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A organização é simultaneamente transformação e formação (morfogénese) Trata-se realmente de transformações: os elementos transformados em partes

dum todo perdem quahdades e adquirem outras novas; a organização transfor-

ma uma diversidade separada numa forma global (Gestalt). Cria um contínuo

Recordemos que as ligações podem ser garantidas por: • Dependências fixas e rígidas;

• Interacções recíprocas;

• Constituições de elementos comuns a dois sistemas associados (tornando-se subsistemas do sistema constituído);

• Retroacções reguladoras; • Comunicações ¡nformacionais.

126 EDGAR MORIN — O todo inter-relacionado— onde havia o descontinuo; opera, de facto, uma mudança de forma: forma (um todo) a partir da transformação (dos elemen- tos).

Trata-se realmente de rtiorfogénese: a organização dá forma, no espaço, no tempo, a uma realidade nova: a unidade complexa ou sistema.

Assim, a organização é aquilo que transforma a transformação em forrrja; por outras palavras, forma a forma formando-se a si mesma; produz-se por si mesma produzindo o sistema, o que nos revela o seu carácter fundamentalmen- te generativo.

3. A manutenção daquilo que mantém

A organização é, ao mesmo tempo, o princípio ordenador que garante a permanência.

A permanência no ser dos átomos, moléculas e astros não corresponde à inércia mas à organização activa. A organização é morfostática: mantém a per- manência do sistema na sua forma (Gestalt), na sua existência e na sua identi- dade.

Esta permanência surge a dois níveis que temos simultaneamente de distin- guir e ligar:

• O nível estrutural (regras organizacionais) e generativo (produtor da for- ma e do ser fenoménico);

• O nível fenoménico, onde o-todo mantém a constância das suas formas e das suas qualidades a despeito dos acasos, agressões e perturbações, e eventual- mente através das flutuações (corrigidas por regulações).

Repetimos: a permanência não é uma conseqüência da inércia, da gravida- de, da «força das coisas». Vimos que todo o sistema está ameaçado por desor- dens exteriores e interiores. Quer dizer que todo o sistema é também uma orga- nização contra a antiorganização ou uma antiantiorganização. Quando, além disso, o sistema trabalha incessantemente, como o sistema vivo, produz preci- samente por isso degradação e desorganização, e portanto tem de consagrar uma enorme parte da sua organização à reparação das degradações e das de- sorganizações que a sua organização provoca, ou seja, regenerar a sua organi- zação. Assim, a formidável organização viva comporta despesas, trabalhos, re- finamentos inauditos dedicados unicamente a manter a sua manutenção, isto é, a esta tautológica finalidade de permanência: sobreviver.

4. A ordem da organização e a organização da ordern

A transformação da diversidade desordenada em diversidade organizada é, ao mesmo tempo, transformação da desordem em ordem.

As invariâncias, constancias, imposições, necessidades, repetições, regulari- dades, simetrias, estabilidades, desdobramentos, reproduções, e t c , conjugam- -se num determinismo que constitui a ordem autónoma do sistema. Esta ordem pode eventualmente irradiar sobre uma vasta zona, por vezes mesmo até dis- tâncias muito grandes (assim o nosso planeta vive sob o reino da ordem solar).

A relação ordem/organização é circular: a organização produz ordem, que mantém a organização que a produziu, isto é, co-produz a organização. Esta ordem organizacional é uma ordem construída, conquistada à desordem, pro- tectora contra as desordens: e, no mesmo movimento, a ordem transforma a «improbabilidade» da organização em probabilidade local, salvaguarda a origi- nalidade do sistema, e constitui um ilhéu de resistência contra as desordens do exterior (riscos, agressões) e do interior (degradação, propagação dos antago- nismos).

A ordem organizacional é, portanto, esta «invariância» ou «estabilidade» estrutural (Thom, 1972), estratificada (Bronovski, 1969), que não é só como que a armadura ou o esqueleto de todo o sistema, mas também permite, sobre esta base, edificar novas organizações, que por sua vez constituirão a sua or- dem própria, na qual se apoiarão ainda outras organizações, e assim por dian- te, permitindo portanto o aparecimento, a propagação e o desenvolvimento de sistemas de sistemas de sistemas, de organizações de organizações de organiza- ções ...

5. Organização, ordem e desordem

A 4esordem não é repelida pela organização: é transformada e permanece virtualizada nela, pode actualizar-se nela e prepara secretamente a sua vitória. Não podemos conceber o nascimento da organização fora dos encontros aleatórios. Segundo a impressionante expressão de Atlan, existe um «acaso or- ganizacional». Mas este filho bastardo do acaso ou da desordem é antiacaso, antidesordem, e constitui um ilhéu, um isolado, cujo determinismo protege contra as desordens exteriores e interiores.

Encontraremos no quadro sistêmico, e de modo original, a relação trinitá-

organização v-7 ordem desordem

A desordem interior tem duas faces: à primeira, potencializada nos antago- nismos latentes, refreada nas e pelas imposições, chamámos-lhe aqui antior- ganização. A segunda é a entropia. Estes dois rostos são: um a expressão or- ganizacionista, o outro a expressão termodinâmica da mesma realidade, a dum princípio de desorganização, inerente a toda a organização, isto é, a todo o sis- tema. Este princípio significa que todo o sistema é perecível, que a sua organi- zação é desorganizável, que a sua ordem é frágil, relativa, mortal.

Vemos pois que a ordem organizacional está cercada e minada pela desor- dem. Nos sistemas não activos, fragmentos de neguentropia criados por encontro, esta ordem é uma sentinela esquecida e perdida na torrente do tem- po. Nos sistemas activos, rejeita incessantemente, Sísifo infatigávêl, pela reor- ganização permanente, a desorganização permanente.

Ora é nos sistemas fundados sobre a reorganização permanente que a de- sordem é «desviada», captada (tornando-se a desorganização um constituinte

128 EDGAR MORIN da reorganização), sem todavia*ser reabsorvida nem excluida, sem ter cessado de trazer consigo a sua fatalidade de dispersão e de morte.

Quanto mais complexa se torna a organização, mais a sua ordem se mistura cada vez mais intimamente com as desordens, mais os antagonismos, as desini- bições, os riscos desempenharam o seu papel no ser do sistema e da sua organi- zação.

Assim, a tríade desordem/ordem/organização toma um carácter original no seio dos sistemas. A ordem organizacional é uma ordem relativa, frágil, pe- recível, mas também, como iremos ver, evolutiva e construtiva. A desordem não é apenas anterior (interacções ao acaso) e posterior (desintegração) à o'ga- nização, está presente nela de modo potencial e/ou activo. A exclusão da de- sordem caracterizava a visão clássica do objecto físico; a visão organizacional complexa inclui a desordem.

A organização só pode organizar-se e organizar incluindo a relação ordem/desordem em si, não só na virtualízação/inibição da desordem, mas também, como nos sóis e nos fenómenos vivos, na sua actualização.

6. A estrutura da organização e a organização da estrutura A noção de estrutura, muito útil e integrável na idéia de organização, não pode resumir em si esta idéia. A estrutura é tão integrável, que é sob a sua co- bertura, ou antes na sua ganga, que as realidades organizacionais começaram a emergir à consciência teórica (PTagét, 1970).

É geralmente o conjunto das regras de agrupamento, de ligação, de interde- pendência, de transformações, que concebemos sob o nome de estrutura, e es- ta, no limite, tende a identificar-se com o invariante formal dum sistema.

Já a redução do sistema à organização provocaria uma perda de fenomena- lidade e de complexidade. Ora, a orgEinização é uma noção mais complexa e ri- ca do que a de estrutura. Portanto, nem o sistema fenoménico (o todo enquan- to todo, as suas propriedades emergentes) nem a organização na sua complexi- dade podem deduzir-se de regras estruturais. Toda a concepção unicamente es- truturalista, isto é, apenas interessada em reduzir os fenómenos sistêmicos e os problemas organizacionais a termos de estrutura, provocaria um grande des- perdício de ínteiigibilidade, uma perda bruta de fenomenalidade, uma destrui- ção de complexidade". Com efeito, a idéia de estrutura só concebe uma con- junção de regras necessárias que manipula e combina as unidades de base. Per- manece portanto na dependência do paradigma da ordem (aqui intra-sistémíca) e dos objectos simples. Está cega para o objecto complexo, o sistema; está cega para as relações complexas, porém fundamentais, entre a orga^iízação e a antiorganização...

A idéia de organização, pelo contrário, deve referir-se necessariamente à unidade complexa, e, como veremos cada vez melhor com a continuação, a um paradigma de complexidade; deve ser concebida necessariamente em função do macroconceito trinitario sístema/ínter-relação/organização no qual se insere; deve ser pensada de modo, não reducionista, mas articulador, não simplifica-

" As questões da estrutura e do estruturalismo serão tratadas frontalmente no seu nível teórico e epistemológico no t. III.

dor, mas multirramificado; comporta de modo nuclear as idéias de reciprocida- de de acção e de retroacção; esta última, que fecha o sistema sobre si mesmo num todo que se volta sobre as suas partes, fecha ao mesmo tempo a organiza- ção sobre si mesma; a partir daqui, a organização surge como uma realidade quase recorrente, isto é, cujos produtos finais se fecham sobre os elementos ini- ciais, donde a idéia de que a organização é sempre também organização da-..

t I

É uma noção circular que, remetendo para o sistema, remete para si mes- ma; com efeito, é constitutiva de relações, formações, morfostases, invariân- ciãs, e t c , que circularmente a constituem. A organização deve pois ser conce- bida como organização da sua própria organização, o que significa também que se fecha sobre si mesma, fechando o sistema em relação ao meio.

7. O fecho e a abertura organizacionais: um sistema tem de ser aberto e fechado

A teoria dos sistemas, no seguimento da termodinâmica, opõe os sistemas abertos (que efectuam trocas materiais, energéticas ou/e informacionais com o exterior) aos sistemas fechados (que não efectuam trocas com o exterior). A teoria dos sistemas salientou com grande pertinência a idéia de que a abertura é necessária à manutenção, ao renovamento, numa palavra, à sobrevivência dos sistemas vivos, mas não extraiu verdadeiramente o caracter organizacional da abertura, e pôs a idéia de abertura em alternativa de exclusão com a idéia de fe- cho.

Ora iremos ver que a abertura e fecho, com a condição de considerar estes termos organizacionalmente e não apenas termodinamicamentè, não estão em oposição absoluta.

Para jâ, um sistema dito «fechado» (não operando trocas materiais/energé- ticas) não é uma entidade hermética num espaço neutro. Não está isolado nem é isolável. Os caracteres aparentemente intrínsecos, como a massa, só podem ser definidos em função das interacções gravitacionais que o ligam ao corpo que constitui o seu meio. Quer dizer que o tecido dum sistema, mesmo fecha- do, funda-se em relações exteriores; se não é verdadeiramente «aberto», não é totalmente «fechado».

Se todo o sistema fechado não é verdadeiramente fechado, todo o sistema aberto comporta o seu fecho. Podemos até dizer: é lá onde existe verdadeiramen- te abertura organizacional que existe verdadeiramente fecho organizacional.

Toda a organização, no sentido em que impede a hemorragia do sistema no meio bem como a invasão do meio no sistema, constitui um fenômeno de fe- cho. E o fecho organizacional é tão necessário que, como sempre, toda a amea- ça interior abre a porta à ameaça exterior.

A idéia de fecho aparece na ideia-chave de retroacção do todo sobre as par- tes, que fecha o sistema sobre si mesmo, esboça a sua forrha no espaço; aparece na idéia recorrente de organização da organização, que fecha a organização sobre si mesma. Uma e outra realizam conjuntamente a autonomia da uni- dade complexa neste anelamento/fechõ, que não só é compatível com a abertu- ra dos sistemas abertos, mas só nestes sistemas se torna anel activo. B.U, 2 8 - 9

130 EDGAR MORIN O andamento dos sistemas .organizacionalmente não activos (ditos fecha- dos) não é um verdadeiro anelamentò, é um bloqueio. É, se assim podemos di- zer, um anel bloqueado, ou um bloco anelado. Este bloqueio conserva, por ¡mobilização, uma neguentropia original que vai resistir durante mais ou me- nos tempo às forças de desintegração internas e externas. A organização é fixa, não trabalha. Este fecho é pois passivo.

Pelo contrário, as organizações activas dos sistemas ditos abertos garantem as trocas, as transformações que alimentam e operam a sua própria sobrevivên- cia: a abertura serve-lhes para se re-formarem incessantemente; re-formam-se, fechando-se, por anéis múltiplos, retroacções negativas, ciclos recorrentes inin- terruptos (cf. 2.* parte, cap. ii). Assim, impõe-se o paradoxo: um sistema aber- to está aberto para fechar-se, mas está fechado para abrir-se, e fecha-se abrindo-se. O fecho dum «sistema aberto» é o anelamentò sobre si mesmo. Tentarei demonstrar esta proposição mais à frente (p. 186). Assim, a organiza- ção anelada distingue-se radicalmente da organização bloqueada; é fecho acti- vo que garante a abertura activa, a qual garante o seu próprio fecho:

abertura > fecho

e este processo é fundamentalmente organizacional. Assiiii, a organização viva abre-se para fechar-se (garantir a sua autonomia, preservar a sua complexi- dade) e fecha-se para abrir-se (trjjcar, comunicar, gozair, existir)...

Temos pois de ultrapassar a idéia simples de fecho que exclui a abertura, a idéia simples de abertura que exclui o fecho. As duas noções podem e devem ser combinadas; necessárias junta:s, tornam-se relativas uma à outra, uma e ou- tra, como na idéia de fronteira, pois a fronteira é aquilo que, simultaneamente, proíbe e autoriza a passagem, aquilo que fecha e aquilo que abre. Ora esta ligação só pode estabelecer-se no seio dum princípio orgemizacionista comple- xo. Veremos de resto que, quanto mais complexo é o sistema, mais ampla é a abertura, mais forte é o seu fecho.

8. O órgão

A organização é um conceito polifónico, poliscópico. A organização liga, forma, transforma, mantém, estrutura, ordena, fecha, abre um sistema.

Isto quer dizer que liga orgánicamente aquilo que liga, forma, transforma, mantém, estrutura, ordena, fecha, abre o sistema. ••

O que nos levou a considerar a organização como um conceito de segunda ordem ou recorrente, cujos produtos ou efeitos são necessários á sua própria constituição: a organização é a relação das relações, forma aquilo que transfor- ma, transforma aquilo que forma, mantém aquilo que mantérñ, estrutura aqui- lo que estrutura, fecha a sua abertura e abre o seu fecho; organiza-se organi- zando, e organiza organizando-se. É um conceito que se anela sobre si mesmo, fechado neste sentido, mas aberto no sentido em que, nascido de interacções anteriores, mantém relações, opera trocas com o exterior.

Estes traços são pertinentes, julgo eu, para todos os sistemas, e, a este títu-

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