• Nenhum resultado encontrado

Pressupostos teórico-metodológicos da pesquisa social

CAPÍTULO 4 O PERCURSO METODOLÓGICO

4.1 Pressupostos teórico-metodológicos da pesquisa social

A Psicologia Social Crítica compreende como objeto de estudo o homem constituído na articulação entre os determinantes sociais, a intersubjetividade e as singularidades de caráter processual e histórico, implicada nas dimensões macro e micro estrutural, da ciência, da história, da economia e da política, como também no cotidiano, nas territorialidades. Nessa perspectiva, a compreensão do trabalho do psicólogo no campo da proteção social básica, envolve a análise de todos esses processos. Assim, a abordagem metodológica adotada foi à qualitativa, de modo a favorecer a construção de uma compreensão mais profunda sobre o assunto. Nesta perspectiva, como subsídios na condução desta pesquisa, apropriei-me de alguns princípios metodológicos norteadores deste trabalho, visando compreender com abrangência e profundidade as experiências dos psicólogos que atuam nos CRAS de um município do Estado de São Paulo.

Levando-se em conta o pensamento de Chizzotti (2011), o conhecimento construído na pesquisa social é aproximado, relativo e reflete os interesses e circunstâncias dos processos sociais, em decorrência da historicidade e provisoriedade inerentes à sociedade. Esses aspectos têm um vínculo indissociável com as subjetividades, pois, os seres humanos, ao interpretarem os fenômenos e atribuírem-lhe significados, tornam-se autores das instituições, das leis, das ideologias, das visões de mundo e dos modos de viver, campos de contradições. Dessa forma, os sujeitos constituem-se como parte integrante dos fenômenos sociais e dos processos de conhecimento, os quais podem ser compreendidos, através do estudo dos significados, intencionalidades, interpretações, representações, percepções e afetos que as pessoas lhes atribuem.

Na base dos pressupostos metodológicos desta pesquisa reside o pensamento de Pierre Bourdieu (1999, p. 9), que instiga os pesquisadores a tomarem certo cuidado com a fala dos depoentes participantes da pesquisa, para não provocar “desvios de sentido” e sim, compreender essa fala, a partir do interior das relações sociais, de sua cultura, de seu meio social, considerando sua história, vivência e experiência. Para esse autor, é necessário reduzir ao máximo os efeitos da

violência simbólica15 que se pode exercer entre pesquisador e pesquisados, pela proximidade social, familiaridade, compartilhando a quase totalidade de características e colocando-se no lugar do outro, de tal modo que a interrogação e a própria situação tenham sentido para o pesquisado.

De acordo com essa premissa, a pesquisa tem como foco compreender o sentido e os significados da experiência de outros, dialogando-se com as diferentes perspectivas e visões de mundo trazidas nas conversações realizadas entre a pesquisadora e os sujeitos pesquisados. Conforme indica Schmidt (2008), o respeito pela alteridade e a autorreflexão constituíram o território no qual a pesquisa se instalou e aconteceu, pois é essencial que o pesquisador mantenha uma constante reflexão sobre as condições da realidade estudada, a sua forma de interagir e a abordagem, os métodos e teorias adotados para o estudo. Desse modo poderá reorientar-se e fazer as modificações que julgar necessárias.

Considera-se que a fala é a via de acesso privilegiada ao mundo subjetivo, pois comunica a experiência, os valores, a reflexão, permitindo o entendimento intersubjetivo. Chizotti (2001) salienta que como a fala de um indivíduo obedece a modelos culturais interiorizados, esta assume um caráter de representatividade do grupo. Dessa forma, carrega em si as contradições do mundo social expressas nas relações, nos conflitos e no fenômeno ideológico.

A respeito disto, Gonçalves Filho (2009) afirma que as lacunas, contradições, segredos e revelações expressas em uma fala a tornam mais autêntica. Por isso, “os momentos de silêncio, hesitação ou dor, não deverão ser atropelados pelo entrevistador” (GONÇALVES FILHO, 2009, p.210). Como cada pessoa tem um modo peculiar de vivenciar e representar o fato social, na expressão dele é possível encontrar o que há de particular e de comum.

Além da fala, a pesquisa social pressupõe que para compreender com mais profundidade a experiência, é importante estar inserido no contexto onde ela ocorre, observando as interações intersubjetivas, as falas e os comportamentos das pessoas que a vivenciam. Isso pode dar-se em uma série de visitas ou em um período de convivência cotidiana, ainda que essa aproximação seja incompleta, imperfeita e insatisfatória; técnica denominada de observação de campo (PATTO, 2010; CHIZZOTTI, 2001).

Na visão de Gonçalves Filho (2009), a imersão no campo requer deslocamentos (do corpo, do espírito) para uma aproximação do universo das pessoas que são atingidas de corpo e alma pelo fenômeno a ser pensado. Experiência que exige o respeito, a colaboração, a amizade, a convivência

15

A concepção de violência simbólica foi introduzida pelos sociólogos franceses Pierre Bourdieu e Jean-Claude

Passeron em “A reprodução” (1970), significando, em linhas gerais, imposição das ideias transmitidas pelos meios de

comunicação cultural, doutrinação política e religiosa, práticas esportivas e educação escolar, levando as pessoas a agirem e a pensarem de uma determinada maneira imposta, sob coação, sem que as mesmas percebam, legitimando assim, a ordem vigente e tornando homogêneo o comportamento social.

e a humildade de deixar-se ensinar por outras pessoas. O que é diferente de comparecer com a armadura de verdades prontas a serem confirmadas.

Ao situar-se como observador do cenário social da pesquisa, o pesquisador, ao mesmo tempo, vai modificando e sendo modificado por ele. Dessa forma, a construção do conhecimento se dá de forma coletiva, nos encontros e desencontros entre a perspectiva do pesquisador e a dos interlocutores. Como afirma Gonçalves Filho (2009, p. 211) “nós o interrogamos [depoente] a partir de nossa experiência para que, por sua vez, deixemo-nos interrogar pela experiência que é a dele”.

Spink (2008), orientado pela perspectiva pós-construcionista, apresenta uma descrição diferente sobre campo na investigação social ampliando-o a partir de um conceito que ele denominou de campo-tema. Nesta descrição, estão incluídos o cotidiano, os pequenos acontecimentos no dia a dia, as notícias de jornais, o que é veiculado pela mídia, os fragmentos de conversas ou de situações do dia a dia, dentre outros. Pois, todos estes elementos se constituem em pequenos lugares, a partir dos quais o pesquisador pode refletir sobre determinado tema, matriz de reflexões e ações a fim de contribuir com o bem coletivo: “Ao se inserir no campo-tema, sustenta- se o campo-tema, mantendo-o socialmente presente na agenda das questões diárias” (SPINK, 2008, p. 77). Na apresentação deste trabalho, utilizamos essa definição, pois, as reflexões sobre o tema desta pesquisa não se deram apenas nos CRAS do município escolhido, mas também nas experiências pessoais da pesquisadora. Assim, acreditamos que a produção do conhecimento pode ser resultante da interlocução de todas essas vertentes.

A abordagem de pesquisa qualitativa propõe diversos instrumentos e técnicas para a realização do estudo. Nesta dissertação, foram utilizadas como técnicas: a observação de campo e a

entrevista orientada por um roteiro semiestruturado, que será discutida a seguir. O diário de campo

e o gravador foram os instrumentos de registro das atividades.

A entrevista é compreendida como uma conversa entre pesquisador e interlocutor com a finalidade de compreender um assunto ou problema a partir do modo como este último o apreende, vivencia, sente e pensa. Como esta não é uma tarefa simples, requer diversos cuidados do pesquisador. Gonçalves Filho (2009) aponta que o pesquisador precisa ser capaz de ouvir, de oferecer uma atenção sincera e de falar de igual para igual, pois, a pessoa entrevistada não é um objeto a ser dissecado, analisado ou vítima de interrogatório, mas alguém com quem se conversa e caminha junto nas reflexões e interrogações da experiência.

Além disso, esse autor coloca que no diálogo, o relaxamento e a abertura do corpo (do olhar, da escuta, dos gestos) possibilitam a apreensão do outro como outro e não como uma ideia apressada e preconcebida. Ele afirma que um bom diálogo é aquele que ocorre com gosto e sem medo. Por isso, sugere que a entrevista com uso de gravador somente deveria ocorrer depois de

muitas conversas e observações, pois, a familiaridade e a confiança construídas criam condições para uma narrativa profunda. Pode ser que de outra forma torne-se apenas um registro de opiniões.

As questões propostas durante a entrevista devem propiciar uma narrativa da experiência, expressão da memória do interlocutor, que expande a comunicação e não cerceá-la incitando respostas simples, opiniões ou conceitos. A conversa precisa ser flexível para absorver os novos temas ou questões trazidas pelo interlocutor e conter poucos tópicos para facilitar essa abertura e profundidade. Ainda, é importante que as questões ajudem o depoente a ultrapassar o sentido disponível, a repensar a experiência. É sugerido fazer uma primeira entrevista em caráter piloto para avaliar a adequação das questões. Aquelas que bloquearam a narrativa são inadequadas (GONÇALVES FILHO, 2009).