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O número e a riqueza das interacções aumentam quando passamos para o nível das interacções, nâo já unicamente entre partículas, mas também entre

sistemas organizados, átomos, astros, moléculas e, sobretudo, seres vivos e so-

ciedades; quanto mais cresce a diversidade e a complexidade dos fenómenos

54 EDGAR MORIN em interacção, mais cresce a divepidade e a complexidade dos efeitos e das transformações saídos destas interacções.

As interacções constituem uma espécie de nó górdio de ordem e de desor- dem. Os encontros são aleatórios, mas os efeitos destes encontros sobre ele- mentos bem determinados, em condições determinadas, tornam-se necessários e fundam a ordem das «leis».

As interacções relacionadoras são geradoras de formas e de organização. Fazem nascer e perdurar estes sistemas fundamentais que são os núcleos, os átomos e os astros:

• As interacções «fortes» ligam protões e neutrões, e a sua força de liga- ção, dominando a repulsão electrica entre protões, dá ao núcleo uma coesão formidável;

• As interacções gravitacionais determinam, operam e aceleram a concen- tração das galáxias, a condensação e a ignição das estrelas;

• As interacções electromagnéticas ligam os electrões aos núcleos, ligam os átomos às moléculas e actuam de modo complexo em todos os processos este- lares.

Uma vez constituídas as organizações que são os átomos e as estrelas, as re- gras do jogo das interacções podem aparecer como leis da natureza. Assim, as interacções gravitacionais descobertas por Newton foram interpretadas como necessidades impostas a todos os corpos fisicos, e portanto, como leis supre- mas, absolutas, eternas e exteriores aos objectos em jogo. Com efeito, os as- • tros, fecho da abobada da organização cósmica, fazem reinar e irradiar a sua

.ordem em extensões quase ilimitadas. É certo que, depois de Newton, se podia pressentir que as atracções dependem das massas, as quais, por sua vez, depen- dem das atracções. Mas não se podia pressentir que estas leis tinham uma gêne- se. Sobretudo, não se podia conceber que estas «leis» cooperam tanto na desordem como na ordem. Assim, as «leis» gravitacionais participaram da dispersão cósmica (contribuindo para a divisão da nuvem primitiva) e contra- riaram-na (determinando os processos de formação das estrelas). Assim, esta lei tem um pé na organização e o outro na dispersão. As leis da natureza cons-

tituem apenas uma face do fenómeno multifacetado que comporta também a sua face de desordem e a sua face de organização. As leis que regiam o mundo não eram mais do que um aspecto providencial duma realidade interaccional complexa.

A interacção torna-se assim a noção-placa giratória entre desordem, ordem e organização. Isto significa que estes termos, desordem, ordem e organização, estão agora ligados, via interacções, num anel solidário no qual cada um destes termos já não pode ser concebido fora da referência aos outros, e no qual têm relações complexas, isto é, complementares, concorrentes e antagónicas. Passo a servir-me de dois exemplos para explicar as minhas afirmações:

O primeiro ilustra o princípio a que Von Foerster chamou order from noise (Von Foerster, 1960): direi antes principio de organização pela desordem.

Considere-se um número determinado de cubos leves cobertos dum mate- rial magnético e caracterizados pela polarização oposta dos dois pares de três lados que se juntam em dois cantos opostos. Colocam-se os cubos numa caixa. Fecha-se a caixa e agita-se. Sob o efeito da agitação, os cubos associam-se se- gundo uma arquitectura aleatória (fantasista) e estável. A cada agitação nova alguns cubos entram no sistema e completam-no até que a totalidade dos cubos

constitua uma unidade original, imprevisível à partida enquanto tal, ordenada e organizada ao mesmo tempo.

As condições de tal construção são:

á) Determinações e imposições próprias dos elementos materiais em presen- ça (forma cúbica, constituição metálica, magnetização diferencial) e que cons- tituem principios de ordem;

b) Uma possibilidade de interacções selectivas capaz de ligar estes elemen- tos em certas condições e ocorrências (interacções magnéticas);

c) Um aprovisionamento de energia não direccional (agitação desor- denada);

d) A produção, graças a esta energia, de encontros muito numerosos, entre os quais uma minoria ad hoc estabelece as interacções selectivamente estáveis, que se tornam, assim, organizacionais.

Assim, ordem, desordem e organização co-produziram-se simultânea e reci- procamente. Sob o efeito dos encontros aleatórios, as imposições originais produziram ordem organizacional, as interacções produziram inter-relações or- ganizacionais. Mas também podemos dizer que, sob o efeito das imposições originais e das potencialidades organizacionais, os movimentos desordenados, desencadeando encontros aleatórios, produziram ordem e organização. Existe portanto, de facto, um anel de co-produção mútua:

ordem ^ desordem > interacções > organização

t I

Assim constituída, a organização mantém-se relativamente estável, mesmo quando a caixa continua a ser agitada pelos mesmos abalos que a produziram. Donde este traço notável: uma vez constituídas, a organização e a sua ordem

própria são capazes de resistir a um grande número de desordens.

A ordem e a organização, nascidas com a cooperação da desordem, são ca- pazes de ganhar terreno à desordem. Esta característica é duma importância

cosmológica e física capital. A organização, e a ordem nova que a ela está ligada, embora saídas de interacções minoritárias no jogo inumerável das in- teracções em desordem, dispõem de uma força de coesão, de estabilidade e de re- sistência que as torna privilegiadas num universo de interacções fugidias, repul- sivas ou destrutivas (cf. cap. ii, p. 137); beneficiam, em suma, dum princípio de selecção natural física. (Veremos até que o único princípio de selecção natu- ral é físico e não biológico.)

O segundo exemplo introduz-nos no âmago das morfogéneses: trata-se da única hipótese actualmente plausível relativa à formação do carbono no seio das estrelas. A constituição dum núcleo de carbono exige a ligação de três nú- cleos de hélio em condições extraordinariamente improváveis de temperatura e de encontro. Quando dois núcleos de hélio se encontram, fogem um do outro em menos dum millonésimo de milionésimo de segundo. Só se, num tempo tão curto, um terceiro núcleo de hélio se juntar ao par, é que este os liga um ao ou- tro ligando-se a eles, constituindo assim a tríade estável do núcleo de carbono.

In abstracto, o nascimento dum átomo de carbono só poderia resultar dum acaso fabuloso. Mas, se nos situarmos no seio destas forjas incandescentes que são as estrelas (constituídas na maior parte por hélio), onde as temperaturas de

Antes das agitações

reacção se mantêm durante um tempo bastante longo, podemos conceber que

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