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Durante o movimento em direção à construção de uma Psicologia Social Crítica, comprometida com a realidade social da América Latina, também houve uma reestruturação da Psicologia Comunitária. Prática que, nas décadas de 1950-60, foi empreendia a fim de favorecer o projeto de modernização e de prevenção às doenças, gerido pelo Estado. Nesse sentido, suas primeiras experiências, estiveram associadas à educação popular, à medicina psiquiátrica comunitária e centradas na integração social a partir da mudança de atitudes e da harmonização grupal (SAWAIA, 2003).

A partir de 1970, influenciada pelas ideias de Paulo Freire e de Martín–Baró, a Psicologia Comunitária liga-se ao movimento operário e se apresenta como uma área do conhecimento de matriz marxista, procurando trabalhar a favor das classes populares em termos de educação por meio da conscientização (LANE, 2006).

Conforme coloca Sawaia (2003), nesse contexto, o psicólogo que antes, confundia-se com o educador, com o assistente social ou mesmo com o clínico que transpunha o modelo de consultório particular para a comunidade, se reconhece como militante, cujo trabalho almejava a transformação de uma sociedade exploradora por meio da revolução socialista ou cidadã.

O método utilizado visava promover a conscientização dos sujeitos sobre as condições sociais dominantes e fomentar a articulação de movimentos de resistência e de reinvindicação. Essa vertente contrapôs-se, sobremaneira, à Psicologia Comunitária Norte Americana que concebia a mudança social como modernização dos setores pobres e atrasados de modo a ajustá-los ao ritmo do capitalismo (SAWAIA, 2003).

No entanto, uma das críticas que a autora faz a esse modelo diz respeito a uma concepção de comunidade utópica, que homogeneizava os interesses de todos em torno dos objetivos coletivos e abrigava apenas experiências de sociabilidade, cooperação e solidariedade, sem espaço para o mal ou para as injustiças.

De acordo com Campos (2009), a Psicologia Comunitária apresenta três configurações delineadas por práticas e momentos históricos diferenciados: a Psicologia na comunidade, a

Psicologia comunitária e a Psicologia da comunidade.

A atuação do psicólogo na comunidade desenvolveu-se nas décadas de 60-70 apresentando o caráter de trabalho voluntário, com engajamento politico e social, a colaboração com as organizações populares e com suas lutas. Nesse contexto, também existiam práticas que mantinham a configuração do atendimento clínico, apenas deslocado para comunidade.

Andery (1999), no texto “Psicologia na Comunidade”, aponta que essa modalidade visava contribuir com a melhoria da qualidade de vida das pessoas e grupos a partir da aproximação do cotidiano das pessoas, nos bairros, nas famílias, nas organizações e nas instituições populares.

Nesse sentido, propunha-se a: a) realizar intervenções sócio-comunitárias para tornar as instituições sociais mais saudáveis e reduzir o sofrimento individual por meio da melhoria da competência social, acentuando mais o adaptativo do que o patológico; b) atuar em ambientes próximos e familiares; c) priorizar a participação comunitária no desenvolvimento e na execução dos programas formulados; d) atuar na dimensão educativa visando à discussão e a compreensão da natureza e das causas das questões psicossociais, bem como dos recursos disponíveis para lidar com eles; d) orientar-se para a reforma social.

Assim, a Psicologia na comunidade pretendia favorecer a conscientização da identidade de classe, por meio de atividades culturais, como filmes, debates, visitas que poderiam favorecer a capacidade da população lidar com seus problemas de qualidade de vida do bairro.

Segundo Sawaia (2009), as práticas comunitárias de 1970, cuja bandeira era a conscientização, priorizavam os interesses coletivos e abstratos em detrimento das necessidades e desejos individuais, caindo no risco de tratar os sujeitos como uma massa homogênea que passa fome. No entanto, defende que as duas instâncias não são antagônicas e que é preciso considerar a

dimensão ético-estética da existência, ou seja, os sonhos, valores, anseios. Ideia bem ilustrada na música “Comida” do grupo Titãs.

Assim, na década de 80, de acordo com Campos (2009), surge a expressão Psicologia

Comunitária ou Psicologia Social-comunitária, para marcar uma diferenciação em relação às

praticas assistencialistas e psicologizantes dos EUA.

A partir do corpo teórico da Psicologia Social, essa modalidade privilegiava o trabalho com grupos a fim de favorecer a formação da consciência crítica e a construção da identidade individual e coletiva orientadas pela ética humana. Conforme expressa Lane (1999), com essa intervenção, os membros do grupo poderiam superar suas individualidades e se conscientizarem das condições históricas comuns por meio da identificação; poderiam reconhecer sua unidade enquanto classe e articular uma ação em prol da superação dessas contradições.

Já, o termo Psicologia da Comunidade surge em meados de 1990, para referir-se às práticas desenvolvidas nos serviços públicos, principalmente, na área da saúde e também na secretaria de Assistência Social, nas instituições penais ou mediadas pela prestação de serviço à algum órgão ligado à família e aos jovens infratores.

Segundo Campos (2009), essa última modalidade apresentou práticas e pesquisas com embasamentos teóricos e metodológicos diferenciados e até contrastantes. No entanto, a maioria defendia a necessidade de construir uma Psicologia menos acadêmica e mais identificada com a população e adotava, nas práticas institucionais, os instrumentais oriundos da clínica e da educação.

A autora saliente que os três tipos de intervenção comunitária desenvolveram-se concomitantemente e, atualmente, abarcam uma enorme diversidade teórica, epistemológica e metodológica, muitas vezes, incongruentes entre si.

Sawaia (2009, p. 50), reflete sobre o conceito de comunidade a partir da análise das produções teóricas e práticas realizadas nessa área nas décadas de 1970-80. Assim, aponta que comunidade pode ser compreendida como um sistema de integração e também de autonomia. Além disso, mais importante do que circunscrevê-la em um conceito fechado, é considerá-la com um norte da ação e da reflexão, inclusive, porque seu conceito/função está diretamente implicado no contexto social que se transforma dialeticamente.

Baseada em Heller (1987), a autora coloca que a experiência comunitária pode promover modos relacionais baseados em valores específicos, fundados no exercício do respeito, da comunicação livre, na igualdade de participação e de argumentação, na reciprocidade que, ao serem incorporados pelos membros, pode promover o desenvolvimento de suas potencialidades humanas e ressignificação da vida social.

Desse modo, as experiências sociais vividas no universo subjetivo e partilhadas intersubjetivamente, podem “subsidiar formas coletivas de luta pela libertação de cada um e pela igualdade de todos”. Nessa concepção, comunidade representa a realização objetiva da cidadania e da democracia. Sendo, papel da Psicologia Comunitária, propiciar esses espaços relacionais de vinculação ao território e de partilha, pautados na promoção da dignidade humana (SAWAIA, 2009, p. 48).