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Eu vi quando eles botaram lá perto do mercado São José, eles fizeram a

4.4 Os Valores e crenças dos consumidores do Bike PE Os valores e crenças são elementos que influenciam na formação e transformação do

4.4.4 Crenças sobre a bicicleta

Durante as conversações, os informantes apontaram a bicicleta como um instrumento de mudança.

[...] E hoje pra mim a bicicleta é o meu transporte, é um instrumento pra

mim de mudança, mudou muito a minha vida, muito. Então eu vejo que tem aspectos do bem de bicicleta que a gente precisa passar pras

pessoas. Minha vó anda de bicicleta comigo, ela tem setenta e um anos.

Então eu me emociono, bicicleta pra mim é muito importante, muito mesmo.

Eu era obesa, eu pesava 108 quilos. Então quando eu comecei a andar de bicicleta, eu emagreci, tive uma vida mais saudável, participei da minha cidade, conheci ruas que eu não conhecia, conheci pessoas que eu não conhecia (Informante 4).

Então o que a bicicleta mudou na minha vida foi a forma de eu enxergar a sociedade. Se você tá fazendo um passeio de carro, tá andando de moto,

você não tem aquele acesso do exercício da observação sabe. E você passa por aquele lugar, e você não observa aquele lugar direito. E quando você tá de bicicleta, você tem toda a liberdade de parar, de tirar a bicicleta da

ciclofaixa, se houver ciclofaixa que é um dos problemas de Recife também, e ir pra aquele lugar. Então, no domingo eu saio e eu vou pela

ciclofaixa, quando chego lá no antigo, saio percorrendo as ruas do centro, e começo a olhar os casarões, sabe, que é uma coisa que me fascina muito, olhar a arquitetura, a arte de rua. Então é tipo um exercício de olhar a cidade, pra mim é demais. É um exercício que ele me proporcionou viver a

cidade. Monto em cima da bicicleta, levo uma câmera no bolso, chego lá,

vejo um muro pintado que eu adoro arte de rua, fotografo, compartilho, essa coisa toda. Meu Instagram é cheio de muro e de foto do Recife antigo, porque eu gosto e é isso é uma experiência, sabe. Pra mim cada passeio de

bike é uma experiência. Recentemente escrevi até um texto no meu blog

que falava sobre esta história de você viver a cidade por um outro ângulo, sabe. Você está dentro de uma bicicleta, você se sente parte daquilo (Informante 7).

Eu acho que a bicicleta pra mim é um novo meio de vida, completamente,

se você utilizar de toda sua estrutura, da estrutura política, a física, o direito à cidade, de compartilhar mais a cidade coletivamente. Eu acho

que a bicicleta, ela traz isso né, e ela promove isso, a igualdade assim. (Informante 9).

É qualidade de vida, exercício, divertimento, relaxar, buscar aproveitar, aproveitar a vida em si. Ver a vida de outra forma, porque quando eu

estou em cima da bicicleta, eu vejo o mundo de outra forma, mais rápido, mais [pausa], é isso, mais veloz, é um divertimento, uma prática integrativa, que integra a gente com o mundo, as nossas percepções passam a aumentar, uma preocupação com o que tá na frente, o que tá do lado, o que tá atrás da gente (Informante 11).

Eu acho que é sensação de liberdade. Quando você pega um ônibus coletivo, você tá preso a um roteiro, muitas vezes mesmo sabendo que as ruas estão congestionadas, mesmo assim ele tem que entrar lá. Com a

bicicleta não, você pode cortar, acho que isso ajuda bastante (Informante

20).

As narrativas dos informantes acima revelam que estes possuem crenças positivas sobre a bicicleta. Para a entrevistada 4 ela foi responsável por uma mudança de vida, pela melhoria da saúde e pela compreensão do indivíduo enquanto ser integrado a uma comunidade. O informante 7 realça este aspecto de integralização, afirmando que por meio da

bicicleta os indivíduos conhecem o ambiente em que estão e passam a se sentir parte dele. A atividade de pedalar leva a possibilidade de contemplação e de sentimentos de pertencimento. Percebe-se, assim, que o andar de bicicleta em si, independente de ser alugada ou própria, oferece a sensação de relacionamento, seja com as pessoas e/ou com o ambiente, auxiliando na construção e extensão do self essencialmente relacional (ANDERSEN; CHEN, 2002).

A bicicleta também é entendida como um instrumento que possibilita a criação e exercício de uma consciência política (informante 9). Por meio dela, os indivíduos reafirmam e lutam por seus direitos de mobilidade, de viver a cidade, de terem uma estrutura adequada para o pedalar, além de reforçar a coletividade. Ademais, como aponta o entrevistado 11, este objeto possibilita que os indivíduos adquiram uma percepção do todo, ao preocuparem-se com os carros, com os pedestres, com outros ciclistas, além de ser um modal mais veloz e adaptável mediante os engarrafamentos de Recife. Tais características são essenciais na sociedade líquida onde são valorizadas a capacidade de mudança, dinamismo e adaptação (BAUMAN, 2001). A bicicleta oferece isso em detrimento dos outros meios de transporte, sendo possível adaptar caminhos e economizar tempo no trajeto. A possibilidade de realizar tais atividades gera o sentimento de liberdade (informante 20).

A partir destas considerações, foi percebido que o uso da bicicleta gera um vínculo afetivo uma vez que os usuários deste objeto – seja ele alugado ou próprio, creem que este modal lhes promove o início de uma mudança, seja ela política, ideológica, ligada a saúde ou ambiental. Ademais, a bicicleta em si age como extensão do Eu ao auxiliar os informantes a aprenderem, definirem-se e lembrarem a si mesmo quem são, sendo representativos, segundo Dodson (1996), de suas crenças e atitudes. O projeto Bike PE desenvolve um papel importante na medida que oferece aos indivíduos a possibilidade de vivenciarem tais conscientizações sem a necessidade de possuírem o bem em questão.

Esta importância do projeto pode influenciar nas crenças dos consumidores sobre sua continuidade. Na próxima seção, buscou-se analisar tais crenças.