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2 INSTITUCIONALIZAÇÃO DA APRENDIZAGEM NO COTIDIANO ESCOLAR:

4.2 COTIDIANO DA ESCOLA, COTIDIANO DA VIDA

O que é o cotidiano? Quando se questiona a respeito do que se passa no cotidiano, de que cotidiano está se falando? No âmbito desta tese, o cotidiano é definido:

[..] como uma rota de conhecimento. Quer isto dizer que o quotidiano não é uma parcela isolável do social. Com efeito, o quotidiano não pode ser caçado a laço quando cavalga diante de nós na exacta medida em que o quotidiano é o laço que nos permite "levantar caça" no real social, dando nós de inteligibilidade ao social. (PAIS, 2013, p. 111, grifos do autor).

Logo, embora o cotidiano pareça ser "[...] o que no dia-a-dia se passa quando nada parece se passar", sendo superficialmente entendido como "[...] o que se passa todos os dias" (PAIS, 2013, p. 108), sem que haja qualquer contestação, isso é apenas aparência e ilusão.

O que se passa no quotidiano é "rotina", costuma dizer-se. A ideia de rotina é próxima da de quotidianeidade e expressa o hábito de fazer as coisas sempre da mesma maneira, por recurso a práticas constantemente adversas à inovação. É certo que, considerado do ponto de vista da sua regularidade, normatividade e regularidade, o quotidiano manifesta-se como um campo de ritualidades. [...] No entanto, as raízes etimológicas de rotina apontam para outro campo semântico, associado à ideia de rota (caminho), do latim via, rupta, de onde derivam as expressões rotura ou ruptura: acto

ou efeito de romper ou interromper; corte, rompimento, fractura. (PAIS, 2013, p. 208-209, grifos do autor).

A ilusão advém do fato de que o cotidiano não guarda só recorrências e

regularidades69, embora, na maioria das vezes, as surpresas, o inusitado e o

incomum passem sem ser percebidos por aqueles(as) que o vivem. Em geral, por se "[...] dizer que no cotidiano nada se passa que fuja à ordem da rotina e da monotonia" (PAIS, 2013, p. 108), poucos(as) se atentam para as experiências que a própria regularidade do cotidiano suscita.

Por toda complexidade e multiplicidade que compõe o cotidiano, em que as perguntas trazidas no início deste item trazem apenas alguns indícios, não parece exagero dizer que ele suscita problematizações e análises contínuas e

multidimensionais em torno dos aspectos culturais – do mundo e da vida – que o

constituem.

Também não se duvida que as experiências do cotidiano possam inspirar muitos questionamentos e provocar muitas reflexões. Para Stecanela, ancorada em Lefebvre em analogia com os movimentos do direito à educação no Brasil, o que se passa no cotidiano necessita ser observado, considerando-se três dimensões: o concebido; o vivido; e o percebido pelos sujeitos.

Assim, o concebido é considerado um espaço abstrato, mental, legal e burocrático, pensado previamente por profissionais e tecnocratas. O espaço vivido é o da experiência prática da vida cotidiana, difícil de ser apreendido porque envolve o imaginário e o simbólico, com suas complexidades nem sempre passíveis de serem analisadas pela teoria. Por sua vez, o percebido, considerado um espaço social, apresenta-se pelos órgãos de sentidos, mas também através do mundo incorporado pelas práticas sociais, na relação com as materialidades que a compõem. (STECANELA, 2016, p. 345).

Retomando, então, de que cotidiano se está falando quando se fala de cotidiano escolar? Na perspectiva sociológica, está se falando do cotidiano da vida

dos(as) estudantes70, de como eles(as) significam as experiências vividas em meio

ao ordinário das rotinas. Olhar para o cotidiano escolar requisita, antes de tudo, que

69 Essa é a dimensão da cotidianidade, referida por Martins (2014). Nela, atenta-se para aquilo que se

repete (horários, rotinas, estruturas, normas) e que afasta o sujeito da experiência e não para o cotidiano, cuja dimensão permite a observação e o encontro com a ruptura e a surpresa (PAIS, 1999; 2015).

70 A Sociologia do Cotidiano, da qual Pais (1999, 2013, 2015) é um teórico expoente, constitui-se

referência importante para o entendimento do cenário da Educação Básica atual como um todo, assim como o das experiências sociais estudantis que no cotidiano escolar são vividas.

se olhe para o vivido com as lentes do percebido; que se contemple a vida e não um espaço ou um lugar com fronteiras definidas.

O cotidiano escolar não está desmembrado do que ocorre em outros tempos e espaços, institucionalizados ou não. É mais um locus em que os sujeitos pensam, vivenciam, percebem e partilham experiências que constituem a si mesmos, pois os sentidos atribuídos são subjetivos e independentes de barreiras físicas. O cotidiano é o todo em que as diferentes experiências (escolares e não escolares) se amalgamam e ganham sentidos.

Assim, quando se sistematiza questionamentos sobre frações de acontecimentos que ocorrem na escola, não se está tratando de algo que esteja à parte do que ocorre na vida. Ao contrário, ao transcender e preceder a escola, a observação desta parcela social, conforme sinaliza Pais (2013, p. 113), descortina possibilidades para "o conhecimento tácito das interações sociais."

Pela observação de fragmentos do que acontece na escola se adentra na minúcia de determinados modos de viver, fazer e entender processos sociais dinâmicos e complexos, entre os quais aqueles vividos no âmbito da Educação Básica, por mais desafiador que seja construir conhecimento sobre as vivências do cotidiano.

Obviamente, se for tomado de forma reducionista, apenas pela dimensão do concebido, o cotidiano escolar poderia ser simplificadamente descrito a partir da leitura atentados textos jurídicos que compõem a legislação educacional em vigor. Mas, seria o cotidiano escolar assim tão previsível na perspectiva da Sociologia do Cotidiano? Não. Olhar para o cotidiano escolar é olhar a partir do que dizem as narrativas e os(as) narradores, ou seja, tem a ver com os aspectos práticos que se desenrolam em seu interior e com as percepções dos sujeitos que o vivenciam.

A ênfase ao vivido e ao percebido, destacada por Stecanela (2016), relaciona-se com o que se faz na escola para atender à pluralidade, à dinamicidade e à imprevisibilidade que acompanham as rotinas pedagógicas. Fica evidente que, na dimensão do vivido, o cotidiano escolar é mais do que a concretização de currículos formais e a repetição de comportamentos, intervenções e resultados.

Por isso é importante indagar e indagar-se sobre o cotidiano. Afinal, que percepções os(as) protagonistas das relações vividas no cotidiano escolar têm a respeito das experimentações que fazem? Há especificidades do cotidiano que merecem ser aprofundadas? Qual a potencialidade do cotidiano tomado como

perspectiva teórico-metodológica? Conforme anuncia Stecanela (2009), o cotidiano, por meio da:

[...] exaltação dos detalhes, dos pormenores pode, eventualmente, ser revelador das estruturas sociais, permitindo recompor o todo através das partes, pois, através do pequeno, do ínfimo, da dobra, da sobra ou da sombra, é possível ter uma ideia de como as práticas sociais cotidianas são produtoras da estrutura social e como essa última acaba por influenciar as primeiras. (STECANELA, 2009, p. 69).

Uma das maneiras de se aproximar do vivido do cotidiano escolar é tomar como objeto de análise e interpretação a narrativa reflexiva que os sujeitos implicados fazem acerca das experiências que reconhecidamente dele partem, ainda que não estejam isoladas das demais experiências de vida. Todas as percepções por eles narradas acerca das experiências escolares são, primordialmente, percepções sobre experiências de vida e é sob tal premissa que se deve observar, interrogar, escutar e dialogar sobre opções, escolhas, experiências, práticas, interferências, aprendizagens, motivações e ações.

A dimensão do percebido torna visível as frestas que permitem conhecer parte das trajetórias singulares que são, por essência, embebidas de sentimentos, expectativas, pré-conceitos, visões de mundo e valores, entrelaçadas por ocorrências e interferências diárias que, por mais que não se possa abarcá-las por completo, fazem "[...] insinuar o social", como explica Pais (2013, p. 108).

O tempo das narrativas, ainda que seja o presente, vincula outros tempos. Vincula o tempo biológico dos(as) estudantes convidados a narrar suas experiências

de aprendizagem e, também, o tempo geracional71 que os(as) coloca em relação e,

a partir do qual, na perspectiva trazida por Mannheim (1993), compõem suas próprias unidades geracionais.

Pouco a pouco, por intermédio do percebido sobre o cotidiano, vai se desfazendo o emaranhado aparentemente coeso de sujeitos escolares para mostrar suas diferentes visões de mundo, de vida, da escola, sobre o outro, sobre a relação e sobre a aprendizagem. E é essa potencialidade de investigação sobre o cotidiano

71 Os tempos geracionais, definidos por Mannheim (1993), podem ser entendidos, simplificadamente,

como sendo os tempos interiores ao indivíduo, ou seja, subjetivados pela posição geracional (quando os sujeitos partilham de experiências comuns relacionadas à convivência social ampla), pela conexão geracional (pressupõe um vínculo que pode ser cultural, econômico ou outro) ou pela unidade geracional (se relaciona às diversidades de modos de viver, se relacionar, conceber, agir etc.); e os tempos exteriores, ou seja, cronológico/biológico.

da educação – que não é tão somente a escola – que se amplia pela perspectiva da

Sociologia do Cotidiano72.

Acredita-se que o cotidiano escolar seja potencial na construção de novas perspectivas para o ensino e para a aprendizagem, se for tomado na sua essência, como uma rota de conhecimento, conforme anuncia Pais (2013). Mas é preciso querer decifrá-lo, mergulhar na aparente monotonia, desafiar os rituais, fazer romper o novo.

Talvez também seja importante, ao olhar para o cotidiano escolar, pensar a escola enquanto instituição de ensino, com os diferentes significados atribuídos a ela ao longo dos séculos e os principais desafios que acompanham o fazer docente na contemporaneidade, a fim de desembaçar as lentes da observação. Alguns

desses73, certamente, relacionados às transformações decorrentes do maciço

ingresso de crianças e adolescentes em escolas públicas de todo país nos últimos trinta e dois anos, outros, contudo, relacionados à perenidade associada às práticas de ensino operadas pelos(as) professores(as) nos últimos séculos.

Para Tolosana (2005), uma parte dos problemas ou desafios educacionais tem origem na resistência e inconformidade do(as) professores(as) frente às novas exigências do fazer pedagógico, sobretudo aquelas relacionadas à aproximação com as novas gerações e seus anseios. Outra parte, no entanto, não é uma especificidade do gerenciamento interno das instituições de ensino, mas todo um complexo social há séculos erigido e consolidado que continua a sustentar modelos sociais e culturais de preservação e transmissão cultural.

Toda sociedad, desde la más simple a la más compleja, todo grupo humano desde el más depauperado al más rico, elitista y aristocrático ha activado y activa procesos, tanto formales como informales, para transmitir sus rasgos

72 Certamente, quando se toma consciência de que o referido cenário configura uma dentre tantas

outras perspectivas possíveis de serem elaboradas em torno de pequenos fragmentos, também se precisa lidar com a dureza dessa escolha, afinal esse caminho "não se faz sem conflitos, sem dúvidas e sem incertezas, pois as perguntas servem para mobilizar em direção à construção de respostas, sempre parciais e provisórias sobre a realidade que nos é dada a ler", conforme alerta Stecanela (2009, p. 74). Sendo assim, mesmo a já esperada brevidade dos conhecimentos construídos e os desafios de buscar uma análise sociológica do cotidiano escolar não devem inibir a busca por respostas consistentes ao que acontece no chamado cotidiano da aprendizagem, pois os achados não apenas respondem –ainda que parcialmente – aos anseios do tempo histórico em que são produzidos, como também estimulam novas buscas, seja para ampliar, seja para refutar o que foi produzido. Portanto, seria injustificável negligenciar suas potencialidades por conta disso.

73 Dentre os desafios apontados pelos(as) docentes, as dificuldades de aprendizagem, o

desinteresse, o desrespeito, a indisciplina, a burocracia, os diferentes ritmos de aprendizagem dos(as) estudantes, além da inclusão de crianças com necessidades especiais nas classes regulares, aparecem em destaque.

culturales más importantes a las nuevas generaciones. Y lo que transmiten son regímenes de enunciación, esto es, principios generales de orden y convivencia, valores nucleares que tienen su propia estructura y lógica, el ethos de la cultura [...]. (TOLOSANA, 2005, p. 7, grifos do autor).

Para Stecanela, a crise da escola contemporânea parecer estar associada à insistência docente "[...] na difusão de um modelo cultural ditado por forças externas à relação pedagógica, no desejo explícito de centrarem suas práticas na separação entre 'educação' e 'ensino' [...]" enquanto os(as) estudantes resistem "[...] em assistir à cultura sendo silenciada ou expulsa do ensino, pois é através dela que constituem suas identidades geracionais, individuais e coletivas [...]." (STECANELA, 2016, p. 353, grifos da autora).

O que se observa como síntese dos argumentos expostos é que, ainda que haja flexibilizações no processo, a imutabilidade acabou por tornar-se uma marca civilizatória importante da educação, por vezes necessária, mas demasiadamente estrutural no tocante à educação formal.

Dialogando com a Filosofia à luz dos estudos de Rorty (1997), percebe-se que na tradição ocidental, em que por longo período de tempo a busca de sentidos à existência esteve exclusivamente ancorada em uma tradição que incluía refletir e narrar as próprias contribuições para a comunidade (histórica, atual ou imaginária), a inclusão da descrição de si mesmo, em relação à sua realidade imediata, excluiu as relações anteriores ou as estabelecidas com outros grupos.

Observando tal movimento, pode-se dizer que, quando os sujeitos buscavam o sentido de suas existências narrando suas contribuições para a comunidade, expressavam um desejo por solidariedade. Essa busca de sentidos junto aos outros fazia com que eles não se questionassem sobre o que acontecia no interior ou exterior de sua comunidade de pertencimento.

Contudo, quando a descrição de si mesmo ocupou esse lugar e os sujeitos passaram a tentar explicar o mundo e o sentido da existência humana sem questionar os vínculos que estabeleciam em comunidade, eles ansiavam por respostas objetivas, independendo do outro e transcendendo as relações humanas.

Tal processo filosófico ocidental, em que o mecanismo de busca de sentido à existência saiu da perspectiva solidária para a objetiva, deu impulso à tradição corrente de buscar explicações objetivas para os movimentos humanos. Essa tradição, enraizada nos intelectuais desde os tempos do Iluminismo, pode indicar,

dentre outras coisas, que os sujeitos sentem necessidade de controle sobre si mesmos e sobre seus destinos, tanto quanto o sentem sobre os outros e sobre praticamente tudo que os cerca.

Herdeiros de um movimento que os fez acreditar que pela razão poderiam

conhecer os modos de ser da humanidade – e que para isso bastariam definir o

método adequado e executá-lo com rigor –, os sujeitos se convenceram de que é

possível distinguir objetivamente conhecimento de opinião, realidade de aparência, sem considerar as influências do coletivo sobre os objetos do conhecimento, pelo contrário, isolando ou neutralizando-as.

Nós somos os herdeiros dessa tradição objetivista, centrada na assunção de que nós precisamos nos manter fora de nossa sociedade, o tempo que for necessário, para examiná-la sob a luz de algo que a transcenda; ou seja, sob a luz disso que ela tem em comum com toda e qualquer outra comunidade humana possível e atual. (RORTY, 1997, p. 38).

Segundo o filósofo estadunidense, essa acepção de ciência influenciou os profissionais e as instituições destinadas à difusão dos conhecimentos científicos produzidos pela humanidade. Ao conferir às universidades a posição de produtoras de conhecimento científico e às escolas a posição de transmissoras dele, contribuiu para o distanciamento entre a produção do conhecimento e as estruturas sociais, com as relações de solidariedade e troca que as subjazem.

Uma das questões mais relevantes dessa herança ocidental para o entendimento das nuances do ensino hoje é que o conhecimento passou a ser tido como algo estático, como uma determinação do objeto, portanto, como uma referência ao real e, em vista disso, deixou-se de questionar a relação entre cotidiano e conhecimento.

Conforme argumenta Rorty (1997), em decorrência dessa tradição científica ocidental,nesse lugar destinado à aprendizagem em que os(as) professores(as) deveriam fazer a necessária mediação e intervenção para que o dialógico se dê (VIGOSTKY, 2001), há a tendência ao ensino dos conhecimentos historicamente produzidos pela humanidade, a transmissão de valores morais e a difusão de comportamentos culturais herdados e valorizados pela sociedade, em certas

ocasiões, desconectados dos valores e culturas da coletividade presente74.

74 No texto Por que ir à escola?,Stecanela e Wessel (2016) sinalizam, com base nas percepções de

Essas afirmativas, frequentemente emergentes em narrativas estudantis (STECANELA, 2016, 2018; VIEIRA, 2015), não refletem somente situações contemporâneas vividas e percebidas pelos sujeitos escolares, como se pode

depreender. Independentemente do tempo em que levou para se instaurar – trinta e

dois anos ou alguns séculos – esse modo operacional traduzido em práticas de

ensino que pouco se alteram no cotidiano, com a presença ou a ausência dos(as) estudantes, apesar de parecer natural, traz indícios acerca da raiz do conflito entre professores(as) e estudantes.

A ausência de um horizonte comum de expectativas75 em relação ao

cotidiano da aprendizagem, resultado da ausência de questionamento a respeito das

dinâmicas do cotidiano e do diálogo com os sujeitos que o compõem76, impactam o

ser e o fazer docentes tanto quanto impactam a aprendizagem.

A imposição de valores morais básicos e normas éticas associada à falta de diálogo desconsidera a experiência como força motriz da construção de conhecimentos. O conhecimento, portanto, que poderia ser (re)construído a partir das novas interações, acaba sendo, na maior parte das vezes, transmitido como verdade imutável e inflexível, desconectado da dialogicidade que o encontro da relação pedagógica pressupõe.

Si por educación en sentido amplio entendemos procesos de transmisión cultural formal e informal más o menos institucionalizados, tenemos que asumir en ellos la presencia, al menos espectral, de categoremas como valor, códigos de conducta, autoridad, obediencia, responsabilidad y conceptos tales como identidad, alteridad, nación, estado y globalización entre otros. Hasta qué punto, por ejemplo, violentamos en la enseñanza? Es correcto enseñar a los niños la teoría de la evolución cuando la mayorías de los padres norteamericanos no creen en ella? Cómo armonizar la necesaria autoridad del enseñante con la necesaria libertad del enseñado? (TOLOSANA, 2005, p. 12).

crianças nunca foram perguntadas sobre o porquê de ir à escola e quais os seus sentidos. Em geral, o que ocorre é o abafamento de suas vozes, resultado da ausência de escuta e de diálogo em torno de seus interesses, motivações e anseios.

75 A expectativa frustrada do encontro com o outro acaba se resumindo em desmotivação,

desinteresse e falta de envolvimento com os processos educativos, tanto por parte dos(as) docentes quanto por parte dos(as) discentes.

76 Estas narrativas produzidas pela suposição do que está acontecendo, em certa medida, são ecos

de uma experiência particular, na qual se conjugam a observação e as leituras ancoradas, de modo especial, os elementos trazidos por Vieira (2015), mesmo antes de ter-se feito o devido diálogo com a Sociologia do Cotidiano que, aliás, parte das evidências do vivido, referendadas/revalidadas pelas narrativas dos sujeitos que vivem esse cotidiano.

E se há, como os indícios da experiência sugerem, ausência de diálogo na relação estabelecida entre professores(as) e estudantes, se prevalece um cotidiano escolar no qual padrões culturais mais tradicionais se sobrepõem aos direitos individuais de aprendizagem, havendo, então, fragilidades na relação pedagógica, isso merece ser revisto.

O tripé da relação pedagógica (professor(a)-estudante-conhecimento) envolto pelo diálogo, prevê a abertura ao outro, ou seja, está regido pela lógica da descoberta que demanda do(a) docente uma atuação a partir do percebido. Se a

relação pedagógica é importante para a construção de conhecimentos77 no âmbito

da educação formal, também é importante descobrir como os(as) estudantes fazem em sua ausência, quais têm sido as alternativas buscadas para driblá-la.

Como mecanismo de integração entre pessoas e conhecimentos, entre

pessoas e saberes78, a relação pedagógica pode viabilizar a formulação e a

concretização de um horizonte comum de expectativas docentes e discentes. Para isso, há de se ter ciência de que é impossível separar a relação do saber79, como lembra Charlot (2013), e que a relação não é oposição ou sobreposição ao currículo (já que a educação em si não é prescritiva).

O desequilíbrio entre conhecimento e experiências de socialização, entre cotidiano escolar e cotidiano da vida acarreta o empobrecimento (ou ausência) das experiências de aprendizagem; que se tornam pouco significativas aos(as) estudantes.

Pensando nisso, talvez a relação pedagógica deva estar antecedida pela reconsideração das concepções de verdade e de conhecimento que guiam as ações pedagógicas na perspectiva do ensino. O conhecimento, tomado como algo que se apreende pela atribuição de sentidos próprios, portanto, que se relaciona com a experiência e com os tempos geracionais de quem os constrói e com a coletividade que permeia a individualidade exige da intervenção pedagógica a relação.

É evidente que na esteira da tradição filosófica ocidental herdada existem normas institucionalizadas, práticas culturais, condutas arraigadas e internalizadas que conduzem os sujeitos à manutenção de determinados hábitos e reproduções, sem que haja muitos questionamentos ou consideração à solidariedade.

77 Concebido como síntese descritiva e argumentativa que é parte de um processo social complexo e