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Um divisor de águas nas ruas de Nova Iorque: Sugarhill Record’s e a mundialização do RAP

E SUA PRODUÇÃO FONOGRÁFICA

1.4. Um divisor de águas nas ruas de Nova Iorque: Sugarhill Record’s e a mundialização do RAP

De acordo com Tapermam (2015, p. 21), “a maior parte dos MCs e DJs não achava uma boa ideia gravar em disco o que para eles só fazia sentido como performance ao vivo, no contexto da festa”. O autor citado não adentra em maiores elucidações sobre esse caso, mas tentaremos explicar os fatos.

É sabido que no início do século XX, com o advento da produção industrial mecânica e elétrica, houve as primeiras gravações de disco reproduzidas em fonógrafos. Muitos músicos negros de Jazz daquela época recusavam gravar suas músicas, pois perderiam suas emoções/sentimentos momentâneos com base no improviso que eram transferidos para as canções realizadas apenas “ao vivo”. Ao gravarem, alguns dos jazzistas alegavam que teriam suas expressões individuais (sentimentos e emoções) fixadas num objeto. No entanto, os jovens rappers tiveram a oportunidade para a gravação de seus discos.

37 Nessa época, a produção massiva de álbuns de música e filmes se deu de forma massiva, por exemplo, as

bandas e artistas: Donna Summer, Bee Gess, KC and The Sunshi Band, George McCrae e muitos vindos do

Funky-Soul, como The Jacksons, The O‟Jays, Betty Wright, Earth, Wind & Fire, entre outros. E os filmes

produzidos: Saturday Night Fever (1977), Thank God It's Friday (1978), Roller Boogie (1979), entre outros. No Brasil o gênero ficou conhecido através de programas em rádios FM e principalmente por meio da telenovela produzida pela Rede Globo, Dancin‟ Days (1978).

No ano de 1979, a empresária e musicista Sylvia Robinson ao acompanhar alguns dos encontros de Hip Hop no bairro do Harlem, em Nova Iorque, teve a convicção de que a emergente cena RAP poderia ser um produto comercializável e bem sucedido.

Sylvia ao lado de seu companheiro Joe Robinson criou o selo próprio, Sugarhill Record‟s. Sylvia, com a ajuda de seu filho Joe Robinson Jr., reuniram três jovens: Big Bank Hank, Master Gee e Wonder Mike MC‟s da cidade de Nova Jersey que não pertenciam à cena RAP do Bronx para formarem o grupo “Sugarhill Gang”, lançando-os com o single38 “Rappers Deligth” em setembro daquele ano. O lançamento da música em nome do Sugarhill tornou-se o primeiro registro fonográfico do RAP39.

A versão instrumental foi inspirada no sucesso Good Times, do grupo Chic de Filadélfia40. No estúdio, os empresários Sylvia e Joe contrataram um baixista e um guitarrista para reproduzirem o som de Good Times 41. Naquela época os recursos eram analógicos e o processo de produção musical era diretamente transferido da mesa de som para um deck de fitas magnéticas de rolos. Os músicos tocaram o ritmo até conseguirem uma base musical para uso do Sugarhill Gang. Sobre o processo de realização no estúdio, o MC Wonder Mike em entrevista ao jornal “The Guardian”, comenta que “A gravação final foi de 19 minutos, todo o rap feito em uma tomada, mas nós cortamos para 15, tornando a introdução mais curta com algum barulho de festa”. Nas palavras de Leal (2007, p. 34):

“O pioneirismo só é atribuído ao Sugarhill devido a uma intensa promoção organizada por Sylvia Robson, empresária do grupo e do selo Sugarhill Records. Sylvia também é considerada a primeira mulher a empresariar um grupo de rap e um selo musical. Rapper‟s Delight se tornaria um recorde de vendas no fim da década, levando o Sugarhill Gang a um sucesso até então não alcançado por outro grupo no pouco tempo de vida do rap”.

Nas palavras do MC Dat a Rock (“Scratch”, 2001), “isso esvaziou muito o Hip Hop [...] porque o meu RAP dependia do sentimento do meu DJ. Se ele estava feliz, eu estava feliz. A minha música soava bem, porque ele soava bem e vice-versa, mas, com a DAT, você rima em uma faixa morta e não um sentimento”. Mesmo o lado emotivo e militante dos hip-

38 Comente o single é uma estratégia de divulgação do trabalho de um artista da música, sendo um artifício para

se ter uma visão do comportamento do público alvo para se antecipar um projeto musical completo, p. ex. um álbum.

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Há ainda controvérsias sobre qual seria o primeiro registro do RAP, para algumas pessoas do ramo fonográfico a canção “King Tim III (Personality Jock)” da banda nova-iorquina de Funky Fat Back Band, lançada meses antes de “Rappers Deligtth”, seria o primeiro registro. Outras vão mais além, ao afirmarem que o comediante Pigmeat Markham teria registrado o primeiro “RAP” em 1968, com a música “Here Comes The Judge” algo que lembra um estilo Jazz-Funky, precursor no estado de Nova Orleans do início da década de 1970. Ambos emitem uma sonoridade e versos falados que os aproximam do RAP feito no Bronx.

40 Segundo a revista “Billboard”, a canção foi a mais tocada em agosto de 1979.

41 Na introdução de “Rappers Deligth”, os empresários da Sugarhill Record‟s utilizaram trechos da música “Here Comes That Sound Again” da banda Love De-Luxe produzida pelo britânico Alan Hawkshaw, também

hoppers direcionados para as causas raciais, políticas e culturais nos bairros pobres de Nova Iorque não deteriam naquele momento o vínculo que a Sugarhill Record‟s havia colocado para o RAP em relação ao mercado da música. Nas palavras de Tapermam (2015, p. 24),

“O processo de entrada do rap no [circuito fonográfico] levanta uma série de questões interessantes sobre as relações entre cultura e mercado. Se hoje a figura do MC parece evidente, os próprios rimadores não conseguiam imaginar como uma prática de improviso que tinha como objetivo animar bailes desembocaria em letras fixas e um jeito de cantar que podia ser registrado em disco. E muito menos que viria a ser amplamente difundido, gerando milhares de dólares em direitos autorais”.

A música, “Rappers Deligth” foi um sucesso. No ano de seu lançamento estourou no hit parades (parada musical) 42, estando entre as quarenta músicas mais tocadas naquele ano na lista da revista estadunidense “Billboard”. Mas nem todo o triunfo foi presente para a Sugarhill Record‟s. No Quadro 1, destacaremos alguns momentos importantes que deixaram em alerta a relação do RAP com o mercado fonográfico e, sobretudo com a Cultura Hip Hop.

Quadro 1 – Relação inicial do RAP com o mercado fonográfico.

Momentos Características do evento

Momento 1

A ideia de produzir fonograficamente um grupo de RAP foi externo aos integrantes do Hip Hop, Sylvia foi cantora de Rhythm and Blues nos anos 1950-60, o que tirou a autenticidade do movimento;

Momento 2 O grupo Sugarhill Gang não tinha DJ. Como vimos os DJ‟s são uma das bases do Hip Hop e da