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CAPÍTULO 5 RELATOS DAS EXPERIÊNCIAS DOS PSICÓLOGOS

5.4 Atividades desenvolvidas pelos psicólogos nos CRAS

5.4.5 O Acompanhamento

Esse se constitui na atenção próxima e regular dos técnicos em relação à situação da família por um determinado período, que varia conforme o caso. Esse acompanhamento pode se dar através dos grupos socioeducativos, de atendimentos individuais no CRAS, de visitas domiciliares.

Como não é possível acompanhar todas as pessoas vinculadas ao CRAS, o acompanhamento prioriza as famílias que estão em risco maior de sofrer uma violação de direitos e/ou ter sido requerido o acompanhamento por outros órgãos, como o Conselho Tutelar, a Vara da Infância, o Fórum, dentre outros. Assim o profissional a encontra mais vezes, verificando a evolução de sua situação e propondo intervenções. Malu diz que, às vezes, realiza essa atividade por telefone ou as pessoas a procuram no CRAS.

Pedro explica que o acompanhamento favorece a compreensão do que a família precisa, considerando que demanda é diferente de pedido, pois nem sempre aquilo que a família solicita é o que ela realmente precisa ou aquilo vai atender sua necessidade, considerando, inclusive, a diversidade dos programas e serviços e os critérios para a inserção nos mesmos. Desse modo, ele considera que com essa compreensão, o encaminhamento fica mais “certeiro e rico”. No entanto, aponta que é importante administrar e ser responsável por esses acompanhamentos.

No começo eu fazia muito mais do que eu podia, eu acho, no CRAS. É [...] dia de atendimento, a gente vai atender dez, por que não atende quinze? Aí atendia quinze, vinte, tal... Gerava uma série de demandas que aí que eu vi... que não dá pra fazer isso. Que você tem que acompanhar o que você fez [...] E é impossível acompanhar quinze, vinte pessoas por semana. PEDRO

Além disso, ele considera que acompanhar é saber se as orientações oferecidas no atendimento ou nos encaminhamentos deram certo ou não, bem como se a pessoa as seguiu. Ou seja, verificar a continuidade daquilo que foi discutido com as pessoas atendidas. Aspecto que será retomado em Sentidos do Trabalho.

[...] você conseguiu saber se ela fez aquilo que ela prometeu? aquilo que ela combinou. Isso para mim é acompanhar. Saber onde ela está indo, o que está dando certo, o que tá dando errado... e aí? PEDRO

Ele ainda considera que o progresso no acompanhamento depende do envolvimento, do vínculo, entre o profissional e a pessoa atendida e isso pode se dar de forma mais intensa com algumas famílias.

[sobre o atendimento realizado com a moça usuária de drogas] esses são os casos de amor que eu falei que acontecem no CRAS. [risos]. A gente pega e se interessa mais por eles. Não dá para se interessar por todos da mesma forma nesse espaço. Acho que se a gente fosse Jesus Cristo, talvez. PEDRO

Para exemplificar os aspectos observados nessa prática, no trecho abaixo, Aline relata o acompanhamento de uma família que passou por uma situação de “reestruturação” familiar diante da enfermidade e um de seus membros. E, mesmo depois da superação da situação preocupante, a família continuou em contato com a psicóloga.

[...] um [caso] que eu estava acompanhando [...] desde o começo, quando ela [esposa] ficou acamada, queria visitar ela todo dia, a gente deu espaço, foi acompanhando, até como ele foi reestruturando a família pra poder dar conta da esposa que tinha e depois não tinha mais, a questão da renda que era precaríssima. [...] ela conseguiu alguns benefícios, ele conseguiu um trabalho mais esporádico, o filho começou a trabalhar, a família se

organizando. Mas aí, ele não conseguir dar conta dessa demanda, de ficar cuidando das crianças e dela, ele fazia uso de álcool há um tempo, no começo ele parou, mas agora voltou a fazer uso. Pra fugir um pouco daquela situação e aí a situação da casa vai piorando, que tem um pré-adolescente, aconteceu algumas situações já de risco mesmo. Tive que acionar o CREAS e o Conselho Tutelar para dar conta, [...] esse é um dos casos meio pendentes. ALINE

Quando a situação da pessoa ou família atendida é amenizada, o acompanhamento pode tornar-se mais esporádico.

Tem um caso que eu atendo que é do Bolsa Aluguel [...] a gente já terminou o acompanhamento. Hoje o acompanhamento é bem assim... vou lá de vez em quando pra gente conversar, perguntar como que está, porque as questões de vulnerabilidade têm, mas ele consegue lidar. ALINE

No atendimento, em caráter de exceção, que Pedro realizou e pelo qual revelou um envolvimento maior, conforme já citado acima, ele observou as mudanças na relação da pessoa atendida quanto ao trabalho, à família, à doença e consigo mesma.

Eu acompanhava uma família, na verdade, uma usuária que era dependente química. Eu não tinha que fazer isso, porque na verdade ela fazia acompanhamento no hospital, fazia grupo, passava no psicólogo, mas ela vinha aqui também [...] eu não fiz um trabalho de CRAS com ela, eu fiz um trabalho mais clínico [...] falava assim: “então você vai vir aqui todos os dias da semana”, porque eu queria que ela fosse a algum lugar e não ficasse na casa dela, pra ver o que isso ia surtir, né! [...] Vinha e a gente conversava dez minutos, meia hora. [...] foi uma fase. Foi um teste. Isso passou. PEDRO

5.4.5.1 O Acompanhamento referente aos Programas de Transferência de Renda (PTRs)

As situações abaixo fazem parte da rotina atual dos psicólogos e se referem ao acompanhamento ligado aos Programas de Transferência de Renda, dentre elas estão: verificar se as pessoas que participam dos programas ainda estão dentro do perfil socioeconômico estabelecido ou não, principalmente referente ao auxílio aluguel; organizar reuniões com as famílias que estão descumprindo as condicionalidades do PBF; deferir ou indeferir o recurso para desbloquear o benefício desse programa, sancionado por descumprimento das condicionalidades. Situações que atribuem certo poder ao profissional e, ao mesmo tempo, a pressão diante do processo decisório.

Malu explicou que existe um programa no município, chamado auxílio moradia, no qual a

transferência do benefício de R$350,00 para o aluguel é por apenas um ano. “É preciso

acompanhar de perto as famílias que o recebem, a família precisa apresentar comprovantes, porque a família precisa sair da situação”. [sic]. Para verificar se a família ainda está dentro

do perfil do beneficio e cortá-lo, se for o caso e conversar com a família sobre isso. [trecho retirado do diário de campo em 03/04/12]

O incêndio já tinha ocorrido há algum tempo, eu não tinha visto o incêndio. Eu tinha ido fazer uma avaliação de como estava a família nesse momento... Assim, se vai continuar o bolsa aluguel, não vai continuar, se precisa mais e tal. ALINE

O MDS, através do monitoramento do PBF, identifica as famílias que estão em situação de descumprimento das condicionalidades ou não estão sacando o benefício e enviam essa listagem ao CRAS, o que é conhecido no área como “listas de famílias”. É responsabilidade dos técnicos do CRAS encontrá-las e verificar o que está acontecendo, ou seja, realizar o acompanhamento mais próximo, pois o MDS considera que essas famílias estão em situação de maior vulnerabilidade. Em

Aspectos que dificultam, no subitem As contradições dos PTRs, será discutida a repercussão da

lógica dessas ações tanto para os profissionais quanto para as famílias.

[...] agora estão saindo muitas listas de acompanhamento dos benefícios, então, são pessoas que estão recebendo e não sabem, pessoas que estão descumprindo, pra gente correr atrás disso e dar um jeito. PEDRO

Quem está com problema nas condicionalidades do bolsa família? A gente envia cartas e as pessoas vêm assistir uma reunião um dia. Aí a gente fala que é grupo. É, de certa forma é, é de certa forma uma palestra mas, a gente faz uma dinâmica, pergunta quem sabe o que que é o CRAS, quem já veio, funcionalidade. Tem essa, a do bolsa família novos e a do renda cidadã novos e do cadastro únicos. THAÍS

Bianca relata sobre a responsabilidade por deferir ou indeferir o recurso sancionado da família por conta de descumprimento de condicionalidades, principalmente relativas à escola a partir da avaliação da justificativa ou “desculpa” oferecida por essa.

Recurso de condicionalidade do PBF, dentro do SICON, de acompanhamento da frequência escolar. [...] as crianças faltaram muito à escola e a família foi penalizada com um ou dois meses de bloqueio do benefício e elas vêm aqui para justificar. Justificando eu tenho que tirar a sanção da família [...] Se não justificar são mais dois meses sem receber. O que muda vindo a família aqui? [...] ela pode apresentar uma justificativa para aquelas faltas e a gente pode tirar a sanção, deferindo o recurso. BIANCA

Nessa situação há a responsabilidade e a angústia dos profissionais diante da responsabilidade de manter ou não o recebimento do benefício e, ao mesmo tempo, garantir que o uso efetivo dos recursos (sem fraudes, com crianças frequentando a escola).