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Procedimentos: as etapas da realização da pesquisa de campo

CAPÍTULO 4 O PERCURSO METODOLÓGICO

4.2 Procedimentos: as etapas da realização da pesquisa de campo

As idas aos CRAS do município selecionado iniciaram-se em março de 2012 e duraram até fevereiro de 2013. Seis psicólogos participaram e possibilitaram a construção dessa pesquisa. Assim, com eles, foram realizadas onze conversas com o uso de gravador, outras registradas em diário de campo, assim como, observações de três reuniões desenvolvidas nos grupos socioeducativos, três visitas domiciliares e um evento aberto para a comunidade ligado à economia solidária.

4.2.1 Primeira etapa: a escolha do campo

A escolha do município deu-se por duas razões: ser próximo à cidade onde a pesquisadora morava, o que possibilitaria um maior número de idas ao campo, e ter sido sugerido por uma colega que cursava uma das disciplinas da pós-graduação em Psicologia Social. Na época, essa última também trabalhava no campo da Assistência Social e informou que, no município em questão, o trabalho do CRAS era bem estruturado, por ter sido um dos primeiros a implantar o SUAS e havia psicólogos em todos os CRAS, o trabalho do PAIF não era terceirizado. Essas características pareciam interessantes para a realização do estudo.

4.2.2 Segunda etapa: aproximação e convite

Pesquisando no site da Prefeitura do município, obtive os telefones e os endereços dos quatro CRAS existentes, escolhi um deles de forma aleatória e entrei em contato via telefone. Conversei com uma das psicólogas e explanei brevemente sobre a pesquisa, perguntando sobre o interesse da mesma em participar do estudo. Ela concordou e explicou-me que em cada um dos quatro CRAS do município, trabalhavam dois psicólogos, um no período da manhã e outro no da tarde. Em seguida, agendamos um dia para conversarmos melhor pessoalmente.

Usei esse mesmo método para entrar em contato com outros dois profissionais, que trabalhavam separadamente em outros dois CRAS desse mesmo município. Esses psicólogos também aceitaram participar da pesquisa. Dessa forma, agendei um encontro com cada um deles.

Nessa aproximação, chamou-me a atenção o fato dos profissionais não terem mencionado que precisariam pedir autorização para alguém situado hierarquicamente acima deles, antes de aceitarem o convite. Tive a impressão de certa autonomia. Apenas um deles solicitou que eu explicasse os objetivos da pesquisa, por telefone, para sua coordenadora. Assim o fiz e ela concordou.

4.2.3 Terceira etapa: primeiro contato ao vivo

A primeira visita realizada a um dos CRAS ocorreu em março de 2012. Compareci portando um caderno e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Anexo 1). Apresentei-me ao psicólogo colaborador, explicitei os procedimentos, objetivos e as considerações éticas da pesquisa, conheci a estrutura física do equipamento e soube um pouco sobre o funcionamento deste e das atividades desenvolvidas por ele. Na semana seguinte, fui ao CRAS onde outro psicólogo trabalhava. Esses encontros foram marcados pela espontaneidade, intensidade e agitação. Pois, assim que explicitei o objetivo da pesquisa, que era compreender como se dava o trabalho do psicólogo na Proteção Social Básica, ambos os colaboradores me interromperam e já começaram a contar sobre como as coisas funcionavam, a mostrar as gavetas, os prontuários, os arquivos no computador, as salas, os livros dos armários. Assim, procurei anotar tudo e não perder nada. Foram folhas e folhas de anotações contínuas.

[...] mostrou-se bem à vontade com a entrevista, contou sobre o seu trabalho com espontaneidade, sem precisar ser questionada. Parecia empolgada, queria me mostrar tudo. [trecho retirado do diário de campo em 03/04/12].

Comecei a explicar do que se tratava a pesquisa e quais os objetivos da mesma. No entanto, ele parecia bem ansioso para falar, porque me interrompeu diversas vezes para ir contando sobre seu trabalho. A explicação ficou para o final da conversa. [trecho retirado do diário de campo em 12/04/12].

4.2.4 Quarta etapa: o mergulho na experiência

Pretendia, depois desse contato inicial, marcar outros encontros nos quais eu pudesse observá-los atuando em uma reunião de um grupo socioeducativo e/ou em uma visita domiciliar, por exemplo. Em seguida, teríamos uma conversa orientada por um roteiro previamente elaborado (Anexo 2) e que seria registrada por um gravador, caso estivessem de acordo. Esse processo ocorreu, mas não dessa forma ordenada e padronizada.

A pesquisa foi feita de acordo com as disponibilidades (alguns saíram de férias nesse período), os calendários de atividades, o envolvimento entre pesquisador e colaborador e também com a riqueza do campo, que trouxe o inusitado, outros profissionais, situações e fazeres pelos quais me interessei. Por isso, do três psicólogos, acabei conhecendo sete. No entanto, com alguns deles conversei apenas uma ou duas vezes, enquanto que, com outros, três ou quatro vezes. Com esses últimos, pude mergulhar, com mais profundidade, na experiência, a partir dos diálogos e das atividades vivenciadas em conjunto.

Nos encontros, eles abordaram diversos aspectos em relação ao trabalho, relatando situações e experiências difíceis de serem apreendidas em sua riqueza nas anotações corridas, procurando acompanhar a velocidade das falas e mediante aos detalhes que escapavam à memória. Assim, percebi que a riqueza da narrativa: a significação das coisas em expressões próprias, o percurso e os temas adotados na sequência ou não de uma pergunta que pode ter auxiliado ou não, dentre outros, só pode ser mais bem apreendida nos exercícios de escuta, transcrições e releituras das entrevistas gravadas.

Dessa forma, expliquei para os interlocutores que o gravador estaria ali para auxiliar o registro das coisas importantes que me contavam, retomando a questão do sigilo e do anonimato. Apesar de terem concordado, todos, em um primeiro momento, manifestaram o incômodo, ao dizer “minha voz fica horrível no gravador”, “gaguejo com o gravador”, ou então “vamos fingir que não está ai”, dentre outros. Um deles, em tom de brincadeira, segurou o aparelho e fingiu ser um

microfone durante os primeiros minutos da conversa, rimos e depois conseguimos dialogar sobre a experiência dele, em que havia sofrimento. Então, o aparelho deixou de incomodar.

Um dos participantes, quase depois de trinta minutos de conversa, nos quais procurei deixa- lo confortável, ouvindo-o atentamente, pausou o relato em um momento que abordava as dificuldades que encontrou no CRAS e perguntou: “Ninguém vai ouvir isso, vai?”. Disse-lhe que não, embora já tivesse mencionado o sigilo e o anonimato, então ela prosseguiu com a narrativa. No entanto, tive a impressão que o diálogo com o segundo psicólogo situou-se mais no plano das ideias e menos na experiência.

Realizei com um dos colaboradores uma entrevista piloto para testar o roteiro de entrevista e a adequação das questões. A pergunta sobre os sentimentos despertados pelo trabalho foi a que mais lhe gerou reflexões. Dias depois da conversa ele mandou-me um e-mail com algumas considerações sobre um dos temas abordados.

O roteiro foi elaborado com muitas questões e em nenhuma das primeiras entrevistas consegui dialogar sobre todos os assuntos, pois estes acabaram integrando naturalmente as narrativas ou foram deixados de lado, para que se compreendessem outros aspectos expressos pelos participantes que os ultrapassaram. Assim, fui reduzindo-o de modo a focar com os profissionais, com os quais eu não havia conversado, os aspectos que pareciam mais relevantes para os primeiros. Além disso, considero que uma das melhores entrevistas foi realizada com Aline (nome fictício), quando na primeira conversa com uso do roteiro, ela disse-me que queria contar sobre os grupos, mostrar-me algumas coisas e fiquei de voltar outro dia. Eu não tinha roteiro para esse tema. Quando cheguei, ela perguntou-me: “Como vai ser? Você tem um roteiro, vai me fazendo as perguntas?”. Disse-lhe: “Não, hoje é você quem vai conduzir a conversa”.

Durante duas horas, ela foi contando, mostrando os materiais produzidos pelo grupo em desenhos e cartolinas, os relatórios que elaborou sobre estes e os recursos que utilizou nos arquivos no computador. Como estávamos em uma sala de uso comum, em certo momento, a estagiária participou da conversa e o gravador esteve ligado durante todo o tempo. Durante a narrativa lhe fiz algumas perguntas apenas para entender melhor o que dizia. Fiquei com a impressão de que essa conversa foi tão rica para mim quanto para Ana, porque juntas, pudemos refletir e aprender sobre as experiências relatadas.

Isso confirma a concepção de Spink (2008), de que a pesquisa pode-se dar em conversas espontâneas, em encontros situados e não, apenas com métodos planejados e operacionalmente definidos.

A observação das atividades trouxe uma série de elementos a serem pensados e discutidos com eles, que diziam respeito a temas não previstos até então.