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Define-se correntemente de modo exterior e behaviorista o sistema aberto como sistema que comporta entrada/importação (input) e saída/exportação

(output) de matéria/energia. Tal definição põe entre parênteses aquilo que se

* o exemplo-chave dos turbilhões de Bénard mostra que as formas de organização espontâneas, que surgem em condições de desequilíbrio, «são criadas e mantidas graças às trocas de energia com o mundo externo» (Prigogine, 1972, p. 553). Portanto, aquilo a que Prigogine chama «estruturas dissi- padoras» pode designar-se também por sistema aberto.

passa entre entrada e saída: há um black-out sobre a actividade organiza- cional do sistema, o qual é aliás abertamente considerado como black-box.

Temos pois de considerar o carácter organizacional da abertura. Entradas e saídas estão ligadas a uma actividade organizacional e, portanto, a uma organi- zação activa, isto é, transformadora e produtora. A abertura é pois aquilo que permite as trocas energéticas necessárias às produções e transformações. Aliás, todo o anel generativo, toda a produção de estados estacionarios ou de ho- meostasias, necessita do fluxo energético, e portanto da abertura.

A abertura aparece assim como um traço necessário no meio dos traços inter-relacionados e solidários cuja constelação permite definir os seres-má- quinas. Parece, portanto, que não podemos definir os «sistemas abertos« ape- nas pela abertura. Seria até mutilador reabsorver os traços múltiplos e diversos do ser-máquina apenas na abertura e na noção vaga e abstracta de sistema. A abertura não é uma característica secundária: é fundamental e vital, visto que é necessária não só ao funcionamento, mas também á existência de todos os seres-máquinas, excepto os artificiais.

Assim, a clivagem decisiva não é aqui aberto/fechado. É activo/não activo. Efectivamente, a integridade dum sistema não activo está ligada à ausência de trocas com o exterior; a organização protege o seu ser físico e salvaguarda o seu capital energético no imobilismo, o que impede a hemorragia, mas também o rebastecimento.

3. Abertura e fecho: o vínculo complexo

A oposição principal situa-se entre o fixo e o activo, e não entre o aberto e o fechado, tanto mais que as noções de abertura e de fecho, embora se opo- nham, não são repulsivas, e devem sempre estar ligadas duma certa maneira.

Não existe um sistema absolutamente fechado, nem um sistema absoluta- mente aberto. Os sistemas, mesmo termodinamicamente fechados, são «aber- tos» do ponto de vista das interacções gravitacionais e electromagnéticas; no li- mite, um sistema absolutamente fechado, isto é, sem nenhuma ínteracção com o exterior, seria por isso um sistema acerca do qual seria impossível obter a mí- nima informação (cf. p. 321). Reciprocamente, os sistemas termodinamica- mente abertos dispõem dum fecho e refecho originais. Conceber a abertura é, portanto, conceber o fecho que lhe corresponde.

4. A virtude de abertura

Dito isto, não se trata de esquecer ou de subestimar a realidade e a impor- tância da idéia de abertura. Embora todo o sistema fechado tenha algo de aberto e todo o sistema aberto tenha algo de fechado, embora um sistema não possa definir-se unicamente pela abertura, esta abertura, primeiro energética/material e depois informacional/comunicacional, própria das orga- nizações activas, é algo diferente de e superior à abertura relacio- nal/interaccional que todo o sistema, seja ele qual for, comporta. E porque es- tá ligada à idéia de organização activa, isto é, de produção, isto é, de máquina, isto é, de produção-de-si, é que a abertura é uma noção de importância capital.

188 EDGAR MORIN Traz uma dimensão indispensávei à idéia de organização activa e de máquina, à idéia de anel recorrente. Iremos'ver que a idéia de abertura é uma idéia muito vasta e muito profunda, que transcende a idéia de sistema.

Assim, vamos falar agora, não de sistema aberto, mas de abertura sistêmi- ca, organizacional, e também ontológica, existencial. Vamos partir da abertura energética/material, depois informacional, mas para associá-la à organização, ao ser e à existência. A idéia de abertura, por não estar isolada ou hipostasia- da, não será diminuída. Veremos que irá adquirir uma radicalidade e uma am- plitude ignoradas nas teorias do «sistema aberto».

5. O reconhecimento da abertura

A distinção entre sistema aberto e sistema fechado não é apenas dema- siado simples; oculta aquilo que, na realidade dos sistemas e sobretudo dos po- lissistemas, comporta aqui a abertura, e ali fecho, e embora a idéia de sistema aberto ligue ipso facto este sistema ao meio, corre o risco de isolar o sistema aberto num universo fechado.

Temos de aplanar os equívocos para aceder às complexidades. Vamos ver que os sistemas podem aparecer-nos parcialmente fechados e abertos. Que, se- gundo o ângulo e o enquadramento da visão, segundo o sistema de referência do observador, o mesmo sistema pode aparecer-nos ora fechado ora aberto. Assim, se definirmos a abertura de modo unicamente behaviorista, em fun- ção das entradas e das saídas matSficiis/energéticas, as máquinas artificiais são muito mais «abertas» do que os seres-máquinas naturais: têm eventualmente um triplo input (a energia para o trabalho, os materiais a transformar, o pro- grama a executar) e um duplo ou triplo output (os subprodutos e dejectos de transformação, os produtos acabados, as mensagens ou sinais relativos ao seu funcionamento). Pelo contrário, um ser vivo, como a bactéria, não exporta produtos acabados, não recebe um programa exterior, e, a este título, seria muito mais «aberto». Ora uma visão deste tipo oculta o carácter integralmente aberto da bactéria, que necessita da sua alimentação para não se decompor, enquanto a máquina artificial, pela fixidez dos seus agrupamentos, pode ser considerada como sistema fechado. Pode perdurar no dia-a-dia, sem nenhuma alimentação, pela resistência dos seus componentes e pela estabilidade das suas articulações fixas. Quer dizer que a abertura da máquina artificial é apenas funcional. Se a consideramos apenas em repouso, fora de toda a actividade, a máquina artificial perde não só a sua virtude de abertura, mas também a sua qua- lidade de máquina, e torna-se uma coisa. Vemos, portanto, surgir uma distin- ção capital entre aquilo que é ontológica e existencialmente aberto e ^quilo que é apenas funcionalmente aberto. O ser vivo alimenta-se de matéria/energia, não só para «trabalhar», mas também para existir. Trabalha para existir, isto é, para regenerar as suas moléculas, as suas células e, portanto, o seu ser e a sua organização, que se degradam sem tréguas. O ser vivo nunca pode deixar de ser aberto, não pode, em parte nenhuma, escapar ao fluxo.

A máquina artificial aparece-nos agora quer como sistema parcialmente fe- chado (na sua constituição), parcialmente aberto (no seu funcionamento), quer (em repouso) como ser fechado potencialmente aberto, ou (em actividade) co- mo ser aberto potencialmente fechado.

Tudo muda ainda se alargarmos o olhar e considerarmos a máquina artifi- cial no seio da megamáquina social que a fabricou, a utiliza e repara. A partir daí, o artefacto aparece-nos como integral mas passivamente aberto no seio da organização antropossocial.

Portanto, mais uma vez, fujamos da alternativa simples entre o fechado e o aberto. Aqui, a oposição rigida não é só insuficiente, mas também gera a con- fusão (entre máquina viva e máquina natural). De igual modo, a redução do conceito de abertura ao import/export oculta a diferença radical entre um sis- tema produtor-de-si e um sistema gerado exteriormente.

Importa, pelo contrário:

• Definir sempre a abertura pelo seu carácter organizacional (e não apenas pelo import/export);

• Distinguir os tipos de abertura: funcional, ontológica, existencial; • Situar o problema num conjunto e num contexto onde abertura e fecho aparecem como aspectos e momentos duma realidade simultaneamente aberta e não aberta.

Veremos que o aberto se apoia no fechado, se combina com o fechado. Uma vela nâo acesa é um sistema fechado constituído por um aglomerado de cera e um pavio. Depois de acesa, torna-se o reservatório que alimenta o siste- ma aberto/chama, tornando-se o pavio um invariante relativo necessário à constância da chama. Os remoinhos adquirem uma certa duração e permanên- cia quando se ordenam em torno dum elemento fixo e estável, isto é, material- mente fechado, como a pedra ou o arco. Assim, temos um relativo «invarian- te» não activo, mas que informa a acção; não práxico, mas que permite z. pra-

xis; não produtivo, mas em torno do qual o remoinho opera a sua produção- -de-si; não se reorganiza mas permite a reorganização, não se transforma mas permite a transformação. É como que o pivô em torno do qual gira o anel ge- nerativo. É hermético em relação à agitação que o rodeia.

Ao considerar o conjunto constituído pelo sistema solar, englobando nele, evidentemente, o satélite Terra e o fenómeno vivo, vemos que nele se combi- nam e se envolvem mutuamente a abertura e o fecho. O sistema solar é, termo- dinamícamente, um sistema fechado, mas não isolado em relação à galáxia e ao cosmo, donde recebe radiação, «ruídos» confusos, talvez sinais. A vida inscreve-se num ciclo fechado, a rotação da Terra em torno do Sol, mas tam- bém em ciclos abertos dependentes deste ciclo fechado: os ciclos da água, do mar até à fonte e da fonte até ao mar: ela cria e desenvolve, enquanto biosfera ou totalidade de seres vivos formando um sistema, ciclos abertos de transfor- mação química (ciclo do oxigênio e do gás carbónico), ciclos nutritivos abertos (onde, do vegetal ao animal e do animal ao vegetal, através da devoração, da predação, do parasitismo, da dejecçâo, da decomposição, a vida se alimenta da vida); toda a espécie é um ciclo periódico aberto de reprodução dos indiví- duos; todo o indivíduo comporta ciclos organizacionais abertos (nomeadamen- te nos organismos mais evoluídos: do sangue, da respiração, do influxo ner- voso).

Assim, temos de inserir a abertura nos complexos polímórfícos de máqui- nas e fluxos inter-relacionais. Temos também de reconhecer a abertura, isto é, isolar relativamente a noção. Ora o remoinho e a chama, que nos permitiram isolar quase experimentalmente a idéia de anel e a idéia de reorganização per- manente, permitir-nos-ão igualmente isolar a noção de abertura.

190 EDGAR MORIN 6. A abertura de entrada e a dependência ecológica

Do ponto de vista termodinâmico, a estrela, o remoinho e o ser vivo são sistemas igualmente abertos. Do ponto de vista ecológico estão muito desigual- mente abertos.

A estrela é um ser-máquina, totalmente activo, ao mesmo tempo ontológi- ca, existencial e funcionalmente aberto. Todavia tem esta característica que a diferencia dos motores selvagens terrestres e dos seres vivos: não se alimenta do meio: a sua entrada material/energética está no seu interior. Ou antes, ela co- meçou por auto-adiantar-se ao meio; o seu alimento é a substância do seu ser.

O seu input situa-se no anterior e no interior: é a enorme reserva de matéria/energia acumulada durante a concentração gravitacional. Assim, o fluxo que a atravessa, e depois se escapa, parte do interior. Portanto, a estrela come o seu capital ontológico até ao esgotamento. Não devemos subestimar a abertura da estrela por estar ecologicamente fechada na entrada: mas não deve- mos subestimar este encerramento porque, por outro lado, a estrela está ontológica/funcionalmente aberta. A estrela, pelo facto de se alimentar de si mesma, dispõe duma formidável autonomia: não depende em cada instante da sua existência dum meio aleatório. Uma vez anelada, já não depende, salvo ra- rissimos casos, de perturbações externas.

Pelo contrário, as máquinas terrestres, do turbilhão ao ser vivo, do ser vivo ao ser social, do ser social à máquina artificial, são todos funcional e ecologica- mente dependentes, todos (excepto os artefactos) existencialmente ecodepen- dentes. "

Os turbilhões não são mais do que anel e abertura; os fluxos que se trans- formam em anéis permanecem fluxos e ameaçam incessantemente o anel nasci- do das suas agitações e contradições. Estes turbilhões não estão protegidos do meio por nenhuma membrana, estão abertos em todas as partes; mas esta aber- tura de todas as partes é, ao, mesmo tempo, o seu encerramento por todas as partes; é o anel, que é ao mesmo tempo abertura e fecho permanentes e omni- presentes. Aparentemente não existe nada mais débil do que os turbilhões. Es- tão absolutamente dependentes dos fluxos, são incapazes da mínima transfor- mação química, da mínima produção de objectos. E, no entanto, são capazes de produção-de-si e de reorganização permanente. São detentores, na sua nu- dez extrema, da generatividade no estado puro. Assim, a existência tece-se na extrema dependência ecológica, na abertura generalizada, dado que esta aber- tura coincide exactamente, na sua forma e no seu movimento de anel, com o fecho.

Os seres vivos dispõem, em relação aos remoinhos e aos turbilhões, duma extraordinária autonomia de organização e de comportamento, que lhes permi- te adaptarem-se ao meio, e até adaptarem o meio a eles próprios e subjugá-lo. Mas encontram-se na mesma dependência ecológica total que os remoinhos, visto que o seu reabastecimento permanentemente necessário provém unica- mente deste meio.

Vou, portanto, passar a focar esta abertura ecológica, comum a todos os seres terrestres, aos remoinhos, aos turbilhões, a nós mesmos. O nosso ser, a nossa organização e a nossa existência são integralmente ecodependentes.

Isto vai permitir-nos entrever o carácter duplo e rico que a organização viva vai adquirir, sobretudo com o desenvolvimento dos comportamentos animais:

a organização das interaccões internas e a organização das interaccões externas

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