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O Advento do Estado Absolutista

No documento relações internacionais (páginas 51-55)

A partir do século XIII, ocorreu na Europa o fenômeno do fortalecimento do rei e da monarquia. Por intermédio de guerras, alianças e casamentos, os reis se fortaleceram e foram decisivos nos processos de construção dos Estados nacionais europeus. Os Estados nacionais se formaram, então, como uma cunha entre o poder local da nobreza e das cidades e o poder universal da Igreja. Alguns, como Espanha, França e Inglaterra, foram bem sucedidos. Outros, como Itália e Alemanha, não conseguiram constituir-se em unidades nacionais até a última metade do século XIX.

O Mapa 4 revela a divisão da Europa no século XIII.

Mapa 4: A Europa no Século XIII

Fonte: http://perso.wanadoo.fr/alain.houot/index.html

No processo de fortalecimento da monarquia, foi importante a criação de algumas instituições. A primeira delas foi a do imposto nacional, que se diferenciava da cobrança de tributos feita pelos senhores feudais. Enquanto esta se fundava nas relações pessoais de vassalagem, o imposto moderno baseava-se na ideia de que a contribuição era feita para a construção de um bem comum.

A segunda importante instituição foi a de exércitos nacionais. Se, antes, os reis dependiam das relações pessoais com a nobreza, pois precisavam dos senhores feudais e de seus exércitos particulares, agora tinham uma força militar própria, mantida com os novos impostos arrecadados.

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O terceiro aspecto importante para o desenvolvimento do Estado absolutista foi a criação de uma administração civil ligada ou ao rei ou ao Estado. Dessa forma, o soberano se desligava das relações particulares com a nobreza para poder governar. Ademais, tinha-se aí o embrião do que seria a burocracia estatal, essencial para o governo dos Estados modernos.

Os Estados absolutistas eram, pois, Estados em que o poder se encontrava concentrado, em razão das instituições como o sistema tributário, o exército nacional e a administração pública, nas mãos do rei. A figura do Estado se fundia com a do soberano. Daí as palavras atribuídas a Luís XIV, soberano absolutista francês: “L’Etat c’est moi!” (“o Estado sou eu!”).

Importante considerar, também, a preocupação dos Estados absolutistas com a economia nacional, especialmente com o comércio. Essa preocupação se dava, porque visava à arrecadação de fundos, especialmente sob a forma de metais preciosos e impostos. Nesse sentido, uma nova classe, cada vez mais próxima do soberano, se estruturou: a burguesia. Era formada pelos comerciantes e outros profissionais liberais das cidades que ganhavam força frente à nobreza ao contribuir para o financiamento do Estado moderno.

Por fim, o aparecimento dos estados absolutistas provocou grande mudança no sistema internacional. Hélio Jaguaribe (2001, p. 481) observa que “o século XVII se caracterizou na Europa pela emergência de grandes potências,

Livro indicado

Uma obra importante sobre o Absolutismo é “Linhagens do Estado Absolutista”, de Perry Anderson.

contrastando com o mundo do Renascimento, quando as cidades-estado da Itália desempenhavam os principais papéis

na arena internacional, cercadas por países potencialmente poderosos, como a França, a Espanha e a Inglaterra, que, no entanto, viviam em condições medievais. No princípio do século XVII, esses países tinham conseguido em grande parte alcançar sua integração nacional, e começavam a ter um papel internacional importante."

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A Reforma

No ano de 529, a Academia de Platão, em Atenas, fora fechada. Em um decreto desse ano, o imperador romano Justiniano manifestou-se contra a filosofia, iniciando uma acomodação do desenvolvimento cultural em direção à Igreja. No mesmo ano, é fundada a Ordem dos Beneditinos, a primeira grande ordem religiosa. Dali em diante, os mosteiros passariam a deter o monopólio da educação, da reflexão e da meditação. Na Idade Média, teve plena vigência o clássico ensinamento de Agostinho: “é necessário compreender para crer e crer para compreender”.

No século XVI, iniciou-se um amplo movimento de reforma religiosa, que marcou o fim do monopólio religioso da Igreja Católica Romana sobre a Europa Ocidental. Esse movimento afetaria definitivamente a política, a economia, a cultura, a sociedade, enfim, as relações de poder no cenário europeu e mundial.

Até a Reforma, além do monopólio sobre a fé da cristandade, a Igreja Católica tinha um domínio cultural, político, econômico e espiritual único. Cada aspecto da vida era rigidamente controlado. A força do Papa, o Bispo de Roma, tanto política quanto religiosa, sobre a Europa Ocidental era tamanha que, no século XIII, a Igreja podia proclamar que cada pessoa, praticamente em toda a Europa Ocidental, tinha fé em Deus de acordo com sua doutrina e seus sacramentos.

Esse controle, no entanto, acabou por se voltar contra a própria instituição. Como observa Perry (1999, p. 231), “obstruído pela riqueza, viciado no poder internacional e protegendo seus próprios interesses, o clero, do papa abaixo, tornou-se alvo de um bombardeio de críticas.”. De um lado, criticava-se a supremacia da Igreja sobre os reis. De outro, a corrupção, o nepotismo, a busca de riqueza pessoal por parte dos bispos e do papa, o relaxamento do cumprimento das obrigações espirituais e a venda de indulgências. Inúmeros cristãos passaram a criticar abertamente as práticas da Igreja e do clero. O mais famoso e mais importante crítico da Igreja foi o monge Martinho Lutero.

A Reforma se iniciou em 1517, com as críticas de Lutero à venda de indulgências. Indulgências eram obras que os cristãos faziam, em vida, para reduzir o seu tempo, após a morte, no purgatório. A maior parte dessas obras era constituída de doações à Igreja. Lutero questionava a validade moral da venda de indulgência e a possibilidade de que elas poderiam redimir o homem pecador. Lutero defendia que o homem, apesar de ser intrinsecamente condenado pelo pecado original, poderia obter a redenção por meio da fé, do arrependimento pessoal, do arrependimento pelos pecados e pela confiança na piedade de Deus.

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Aspecto importante das teses de Lutero repousa no fato de que o monge propunha, em última instância, a dispensa da necessidade da própria Igreja para que o homem tivesse sua religiosidade e seu contato com o Criador. As consequências da doutrina luterana ultrapassavam a esfera religiosa, pois ameaçavam a dominação político-ideológica que a Igreja de Roma exercia sobre os reinos europeus e seus soberanos.

Lutero, ao contrário de outros que atacaram a Igreja, obteve proteção da aristocracia europeia. Mais especificamente, foi protegido por Frederico, príncipe da Saxônia, na Alemanha. Posteriormente, Lutero deixou claro que não desejava de forma alguma ser uma ameaça à autoridade política dos príncipes alemães. Além disso, declarou que o bom cristão era aquele que obedecia às leis e à ordem.

De fato, Martinho Lutero obteve a simpatia de príncipes e de cidades em toda a Alemanha. As razões foram simples. Ao se desqualificar a Igreja Católica, abria-se a possibilidade de confisco das terras desta pelos príncipes e nobres e do fim dos pesados tributos que a ela eram pagos. Além disso, os príncipes alemães sentiam-se livres para resistir ao Sacro Império Romano, do católico Carlos V. Este, pressionado por ameaças externas – a França, a oeste, e os turcos, a leste – acabou por assinar a Paz de Augsburgo, em 1555. Esse acordo basicamente definiu que cada príncipe poderia determinar a religião de seus súditos.

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No Mapa 5, temos a Europa no século XVI, dividida entre os diferentes grupos de protestantes (em verde) – calvinistas, luteranos e anglicanos –, católicos fiéis a Roma (em rosa) e ortodoxos (em laranja). Cite-se ainda a constante pressão do Império Otomano, baluarte do mundo islâmico e um Ator muito relevante no cenário europeu da época. Claro que as disputas da cristandade centravam-se em católicos x protestantes, mas alianças com Constantinopla muitas vezes eram consideradas.

Mapa 5: A Europa à Época da Reforma: a Divisão da Cristandade

Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/ma/matm32.html

É importante observar que o descontentamento com a Igreja era grande em boa parte da Europa. O protestantismo, não só da linha luterana, espalhou-se com muita rapidez por todo o norte do continente. A reação católica, a Contrarreforma, deu-se sob diversas formas. A primeira delas foi no campo da atuação religiosa. Como observa Perry (1999, p. 242), “a princípio, a energia para a reforma veio do clero comum, bem como de leigos como Inácio de Loyola”. Loyola foi o fundador da famosa Companhia de Jesus. Como fora treinado como soldado, ele organizou os jesuítas de forma rígida e altamente disciplinada.

A Contrarreforma também enfatizava a pregação, a reconversão dos que se afastaram da Igreja, a construção de templos, a censura, a perseguição a protestantes e a outros hereges. Também é importante ressaltar que a Igreja, por intermédio do Concílio de Trento, de 1545 a 1563, modificou ou eliminou muito dos pontos criticados pelos protestantes, como, por exemplo, a venda de indulgências. Por outro lado, o Concílio não fez nenhuma concessão ao protestantismo.

A Reforma significou o enfraquecimento da Igreja e o consequente fortalecimento dos Estados. Além disso, a Europa se viu dividida em duas: uma protestante, no norte, e outra católica, no sul do continente. Essa tensão permaneceria e seria especialmente sentida no século seguinte.

Vídeo

Lutero, de Eric Till, conta a história do monge alemão que se rebelou contra o abuso de poder na Igreja Católica há 500 anos. Trata-se de filme interessante para auxiliar na compreensão da Reforma e da Contrarreforma.

Link

As 95 teses de Lutero que abalaram a Europa renascentista estão disponíveis em um sitio interessante: a Revista Espaço Acadêmico. Veja, também, a biografia do monge.

Vídeo

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De fato, as disputas entre católicos e protestantes teriam um importante reflexo nas relações internacionais europeias durante mais de dois séculos, em especial porque estavam associadas também às rivalidades entre as Potências europeias. Do ponto de vista das relações internacionais, os novos Estados protestantes aliavam-se para se contrapor à dominação hegemônica da Igreja e de seu principal defensor político, a dinastia dos Habsburgos, o grande hegemon europeu, que tinha um império que englobava a Espanha e a Áustria. Essas rivalidades religiosas e políticas culminariam na Guerra dos Trinta Anos.

A GUERRA DOS TRINTA ANOS (1618-1648)

A Guerra dos Trinta Anos, de 1618 a 1648, primeiro grande conflito armado dos tempos modernos, envolveu grande parte da Europa. Essa grande confrontação do século XVII poria termo ao período de um século de disputas entre católicos e protestantes e daria início a um novo sistema europeu de relações internacionais cujos fundamentos alcançariam o século XXI.

O sistema internacional no século XVII foi marcado inicialmente pela preponderância da Espanha. Seus concorrentes, porém, não tardaram a ocupar o seu lugar de destaque. A França surgiu como um país importante enquanto a Inglaterra preparou o terreno, especialmente nas últimas décadas do século, para se tornar hegemônica no século seguinte. A perda da hegemonia espanhola esteve ligada a vários fatores. Jaguaribe (2001, p. 486) observa que a decadência espanhola “resultou da combinação de quatro causas principais: certas debilidades institucionais; estruturas sociais predatórias; compromissos ideológicos utópicos; e a adoção de políticas equivocadas”

Importante lembrar que a Espanha, católica, era a potência hegemônica no início do século XVII. O domínio de Felipe III (1598-1621) abrangia toda a Península Ibérica, as colônias da América, incluindo o Brasil, o sul da Itália, Milão, ilhas no Mediterrâneo, Filipinas e enclaves na África.

Especialmente equivocada foi a decisão espanhola de ser defensora da fé católica. Isso não apenas fez ressurgir, em grau muito maior, as guerras religiosas do século anterior, mas também levou a Espanha a perder a sua condição de principal potência do continente europeu.

O século XVII, ressalta Jaguaribe (2001, p. 485), "foi marcado pelos conflitos religiosos mais agudos já ocorrido no ocidente. Herdados do século precedente, eles culminaram na Guerra dos Trinta Anos (1618-1648)", que foi, pois a tentativa militar dos católicos de conter o protestantismo.

O Mapa 6 ilustra a Europa em 1600, dividida entre reinos católicos e protestantes. Mapa 6: A Europa em 1600

Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/ancien_R/ancienr7.html

Antes de entrarmos diretamente na Guerra dos Trinta Anos, convém um rápido parêntese. Em 1556, o Imperador Carlos V, após ter assinado a Paz de Augsburgo, abdicou e dividiu em dois os seus domínios: de um lado, a Espanha, Países Baixos, colônias americanas e Itália ficaram para seu filho Felipe II (no mapa, em laranja); de outro, a Áustria, que ficou com seu irmão Fernando (em amarelo). Com isso, a família Habsburgo ficou dividida em dois ramos, ambos católicos e, frequentemente, aliados.

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A Guerra

A chamada Guerra dos Trinta Anos começou em 1618 como conflito religioso entre católicos e protestantes na Boêmia e adquiriu caráter político em torno das contradições entre Estados territoriais e principados. Envolveu a Alemanha,

Os conflitos entre católicos e protestantes marcaram a Europa por dois séculos, e seus efeitos alcançam nossos dias. Um filme muito interessante para se compreender o período é A Rainha Margot, de Patrice Chéreau. Veja o resumo e o contexto histórico do filme.

Áustria, Hungria, Espanha, Holanda, Dinamarca, França e Suécia.

Importante para o início da Guerra dos Trinta Anos foi a ascensão de Fernando II ao trono austríaco, em 1619. Na época, Fernando II, imperador do Sacro Império Romano-Germânico era também rei da Boêmia. Os rebeldes negaram-lhe esse título e entronizaram o príncipe eleitor calvinista Frederico do Palatinado. Segundo Perry (1999, p. 266):

A Guerra dos Trinta Anos começou quando os boêmios (...) tentaram colocar no seu trono um rei protestante. Os Habsburgos austríacos e espanhóis reagiram, mandando um exército ao reino da Boêmia; de súbito, todo o império foi forçado a tomar partido dentro de linhas religiosas. A Boêmia sofreu uma devastação quase inimaginável: três quartos de suas cidades foram saqueadas e queimadas e sua aristocracia foi praticamente exterminada.

O resultado foi o envolvimento de outros príncipes protestantes. O mais importante deles na primeira fase da Guerra, que vai até 1632, foi o rei da Suécia, Gustavo Adolfo, morto em batalha naquele ano. A possibilidade de paz entre Fernando II e os príncipes alemães leva à cena um novo Ator, a França, preocupada com a excessiva força que poderia ter a Áustria.

Sob o comando do cardeal Richelieu, a França, apesar de católica como os austríacos, posicionou-se contra estes. Primeiramente, de forma encoberta, depois de maneira ostensiva. Richelieu estava convencido de que a continuidade da França como grande poder internacional dependia da guerra contra os Habsburgos. Assim, a França financiava ou apoiava todos os que se opusessem ao domínio austríaco ou espanhol, ou, quando necessário, guerreavam diretamente contra eles. A França, aliás, derrotou o até então imbatível exército espanhol na batalha de Rocroy, em 1643. Para a Espanha, o custo dessa derrota foi altíssimo, pois significou o fim da invencibilidade de seu poderoso exército e a vida de 15 mil soldados.

A maneira como Richelieu se portou politicamente influenciaria o sistema internacional pelos próximos séculos. Richelieu criou ou ajudou a criar conceitos como o de “razão de estado” e “equilíbrio de poder”. Henry Kissinger (1999, p. 60) analisa que “de início, ele [Richelieu] queria impedir a dominação dos Habsburgos sobre a Europa, mas ao final deixou um legado que por dois séculos provocou seus sucessores a tentarem o primado francês na Europa. Do fracasso dessas tentativas, brotou o equilíbrio de poder, primeiro como um fato da vida, depois como forma de organizar relações internacionais (...). Quando a guerra terminou, em 1648, a Europa Central fora devastada e a Alemanha perdera quase um terço de sua população. No tumulto desse conflito trágico, o cardeal Richelieu enxertou o princípio da raison d´état (razão de estado) na política externa francesa, princípio que os outros estados europeus adotaram nos cem anos seguintes”.

Convém reproduzir mais algumas das conclusões de Kissinger (1999, p. 63): “o objetivo de Richelieu era romper o que ele considerava o cerco da França, exaurir os Habsburgos e impedir a emergência de uma grande potência nas fronteiras da França – especialmente na fronteira alemã. Seu único critério para alianças era que elas atendessem aos interesses da França, aplicado primeiramente aos estados protestantes, mais tarde até ao Império Otomano muçulmano”.

Assim, a conduta da França reflete a maneira racional e pragmática como as grandes Potências atuam no cenário internacional. Apesar de católica, a França não hesitou em aliar-se aos protestantes para se contrapor à hegemonia espanhola. Essa conduta garantiria o fortalecimento da França nos anos seguintes, de modo que, com o fim da guerra e o declínio do poder espanhol, o Estado francês assumiria o papel de nova Potência hegemônica no continente.

A Guerra dos Trinta Anos chegaria a termo por meio da Paz de Westfália (1648), e uma Nova Ordem seria estabelecida no cenário europeu e, consequentemente, nas relações internacionais da Era Moderna.

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No documento relações internacionais (páginas 51-55)