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CAPÍTULO 1 POLÍTICA SOCIAL E ASSISTÊNCIA SOCIAL: SENTIDOS E

1.2 A trajetória da política de Assistência Social no Brasil

1.2.2 Políticas sociais no cenário brasileiro atual

Atualmente, o PBF, o principal programa de transferência de renda da política de proteção social completou 10 anos com um número de 13,8 milhões de famílias beneficiárias, sendo que, dessas, 73% são negras ou pardas11.

De acordo com os estudos realizados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA (CASTRO; ARAUJO, 2012) fatores como: a expectativa de vida, a incidência do trabalho infantil e a mortalidade infantil, tiveram uma pequena melhora. Também apontam que a desigualdade na distribuição de renda no Brasil está diminuindo. Conforme a pesquisa realizada em 2011, o nível de pobreza teve uma queda de 64% do ano de 1995 para 2009, desse modo aponta que “não apenas há menos pobres, como também as pessoas que ainda o são, são menos pobres”. De acordo com Castro e Vaz (2011, p. 283), após sete anos consecutivos de acentuada redução na desigualdade, a discussão saiu do terreno de “se é ou não possível reduzir a desigualdade no país” para “como dar continuidade a esse processo”.

Silva, Yazbek, Giovanni (2012) argumentam que as pesquisas atribuem esse declínio à estabilidade da moeda, a elevação do emprego formal e a diminuição do desemprego, o aumento do valor real do salário mínimo a partir de 2003 e a expansão dos Programas de Transferência de Renda que apresentaram maior focalização na população pobre. No entanto, salientam que o Programa Bolsa Família tem sido capaz de melhorar a vida das pessoas, mas não de retirá-las do

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10 ANOS DE BOLSA FAMILIA. População negra é a maior beneficiária de programas sociais no Brasil. Brasília, dez. 2013. Disponível em: <http://bolsafamilia10anos.mds.gov.br/node/33323>. Acesso em: 13 fev. 2014.

nível de pobreza em que se encontram, diferente dos impactos significativos provocados pelo BPC e pelo Seguro Social Rural que transferem um salário mínimo para os indivíduos.

Apesar desses tímidos avanços, a pobreza e a desigualdade ainda são exponenciais na realidade brasileira, onde 14 milhões de pessoas são analfabetas, um índice ainda mais acentuado na população negra, nas regiões menos desenvolvidas e nas zonas rurais, na população de baixa renda. Também, o maior desafio é a melhoria da qualidade do ensino, assim como nos demais níveis e modalidades da educação básica (CASTRO; ARAUJO, 2012).

De acordo com Behring e Boschetti (2011), um estudo realizado em 2005 mostrou que 44,1% da população negra vivia com uma renda per capta inferior ao salário mínimo, proporção que caia para 20,5% entre os brancos. Situação ainda mais desigual entre as mulheres, especialmente entre as mulheres negras. Em 1999, a proporção de negros pobres era duas vezes maior que a de brancos pobres, sendo que as mulheres encontravam-se nos mais baixos patamares de renda. Essa situação reflete-se também nos âmbitos habitacionais e no mercado de trabalho.

Desse modo, essas autoras, assim como Lopes (2005), concluem que esses números mostram que a estrutura da desigualdade brasileira tem cor e gênero, ou seja, os trezentos e muitos anos de escravidão produziram o racismo como um fenômeno ideológico que estrutura as relações sociais e a distribuição das riquezas no país de modo a manter a posição das classes dominantes, que são, em sua maioria, brancas.

Além disso, segundo o IPEA (CASTRO; VAZ, 2011), no Brasil 1% da população brasileira é rica e detém a renda equivalente a soma dos rendimentos familiares de outros 86,5 milhões de pessoas, ou seja, 50% da população. Desse montante, 53,9 milhões de brasileiros (31,7% da população) sobrevivem com menos de R$160,00 mensais enquanto 21,9 milhões estão em situação de indigência, ou seja, possuem renda per capta abaixo de ¼ do salário mínimo. Desse modo, defendem que apesar da evidente melhora, o nível de desigualdade continua muito elevado.

Enquanto os 40% mais pobres vivem com 10% da renda nacional, os 10% mais ricos vivem com mais de 40%. [...]. Se um terço da renda nacional fosse perfeitamente distribuída, seria possível garantir a todas as famílias brasileiras a satisfação de todas as suas necessidades mais básicas. [...] o volume de recursos necessários para que todas as famílias pobres superem a linha de pobreza, representa apenas 3% da renda nacional ou menos de 5% da renda dos 25% mais ricos. Já para aliviar a extrema pobreza seria necessário contar apenas com 1% da renda dos 25% mais ricos do país (CASTRO; VAZ, 2011, p. 49).

Lúcio Kowarick (2009) pesquisou sobre as condições de habitação e apontou que 80% da população brasileira concentram-se em regiões urbanas, onde há baixa oferta de habitações populares. Desse modo, muitos vivem em locais sem infraestrutura básica, em ocupações informais e irregulares, em favelas, situadas em regiões afastadas e segregadas dos grandes centros urbanos,

com reduzido ou nenhum acesso aos serviços de água, esgoto e coleta de lixo. Além do lugar de exílio, para o autor, os moradores de favelas ainda sofrem a estigmatização da vida cotidiana, em geral associadas às dimensões étnico-raciais e de gênero, resultante da violência estrutural.

Desse modo, a relação estrutural entre Estado, sociedade e mercado em tempos neoliberais tem produzido padrões de vida e de sociabilidades extremamente desiguais, com polaridades que apresentam uma acentuada distância entre as possiblidades e a qualidade de acesso à saúde, à educação, à moradia, ao trabalho e ao lazer, mas igualmente impactadas pela insegurança, instabilidade, hedonismo, consumismo (como única via de acesso a dignidade social) e individualismo que predominam na sociedade atual (BAUMAN, 1998; CASTEL, 2010). Nesse contexto de defasagem entre direito e condições sociais reais, as forças de resistência encontram-se fragmentadas em decorrência do desemprego, da fragilização das relações de trabalho, da precarização das políticas sociais.

Ainda, é importante ressaltar a forte defasagem no campo da justiça no Brasil, que claramente não funciona da mesma maneira para todos. As prisões revelam um modo de regular a miséria sob a forma de uma espécie de “indústria do encarceramento” ou “estocagem dos pobres”.

Não é à toa que, de acordo com censo realizado pelo Infopen (BRASIL, 2012), o departamento estatístico do Ministério da Justiça, nos sistemas prisionais do nosso país, a maioria da população carcerária é jovem, possui entre 18 e 29 anos. Além disso, 43%12 da população carcerária é de homens mestiços e negros e com o ensino fundamental incompleto, enquanto os homens brancos constituem 33%, e o restante foi atribuído aos homens de raça indígena (0,45%), amarela (0,l6%) e à outros (2,75%), sendo que faltam quase 20% para a soma totalizar 100%. No entanto, de acordo com uma pesquisa realizada pela Plataforma Brasileira de Direitos Humanos (CARREIA, 2009), 65% da população carcerária é de homens negros e pardos.

A mídia veiculou, recentemente, entre os anos de 2012-2014, diversas reportagens em torno da situação das penitenciárias no Maranhão (LUCENA, 2014), governado por Roseana Sarney, após o massacre no Complexo de Pedrinhas, onde presos foram decapitados em motim. Além disso, outros estudos e reportagens denunciam as condições desumanas sobre as quais são submetidos os detentos, tais como a superlotação (LEITE, 2014), sendo que, no Estado de São Paulo, nove em cada dez unidades estão nessa situação; assim como, o atendimento médico insuficiente, as péssimas condições de higiene e alimentação, a violência, tanto dos agentes carcerários quanto dos presos entre si (LAMAS, 2014), dentre tantos outros. Segundo Arruda (2011) “a situação do

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sistema carcerário é tão precária que no Estado do Espírito Santo chegaram a ser utilizados contêineres como celas, tendo em vista a superpopulação do presídio”.

Nessa direção, Behring e Boschetti (2011) apontam uma justiça desigual entre pessoas com poderes aquisitivos diferentes e, ainda, o genocídio como forma de dominação política pelas forças policiais. De acordo com Feffermann (2006, p. 103), que realizou uma pesquisa de campo corajosa com jovens moradores da periferia e inseridos no tráfico de drogas:

A violência abrange todas as classes sociais. Todos vivem cotidianamente essa realidade, porém apenas os pobres e os marginalizados são considerados culpados por ela e punidos. A população pobre, em geral moradora de periferia, sente a violência, mas diferentemente da classe média, não pode cercar-se de muros e grades. Para essa população, a violência é como uma das tantas calamidades enfrentadas no dia a dia. Ela sofre não apenas com a falta de saneamento básico e energia elétrica (para citar essas condições mínimas de vida), mas os efeitos de operações policiais que, muitas vezes, confundem trabalhador com bandido, atropelando os direitos humanos.

Conforme expressa Kowarick (2009, p. 73), a marginalidade não é algo à parte, excluído do circuito básico da sociedade, mas configura-se como uma “modalidade de inclusão intermitente, acessória, ocasional, marginal, porém integrante do processo produtivo”.

Em relação ao Estado, essas situações mostram que ao invés de responder as questões sociais a partir de amplas e sólidas políticas públicas, o que vem ocorrendo é um aumento nos gastos com prisões e polícias, configurando um Estado repressor. Situação que foi visível em São Paulo, em janeiro desse ano, quando a prefeitura realizava uma operação na cracolândia articulada com um projeto de tratamento e reintegração e a polícia civil realizou uma inserção descombinada e violenta, utilizando bombas de gás lacrimogênio, gerando tumulto e pessoas detidas (GOMES, 2014).

Nos serviços públicos são notórios: a falta de recursos, as longas filas, a demora para a prestação dos atendimentos, a ineficiência, além de todos os aspectos sinalizados na introdução deste trabalho. Enquanto que, mais especificamente nos serviços de saúde, ainda há a falta de medicamentos e a redução dos leitos. Acrescenta-se à esse quadro a privatização dos mesmos, com a regulamentação do terceiro setor para a execução de políticas sociais (Ongs e instituições filantrópicas), combinado com os serviços voluntários e lançando-as, assim, na dimensão da solidariedade. Situação que também provoca a desprofissionalização das intervenções sociais, os baixos salários e as contratações instáveis e irregulares (BERING, BOSCHETTI, 2011; PATTO, 2010; RESENDE, 2012).

Essas situações sociais que marcam a realidade brasileira têm gerado insatisfações, protestos e reinvindicações diferenciadas, como assistimos recentemente no Brasil com o Movimento do Passe Livre contra o aumento do valor da passagem de ônibus e lutando por sua gratuidade que

reuniu mais de 250 mil pessoas em todo o Brasil e, mais recentemente, o impacto foi gerado pelos chamados rolezinhos em São Paulo e no Rio de Janeiro, bem como os incêndios aos ônibus em diversas metrópoles do país (G1, 2013).

Nesse cenário, as políticas sociais encontram barreiras, tanto estruturais, quanto conjunturais e apresentam-se tímidas, focalizadas e residuais. Pode-se afirmar que, no Brasil, não há um Estado de bem-estar social, há heteronomia e conservadorismo político que delineiam um projeto antipopular e antidemocrático pelas classes dominantes e que lançam para segundo patamar às políticas sociais. Afinal, na prática, essas ficam no meio do caminho, entre seguro e assistência e mantidos pela seletividade e privatização. Ou, ainda, servem mais para reformar e responder as demandas da elite, do que de oferecer condições de emancipação ao seu público alvo (BEHRING; BOSCHETTI, 2011; KOWARIK, 2009; RESENDE, 2012).

Enquanto que as políticas de Assistência Social, mais especificamente, voltam-se para a implementação de programas e projetos visando à inserção social de uma grande parcela da população destituída das condições de uma vida digna por um sistema social que depende dessa “expulsão” para manter seu funcionamento. De acordo com Sposati (2011, p. 24), até hoje, os economistas apenas toleram a assistência se ela “vier disfarçada como uma ação compensatória, bem focalizada e circunstancial”. Situação que é um reflexo da revolução passiva ou modernização conservadora ocorrida no Brasil, que não efetivou uma reforma profundamente democrática, deixando as mudanças objetivas nas condições de vida e de trabalho da população no controle das classes dominantes (BEHRING; BOSCHETTI, 2011).

Entretanto, sem considerar as determinações estruturais da pobreza e concebendo-a como

déficit de renda, o Estado assume uma posição de gestor da pobreza procurando manter um

contingente populacional no limiar da sobrevivência e inserido em um circuito marginal de consumo. Ao passo que, as questões centrais, como a elevada concentração da propriedade, ficam em segundo plano e cria-se a ilusão de que os PTRs das Políticas Sociais podem erradicar a pobreza, sem, no entanto, deixar de considerar a contribuição desses programas para as melhorias concretas nas condições de vida de um grande número de pessoas.

Esse é o contexto que sustenta a prevalência do Programas de Transferência de Renda com o foco em famílias pobres e extremamente pobres na América Latina e no Brasil. Programas que estabelecem deveres morais a serem seguidos pelas famílias mediante condicionalidades no campo da educação e da saúde, reeditando a teoria do capital humano quando consideram que a educação e a saúde das pessoas são suficientes para romper com o ciclo vicioso da pobreza, produto das condições estruturais decorrentes da forma como a sociedade capitalista se organiza para produção e reprodução econômica e das relações sociais (SILVA; YAZBEK; GIOVANNI, p. 229).

Nesse sentido, Demo (2003, p.38) ressalta que o conceito de pobreza política não se restringe a simples carência ou vulnerabilidade material, sendo essa apenas uma de suas facetas. Afinal, a exclusão mais drástica é aquela produzida, mantida, cultivada, por conta do confronto subjacente em torno do acesso a vantagens sociais, sempre escassas em sociedade, que não impedem apenas o ter, mas, sobretudo o ser, enquanto sujeito capaz de comandar seu destino, que não se reduz ao acesso material, mas condiz com a autonomia emancipatória.

O cerne da pobreza é o massacre da dignidade humana, observado mais fácil ou imediatamente através de indicadores quantitativos, que escondem, por trás, problemática muito mais complexa e profunda. Por isso, política social não pode reduzir-se à distribuição de benefícios geralmente muito residuais, porque passa ao largo do problema mais duro que é a condição de massa de manobra do pobre (DEMO, 2003, p. 38).

Behring e Boschetti (2011, p. 190) também consideram que cidadania não se reduz a um conjunto de direitos concretizados por políticas sociais, mas corresponde a socialização da participação política e da riqueza produzida. As autoras ainda defendem que, embora a política social não seja capaz de reverter o capitalismo em sua fase madura é importante ampliar ao máximo sua limitada capacidade de cobertura e elevar o padrão de vida da maioria da população. Pois, isso pode “suscitar necessidades mais profundas e radicais” no prisma da emancipação humana. Desse modo, a implementação de políticas públicas requer a discussão, a socialização e a participação coletivas e a organização de ações voltadas para fazer dos direitos uma via para a equidade e justiça social.

Diante desse panorama, diversos autores consideram que, se por um lado é necessário reconhecer os limites e condicionalidades impostos pela estrutura econômica, por outro lado, diante das injustiças sociais, a sociedade, a academia, os movimentos organizados, não podem se conformar com essa situação. É necessário vencer o pessimismo, o ceticismo, a reificação e a amnésia social, gerados por esse modo de funcionamento e ver a história, como um processo aberto, à ação coletiva de homens e mulheres capazes de transformá-la (BEHRING; BOSCHETTI; 2011; CASTEL, 2010; DEMO, 2003; GUZZO; LACERDA JÚNIOR, 2011; SAWAIA, 2009; 2011).

Habermas (1987) participa dessa concepção afirmando que, diante do panorama atual, “as respostas dos intelectuais refletem uma perplexidade não menor que a dos políticos”. Mas, pontua que, diante da inteligibilidade da situação, ao invés de sustentar a paralização, esse impasse pode ser tomado como motivo para o alcance da perspicácia na compreensão e na busca de soluções para o futuro, função da sociedade e da cultura sobre si mesma.

Considerando a presente exposição, abre-se a questão: quais são as possibilidades da intervenção da Psicologia nos CRAS, um equipamento de proteção social inserido e implicado nesse contexto estrutural apresentado?