• Nenhum resultado encontrado

Críticas ao Realismo

No documento relações internacionais (páginas 34-36)

A política internacional, como toda política, tem por base os conflitos relacionados à distribuição do poder e dos recursos econômicos. Os Estados atuam na arena internacional considerando essa disputa por poder e por recursos econômicos. E os governos não devem ter

objetivos maiores que os da defesa de seus “interesses nacionais”, entre os quais o mais importante é assegurar sua sobrevivência. É exatamente a conduta dos Atores internacionais em uma persecução - muitas vezes desordenada - por seus interesses nacionais que leva à situação de conflito e caos. Daí a assertiva de Morgenthau em A Política entre as Nações:

A política internacional, como toda política, é uma luta pelo poder. Quaisquer que sejam os fins últimos da política internacional, o poder é sempre o fim imediato.

Os realistas percebem diferentes maneiras pelas quais os Estados buscam sua segurança. Para assegurar a independência, dependendo da posição e do status internacional, optam pela proteção de uma grande Potência, a participação em sistemas de segurança coletiva ou em alianças políticas ou militares. De qualquer maneira, a maioria dos Estados dispõe de forças

armadas para garantir sua segurança. Aqueles que renunciaram a elas (a Costa Rica é o caso mais notório), necessariamente confiam sua defesa à proteção de uma Potência hegemônica.

Philippe Braillard, em Teoria das Relações Internacionais (1990, p. 115), resume bem os principais conceitos do pensamento de Morgenthau:

Para Morgenthau é o poder (power) e, mais precisamente, a procura pelo poder, que é o fundamento de toda a relação política e que constitui, assim, o conceito chave de toda a teoria política. Esta procura do poder está inscrita profundamente na natureza humana, onde tem a sua origem, natureza que não é essencialmente boa, já que ela confere a todos os homens um ardente desejo de poder ou animus dominandi, e os faz, com frequência, agir como uma ave de rapina, pelo menos ao nível das relações dos grupos sociais entre si. Temos, por isso, no fundamento da teoria política de Morgenthau, uma visão filosófica do homem, uma antropologia, marcada pelo pessimismo, que é fortemente inspirada pela obra do teólogo Reinhold Niebuhr, um dos mestres do pensamento da escola realista americana.

No que respeita particularmente à política internacional, a aspiração ao poder por parte das diversas nações, cada uma procurando manter ou modificar o status quo, conduz, necessariamente, a uma configuração que constitui o que chamamos de equilíbrio [de poder] (balance of power) e as políticas que visam conservar esse equilíbrio. Ao estabelecer uma ligação necessária entre a aspiração das nações ao poder e as políticas de equilíbrio, Morgenthau pretende evitar o erro cometido pelos que acreditam que podemos escolher entre a política fundada no equilíbrio e uma política, de um gênero melhor, esquecendo que todos os Estados procuram os seus interesses, exprimidos em termos de poder.

pág. 06

Críticas ao Realismo

Claro que o Realismo tem sofrido pesadas críticas ao longo de décadas. Por exemplo, afirma-se que a teoria negligencia aspectos sociais, culturais ou mesmo econômicos, dando valor exacerbado a fatores político-militares. Outra crítica é de que o conceito de poder na perspectiva realista estaria mal definido e seu emprego demasiado vago, uma vez que o poder seria, ao mesmo tempo, “um fim, um meio, um motivo e uma relação”.

Há, ainda, aqueles que lembram que o interesse nacional definido em termos de poder é discutível, uma vez que é complicado determinar e quantificar esse interesse. Ademais, o Estado jamais poderia ser considerado um Ator unitário e racional, e as decisões e ações de política externa são fruto de um complexo conjunto de interesses de forças em diferentes níveis da sociedade interna. Daí que interesse nacional seria um conceito bastante subjetivo, tanto em virtude da diversidade das forças do interior do Estado que estabelecem quais são as prioridades e os interesses da nação, quanto devido à heterogeneidade do sistema internacional.

Finalmente, há a ponderação de que a teoria realista assenta-se numa visão das relações internacionais limitada à configuração dessas relações nos séculos XVIII e XIX, ou mesmo na primeira metade do século XX, sendo inadequada ao sistema internacional contemporâneo, marcado pela diversidade de Atores e de grupos, como organizações internacionais, organizações não governamentais e empresas transnacionais.

Link

Também sobre o Realismo, veja o texto que trata da moral nas Relações Internacionais numa perspectiva realista, de Marcelo Beckert Zapelini.

pág. 07

O NEORREALISMO

O Neorrealismo é uma versão mais atual do Realismo. Pegou emprestado alguns elementos do cientificismo behaviorista e, assim, deu um renovo para a corrente realista. O Neorrealismo deriva de um movimento epistemológico que ficou conhecido como Estruturalismo. Segundo os estruturalistas, a sociedade se define pelas condições de possibilidade de toda organização social. A análise dos diferentes sistemas constitutivos da Sociedade Internacional e de sua articulação mostra serem eles a aplicação de certo número de leis lógicas encontráveis em toda sociedade. Tal ponto de vista se casou com algumas perspectivas “clássicas”, como as que veem as “leis” da anarquia e do poder como explicativas da realidade (como a “lei” do balanço de poder já estudada), dando luz ao Neorrealismo. Para os estruturalistas, são essas as invariantes ou constantes que dão unidade necessária à fundamentação científica. Enfim, para os estruturalistas, o importante é identificar os padrões, os arranjos, as organizações sistemáticas em determinado estado.

Em suma, o Estruturalismo foi fundamental para o desenvolvimento dos métodos “científicos” ao ensinar que o processo científico básico é o analítico, da decomposição das coisas, e que se deve privilegiar o aspecto relacional da realidade, uma vez que as relações são constantes, enquanto que os elementos podem variar.

Kenneth Waltz (2002) se utiliza do Estruturalismo para criar o seu Neorrealismo, também chamado de Realismo Estrutural, ao final da década de 1970, que ele modestamente chama de “revolução de Copérnico” no âmbito das Relações Internacionais.

Waltz identifica três níveis de análise nas Relações Internacionais: o Indivíduo, o Estado e a Sociedade (economia doméstica/sistemas políticos), e o Sistema Internacional (ambiente anárquico). Dos três níveis de análise identificados por ele, concentra-se no terceiro nível, para dizer que a anarquia é uma constante, um “dado” na estrutura do Sistema Internacional. Enquanto esse primeiro critério da estrutura, a anarquia, é uma constante, o segundo, a distribuição de capacidades, é uma variável, pois varia entre os Estados. O referencial empírico para essa variável é a quantidade de Superpotências que domina o sistema. Dado o pequeno número de tais Estados – importante perceber que ele escrevia na época da Guerra Fria –, e, além disso, para Waltz, não mais que oito já foram importantes, a política internacional, segundo ele, poderia ser estudada em termos da lógica de poucos sistemas.

O Neorrealismo foca mais as características estruturais do sistema internacional estatocêntrico do que as unidades que o compõem (os Estados). O conhecimento da perspectiva realista é fundamental para a compreensão das relações internacionais.

Além da já citada obra de Morgenthau, sugere-se a leitura dos trabalhos de Raymond Aron, com destaque para Paz e Guerra entre as Nações e dos livros de Henry Kissinger.

Vídeo

Duração: 7min08

O vídeo acima, com explicações bem focadas na Corrente Neorrealista, o ajudará a compreender com bastante clareza os princípios teóricos em questão. Na sequência, estude o conteúdo e realize as atividades propostas! Seu Professor-Tutor está apto a dirimir suas dúvidas. Consulte-o sempre que julgar necessário.

Em outras palavras, é a estrutura que molda e conforma as relações políticas entre as unidades. Para Waltz, o Realismo tradicional, por se concentrar nas unidades e nos seus atributos funcionais, é incapaz de trabalhar com mudanças de comportamento ou na distribuição de poder que ocorre independentemente das flutuações entre as próprias unidades. Assim, apesar de o sistema ainda ser anárquico e as unidades ainda serem autônomas no Neorrealismo, a atenção voltada para o nível estrutural fornecia-lhe uma imagem mais dinâmica e menos restrita do comportamento político internacional emergente. O Neorrealismo busca explicar como as estruturas afetam o comportamento e os resultados, independentemente das características atribuídas ao poder e ao status.

pág. 08

Para Waltz, o sistema internacional funciona como o mercado, o qual está interposto entre os atores econômicos e os resultados que eles produzem. É o mercado que condiciona seus cálculos, seus comportamentos e suas interações. Assim, para ele, é a estrutura do sistema internacional que limita o potencial de cooperação entre os Estados e que, por consequência, gera o dilema da segurança, a corrida armamentista e a guerra.

Waltz lembra que as empresas devem desenvolver sua própria estratégia para sobreviver em um meio competitivo, sendo difíceis ações coletivas que otimizem o lucro a longo prazo.

Waltz usa a noção de poder estrutural – espécie de poder que pode estar operando quando os Estados não estiverem agindo da forma que se esperava, dada a desigualdade de distribuição de poder no sistema internacional. Percebe-se que Waltz se inspirou em Durkheim, para quem a sociedade não é a simples soma de indivíduos e que todo fato social tem por causa outro fato social, e jamais um fato da psicologia individual. Em seu trabalho sobre o suicídio, Durkheim procurou demonstrar que, mesmo no ato privado de tirar a própria vida, conta mais a sociedade presente na consciência do indivíduo do que sua própria história individual. Ou seja, o ambiente é mais importante do que o agente, e essa é a tese por trás do Neorrealismo de Waltz.

Isolando a estrutura, Waltz argumenta que uma estrutura bipolar dominada por duas Superpotências é mais estável que uma estrutura multipolar dominada por três ou mais Superpotências, pois é mais provável que se sustente sem guerras espalhadas no sistema. Para ele, há diferenças expressivas entre multipolaridade e bipolaridade. Na multipolaridade, os Estados confiam em alianças para manter a segurança, o que é inerentemente instável, uma vez que existem potências demais para se permitir que qualquer uma delas trace linhas claras e fixas entre aliados e adversários. Em contraste, na bipolaridade, a desigualdade entre as Superpotências e cada um dos outros Estados assegura que a ameaça posta a cada um deles seja mais fácil de ser identificada, e, no sistema bipolar da Guerra Fria, a URSS e os EUA mantinham o equilíbrio central, confiando mais nos próprios armamentos do que nos aliados. Ficam, assim, minimizados os perigos decorrentes de previsões erradas. A intimidação nuclear e a inabilidade das Superpotências em superarem mutuamente as forças retaliadoras aumentam a estabilidade do sistema. Ou seja, para Waltz, a estrutura do sistema em si gerava a estabilidade.

pág. 09

OS ÚLTIMOS GRANDES DEBATES

Visto o Neorrealismo, agora podemos abordar os últimos grandes debates teóricos de interesse para o presente curso introdutório. Tais debates, que surgiram nas últimas décadas do século XX, refletem as teorizações que se fizeram necessárias para explicar as significativas mudanças nas relações internacionais produzidas pelo processo de globalização e pelo aumento da interdependência entre os Atores.

Neorrealistas X Globalistas

Atenção

Os conceitos de multipolaridade e de bipolaridade serão abordados com mais detalhes no próximo módulo.

Waltz foi criticado por Raymond Aron, para quem a estabilidade da Guerra Fria tinha mais a ver com as armas nucleares em si do que com a bipolaridade. Muitos críticos argumentaram que o modelo de Waltz era muito estático e determinístico, além de desprovido de qualquer dimensão de mudança estrutural (revolução). Mas essas, na verdade, são as características do Estruturalismo. Em Waltz, os Estados estão condenados a reproduzir a lógica da anarquia, e qualquer cooperação que ocorra entre eles ficará subordinada à distribuição de poder. Os neoliberais criticam Waltz por exagerar o grau de “obsessão” dos Estados pela distribuição de poder e por ignorar os benefícios coletivos que podem ser alcançados pela cooperação.

Abordaremos esse debate entre neorrealistas e neoliberais mais à frente.

Outros acusaram Waltz de tentar legitimar a Guerra Fria sob o manto da ciência. Com o fim da Guerra Fria, um dos polos da estrutura ruiu, a URSS, o que não se harmonizava com as expectativas da teoria de Waltz, segundo as quais as Superpotências amadureceriam para se tornar “duopolistas sensíveis” no comando de uma estrutura crescentemente estável.

No documento relações internacionais (páginas 34-36)