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CAPÍTULO 5 RELATOS DAS EXPERIÊNCIAS DOS PSICÓLOGOS

5.4 Atividades desenvolvidas pelos psicólogos nos CRAS

5.4.8 A Coordenação de Grupos Socioeducativos

A frequência nos grupos socioeducativos é exigida para aqueles que participam de um dos programas de transferência de renda, como o Renda Cidadã ou o programa Bolsa Família. No entanto, para o Programa Bolsa Família, o não cumprimento não implica na sanção automática do benefício, como ocorre em relação ao descumprimento das condicionalidades de frequência aos serviços de saúde e educação.

Em relação aos programas estaduais, apenas o Ação Jovem tem um aplicativo onde o técnico aponta a frequência do adolescente nas atividades socioeducativas e isso repercute no benefício. Por isso, o grupo deste programa é o mais assiduamente frequentado no município pesquisado.

Os participantes da pesquisa disseram que os grupos podem ser coordenados tanto pelo assistente social, quanto pelo psicólogo. Aliás, assim como em todas as atividades desenvolvidas no

CRAS. Geralmente as reuniões de cada grupo ocorrem uma vez por mês e um técnico, que pode ser auxiliado pelo estagiário, fica responsável por um grupo específico. Então, por exemplo, Thaís cuida do grupo de idosos que recebem o BPC e Aline dos beneficiários do PBF.

As reuniões são abertas, porque há muita rotatividade da população nas atividades, um aspecto que, para os colaboradores, é bastante desestimulante. Desse modo, conforme explicou Pedro, um grupo pode iniciar com 30 pessoas e depois de dois encontros ter a presença de cinco ou seis pessoas. O que será discutido no tópico Aspectos que dificultam a atuação.

Bianca e Aline relataram que modificaram o modo de convocação das pessoas para o grupo para promover a melhor adesão dos participantes, pois, segundo Aline e Pedro, a imposição da participação acabava conferindo um caráter de obrigatoriedade à atividade. Assim, elas mudaram da antiga convocação para o convite das famílias. O que, de acordo com Aline, propiciou uma frequência e interesse maiores pela atividade. Essa experiência será relatada em Aspectos que

favorecem a atuação.

De acordo com Pedro e Aline essa atividade pode propiciar a troca de experiências, o vínculo, a sensação de pertencimento, a convivência e a potencialização.

[o grupo] é uma forma de garantir que a gente consiga acompanhar o número de famílias que o PAIF exige para benefícios... a gente precisa acompanhar 300 famílias por mês [...] e a ideia do CRAS é trabalhar coletivamente e não individualmente. O grupo é uma porta aberta... pra esse tipo de trabalho e como o CRAS trabalha com defesa de direitos, é uma forma de você orientar mais pessoas ao mesmo tempo sobre os direitos que elas têm e elas poderem juntas, discutir sobre isso [...] para elas sentirem que o CRAS é um espaço de convivência mínima [...] fica menos burocrático com essa questão do benefício [...] um lugar que elas possam confiar para contar coisas. PEDRO

Além disso, Pedro considera essa atividade como a mais criativa que desenvolve.

Para ele o trabalho do CRAS é divido entre tarefas maçantes e tarefas criativas. As maçantes são: convocações, receber e resolver a situação do bloqueio dos benefícios das famílias que estão nas listagens recebidas do gestor, os atendimentos ligados ao benefício e as criativas são: os grupos. [trecho retirado do diário de campo em 12/04/2012]

De acordo com Aline, as demandas apresentadas pela população nos grupos referem-se à: violência contra a mulher, educação dos filhos, questão da moradia e saúde. Além disso, o espaço também é concebido por eles como um lugar “para poder reclamar”.

Em relação à metodologia utilizada, de acordo com Pedro “não tem uma coisa pronta para fazer, um padrão”, pois eles, os grupos, modificam-se quase todo mês. Ele também aponta que não teve uma “formação para o trabalho com grupos”, por isso ele e outros técnicos precisam aprender fazendo e “não sabem muito o quê fazer”. Diante dessa dificuldade, eles solicitaram um curso de

capacitação para a Secretaria e receberam um workshop de uma pessoa contratada que durou apenas um dia, embora eles quisessem algo mais contínuo.

Por isso, ele, Aline e Thaís colocaram que a pesquisa de materiais e a troca de ideias com os colegas são as principais fontes de referência para as atividades e dinâmicas desenvolvidas.

Às vezes, a gente pega o material de Psicologia de grupo mesmo, tem algumas apostilas, posso até te mostrar depois, às vezes pega no material do Projovem, eu já vi uma orientação de grupos do MDS, que eu nunca mais achei. [...] a gente discute sobre quem [da equipe] tem alguma ideia no grupo de uma dinâmica que queira apresentar e possa ser passada no grupo. [...] tem uns vídeos aí. A ideia é colocar sempre um vídeo agora, nem que seja curtinho. PEDRO

[retiro ideias] de algum outro livro que eu quero, dou uma pesquisada na internet, [...] dá pra ver, de outros grupos, outras dinâmicas, tem até guias diferentes de outras áreas. [...] Principalmente da horta e da economia solidária. [...] a pessoa responsável da secretaria pela incubadora, [...] passa pra mim e [...] os estagiários trazem muita coisa, porque eles estão aprendendo agora [...] pra outros CRAS a gente liga e pergunta que vídeo usaram? [...] como vocês fizeram?, aí dá certo. ALINE

Malu citou que utiliza a metodologia de trabalho de Lúcia Afonso17, que propõe começar e fechar o tema na mesma reunião de grupo, de modo que as pessoas que faltaram ou deixaram de frequentar não perdem a finalização da discussão. Essa autora consta nas referências dos materiais normativos que orientam o trabalho do psicólogo com as famílias no PAIF, principalmente no Guia de Orientações Técnicas no 1, conforme apresentado no capítulo dois dessa dissertação.

[...] já não basta toda a ansiedade, que é de uma pessoa nova entrar tanto pro grupo quanto pra própria pessoa, ainda pegar o bonde andando. [....] Você pode até abrir novamente a mesma temática com algum outro enfoque, mas você tem que começar e terminar no mesmo dia. Por que [...] você não sabe se vai entrar alguém, se vai sair alguém... Se deixar o negócio em aberto, e aquele que saiu? MALU

Em relação à rotatividade, Pedro considera que isso, em algumas vezes, atrapalha: “a gente tem medo de ficar inserindo pessoas novas nos grupos que já estão dando certo, porque não funciona”. Para ele, isso pode interferir no clima e na coesão do grupo.

Além disso, Pedro explicou que as atividades são adaptadas de acordo com as características dos componentes, tais como: faixa etária, grupo mais agitado ou menos, habilidade de leitura ou não, dentre outras. Sendo que, alguns temas e atividades atraem mais do que outros.

17

AFONSO, M. L. (Org). Oficinas em dinâmica de grupo: um método de intervenção psicossocial. Belo Horizonte: Edições do Campo Social, 2000; AFONSO, M. L. et al. Oficinas em dinâmica de grupo na área

da saúde. Belo Horizonte: Edições do Campo Social, 2002; AFONSO, M. L. Metodologia de trabalho -

Intervenção psicossocial. Revista Criança Pequena, PBH, nov. 2002, p. 26-30; AFONSO, M. L. et al. Relatório

E tem temas que são muito bem-vindos, sempre [...] sobre o passado, um resgate. Outro tema, que às vezes tem grupos que se dão bem, são coisas de desenho. Tem coisas que levam elas à um tempo que passou. São temas que atraem. Filmes, às vezes atraem, às vezes não [...] as pessoas adoraram esse filme [...] Porque muita gente aqui trabalhou na roça, veio lá do Nordeste, teve uma vida muito complicada, difícil, sofreu preconceito por ser nordestino, então uma senhora ficou muito emocionada, lembrou da infância e ela faleceu no mês seguinte, foi algo muito marcante para o grupo. [...] a gente está tentando organizar um passeio também [...] no Museu do Ipiranga. PEDRO

Às vezes, os temas são escolhidos diante da percepção dos profissionais em relação às necessidades e sofrimentos das pessoas atendidas, como por exemplo, a conscientização sobre a politicagem (ALINE), a questão da violência doméstica, o racismo, as questões de gênero, projetos de vida de curto e longo prazos, motivação. Conforme será discutido em Percepções sobre a

população, a elaboração dessas atividades está intimamente relacionada com a visão que os

profissionais têm sobre as pessoas atendidas e suas necessidades.

tem uns temas que a gente tem interesse de mostrar, “será que com esse tema a gente vai conseguir falar disso? [...] o grupo sempre mexe com você de algum forma e às vezes isso gera a energia ou interesse de você trabalhar isso no outro grupo. PEDRO

Pedro explicou que em 2009 os temas eram escolhidos pela população, mas foi difícil administrar isso, por isso os facilitadores dos grupos decidiram trabalhar com um mesmo tema em cada mês para todos os grupos.

[...] foi limitando o acesso ao espaço, foram diminuindo os grupos e como a gente tinha que criar, tinha que buscar como fazer o grupo, a gente foi criando e falamos “vamos fazer por temas”. Então, tinha temas de drogas, defesas de direitos da mulher, temas que, normalmente, eles que escolhiam, só que [...] um grupo escolheu isso, o outro não [...] não dá pra fazer de um tema em cada grupo, então ia por mês, cada mês tinha um tema, aí fazíamos um fechamento e legal. PEDRO

Além das dinâmicas de grupos, para facilitar as discussões, também são utilizados filmes, palestras com convidados de outras organizações sociais, atividades artísticas como desenhos, pinturas e colagens, leitura de textos e estórias, passeios, dentre outros.

Hoje a gente discutiu sobre gênero. A gente mostrou um vídeo que chama “Acorda Raimundo, acorda”, com Paulo Betti [...] É um pesadelo, que ele trocou de lugar com ela. Ele era o homem da casa, só que o homem na verdade era a mulher. Então era uma inversão de papéis. PEDRO

A psicóloga [da casa X] que trabalha violência doméstica fez um trabalho super legal no grupo. Lotou a sala, não tinha onde colocar gente! [...] ela fez uma dinâmica, foi falando, foi até interessante aprender com ela. [ela perguntou] “quando eu falei de mulher o que vocês pensaram?”, [...] Tinha um cartaz [...] depois ela perguntou partes do corpo também. [...] do homem e da mulher... Depois ela apagou mulher e homem e inverteu, escreveu homem na mulher e [...] foi desconstruindo [...] tem muito isso de desconstruir e criar novas

possibilidades no grupo. Naquilo que eu penso, será que é aquilo mesmo que eu penso? Pode ser assim? Ou pode ser diferente? [...] ela foi falando da questão da violência dentro da história, em casa [...] foi muito legal, gostaram muito. ALINE

A partir do relato de Aline foi possível observar que ela considera importante que o grupo favoreça a desconstrução de concepções/comportamentos antigos para dar lugar à uma nova maneira de enxergar as coisas ou de agir. Conforme está expresso em Sentidos do trabalho.

O interessante é que, a partir das narrativas, foi possível perceber que ambos foram aprendendo conforme foram experimentando os métodos e atividades. Nesse sentido, Pedro afirmou, “você não vai fazer o melhor grupo ou a melhor intervenção, mas você vai apanhando e vai aprendendo”. Aline relatou que, uma vez, criou um grupo para “reclamação” sobre os serviços de saúde, mas percebeu que não foi bem-sucedido e modificou seu formato.

Eu fiz um grupo uma vez que era só reclamação do posto [...] super cansativo para quem tava lá, eu demorei depois para entender que era importante [...] foi horrível, muito chato, porque não se discute nada, só reclamação... Aí depois a gente fez um outro, “ah ta, reclamação, mas o que a gente tem, que que precisa? A gente fez umas tabelinhas assim, do que precisava, e dentro do que precisava o que que eu posso fazer. ALINE

Essa criação e iniciativa diante do fazer serão mais explorados em Aspectos que Favorecem

a Atuação.

Sobre o grupo para os idosos que recebem o BPC, Thaís coloca que tem bastante liberdade para a coordenação das atividades, que seu projeto inicial envolvia o trabalho com a memória, da história de vida, do território, mas com as outras atividades realizadas por outras secretarias com o mesmo grupo/espaço ela acabou ficando sem tempo para desenvolver o projeto. A ideia para o desenvolvimento do grupo foi obtida no Centro de Referência do Idoso do município que articulou algo parecido e montaram um material à respeito. Thais foi até lá para conversar com eles e saber como funcionava.