Japão, explica que a ideia do selo surgiu da necessidade de atribuir mais atenção para o lado artístico da carreira do músico. No início, foi necessário resgatar toda a discografia do grupo, montar um release e regularizar a firma. A iniciativa se concretizou no ano de 2013, com o lançamento e circulação do álbum “20 de 40” do grupo Viela 17. Outro aspecto relevante na trajetória do selo é a parceria com a gravadora Baguá Record‟s de São Paulo que, em 2016, firmou parceria para o lançamento do DVD “26 anos de RAP Nacional”. E, recentemente, o selo lançou o projeto da rapper Lídia Dallet “Diário” com incentivos do Fundo de Apoio à Cultura (FAC) do Governo do Distrito Federal.

O produtor Lucas da MUB relata que a questão da produção fonográfica veio com o tempo, pois, no início, a iniciativa da empresa se empenhava em produzir eventos e a carreira artística de alguns grupos. Hoje, o produtor não busca artistas em potencial para lançá-los, mas pretende aprimorar a carreira dos artistas que pertence ou tem parcerias com o selo. Em 2017, a MUB colocou em circulação o projeto “O legado” do rapper Heitor Valente que pertence também ao selo Alto Kalibre.

Conforme relata o rapper Rafinha, membro do conselho de produtores do selo Alto Kalibre, a visão empreendedora no RAP teve como fonte inspiradora o rapper

Emicida:161 ele [Emicida] nos mostrou que isso é possível, lidar com os negócios no RAP. Ter um selo te faz trabalhar e estar com visibilidade. O selo faz com que a sua marca esteja rodando e te obriga a evoluir para um nível de profissionalismo. Você sai da condição de amador, mas não no caso de fazer a música amadora, mas de se profissionalizar e saber como é fazer circular e divulgar uma música. A AK [Alto Kalibre] tá começando a caminhar de fato agora, pois ainda, a gente ta com dificuldades em gerenciar todos os grupos do selo.

Da mesma forma ocorreu com Nego Bila, este, produtor musical e um dos membros do conselho do selo Skandalo relatou que a empresa surgiu para produzir os grupos PR15 e Sobreviventes de Rua, ambos da Ceilândia. Em 2015, o produtor relata que uma das conquistas do selo foi realizar o lançamento do CD do grupo PR15 no Shopping JK em Taguatinga, sendo pioneiros nesse tipo de divulgação.

Outro aspecto enfatizado pelos interlocutores é o contexto de transição do período digital para o virtual da circulação de músicas. Muitos buscam através da abertura de empresas a superação do amadorismo e sua participação e consolidação no Circuito RAP.

Desde 2009, o rapper Markão Aborígine coloca músicas nas ruas e redes virtuais. Porém, a partir de 2013, mantêm o selo Aborígine Produções e menciona que é patrão e funcionário do próprio negócio. O rapper abriu sua empresa para ampliar a comunicação com a sua arte e emitir notas fiscais no mercado da música para prestar contas ao Estado. Adiante, expõe a sua visão dentro do circuito e nos explica: Eu tendo muito para a economia solidária, a autogestão, mas a gente tem que pegar alguns macetes do mercado cabuloso, o grande capital. Hoje, eu não circulo muito produto e é errado pra música, para o RAP isso é quase um crime.

Da mesma forma, ocorreu com o rapper e produtor cultural Marcelo Paulysta, que observou por meio da via empreendedora a superação da necessidade de seu grupo Port Ilegal Rappers, da Cidade Estrutural, em obter maior participação em eventos organizados pelos órgãos públicos, assinar contratos e divulgar seus trabalhos no circuito hegemônico. Desde 2011, o rapper mantém a empresa Na Brisa Produções legalmente, mas somente após dois anos ela se tornou ativa. Segundo Paulysta, o RAP acompanhou a globalização e a gente [Na Brisa Produções] acompanha também.

161 Rapper da cidade de São Paulo que ao lado do seu irmão Evandro Fióti, após venderem 10.000 cópias de CDs

de mão em mão, fundou em 2010 o selo e produtora Laboratório Fantasma. Atualmente, a LAB conta com 8 artistas e 11 títulos lançados circulando em diversos países do mundo nos festivais de música, lojas e programas de rádio. Recentemente a empresa lançou uma coleção de roupas no São Paulo Fashion Week (SPFW), maior evento de desfile específico desse circuito e uma linha de óculos da rede Chilli Beans.

Por sua vez, o produtor musical e rapper Alan Serrato, proprietário da Matilha Music relata que tudo começou pela necessidade de lançar um projeto sonoro. No ano de 2014, após decidir que deixaria de ser um músico amador, participou do projeto Jovem de Expressão162 e abriu a empresa. Sobre o profissionalismo no RAP, Serrato relata que a iniciativa partiu da sua observação de agentes de fora do país: Quem me fez ter a visão de algo grande como gravadora foi a Strange Music do rapper Tech N9ne163 (se pronuncia, technine), na parte de gravadora, E também o rapper Tyga (pronuncia-se Taiga) na parte de como agir, de como ter uma postura. Hoje, a gente ta trabalhando mais o lado burocrático da empresa, do lançamento de nossos produtos e o estúdio para poder lançar os nossos artistas.

A questão da autonomia na produção fonográfica merece destaque na posição do DJ Jamaika que conta: Na época que eu sai da major [Warner Music], eles me deram a rescisão e tal. Eu mesmo comecei a produzir os meus discos eu mesmo ia bancar aquilo. Com o meu CPF eu não precisava ficar preso a gravadora, assim eu já bancava o meu disco com ajuda de apoiadores. Eu entrei nesse processo e estou até hoje, não existe mais burocracia, antigamente era mais difícil, hoje não tem mais isso. O RAP mudou muito.

A inserção desses profissionais no mercado da música se dá com a vivência ao longo de suas trajetórias no movimento RAP. Entre iniciantes e artistas de gerações passadas os interlocutores vêem no momento atual uma pressão do tempo para se manterem atualizados diante as alterações globais – da produção ao consumo - do/no circuito fonográfico.

O empreendedorismo no RAP visto como um caráter de profissionalização no movimento posiciona seus agentes no “Jogo” ou “Game”, expressões essas que são muito utilizadas pelos agentes do Circuito RAP do DF e que significa a atuação dos empresários no mercado da música. São medidas estritas do circuito fonográfico hegemônico adotado pelos agentes do Circuito RAP que buscam assim, romper com a rigidez normativa para colocar em funcionamento a sua empresa fonográfica. No Quadro 7, buscamos sintetizar a dinâmica dos selos atuantes no circuito local:

162 O Jovem de Expressão foi idealizado pelo produtor sociocultural Max Maciel, morador da Ceilândia. Max é

coordenador do projeto Rede Urbana de Ações Sociais (RUAS) gestor do Jovem de Expressão, cujo objetivo é fomentar o mercado da cultura urbana (centralização dos recursos). As atividades tiveram início no ano de 2007, e funciona de forma setorizada em Ceilândia nas Praças do Trabalhador e Cidadão; e no Teatro de Taguatinga. O projeto conta com mais 40 pessoas envolvidas. Conta com recursos da CAIXA Econômica Federal no valor de R$ 400.000,00 a serem aplicados nas seguintes atividades: Laboratório de Empreendedores Criativos (Incubadora); Cursos de capacitação para produção de eventos (iluminação, audiovisual, fotografia, cenografia, produção, roading); e Cursinho Popular;

163

Criada em 1999, na cidade de Kansas, no estado Missouri nos Estados Unidos pelo rapper Tech N9ine e o empresário imobiliário Travis O'Guin que juntos conduzem a gravadora independente especializada em RAP. A Strange Music conta mais de 20 artistas em seu catálogo e 67 títulos lançados entre 2001 a 2017.

Quadro 7 – Selos do Circuito RAP do DF.

Viela 17 Produções

Fixo

Pessoal envolvido Localização Proprietário Ano de

operação 3 Ceilândia (Expansão do Setor O) Marcus Vinícius

(Japão) e Daniela Mara 2013 Fluxo

Etapas

Produção Regulação Distribuição Circulação

Possui estúdio próprio para edição e pré-

produção; Produção musical a cargo do produtor DJ

Raffa (Asa Norte); Duplicação realizada em

São Paulo-SP pela Empresa Play-R;

Empresa tipo MEI com CNPJ; Associado à União Brasileira de Compositores (UBC) empresa de

editoração e direitos autorais localizado em São Paulo-SP; Possui parceria com a ONErpm; Possui o programa para cadastro de

ISRC;

Plataformas digitais monetizadas; Empresa credenciada na Siscult-DF e

CEAC-FAC;

Distribuição própria em lojas de discos do

DF e São Paulo-SP, eventos, pontos de encontro e pelo sitio da

marca Viela 17 Shop; Plataformas digitais (YouTube, ONErpm, SoundCloud, Spotify), Divulgação em redes sociais (Facebbok, Instagram) e e-mail (mala direta)

Cooperação (Artistas, selos, empresas, outros) Catálogo de artistas: Viela 17 e Lídia Dallet

Selos: Tauá (lançamento do EP “Eles Falam Quando Deveriam Ouvir” em 2013) Gravadora: Baguá Records (São Paulo-SP)

Distribuição virtual: ONErpm (sede em Nova Iorque-EUA e filial em São Paulo-SP) Duplicação: Empresa Play-R (São Paulo-SP)

Capital investido

Circuito RAP Linha de crédito

Eventos musicais, projetos culturais e artísticos Edital público e privado